Dr Antonio Agostinho Neto
PARTIDA PARA O CONTRATO
O rosto retrata a alma
amarfanhada pelo sofrimento
Nesta hora de pranto
vespertina e ensanguentada
Manuel
o seu amor
partiu para S. Tomé
para lá do mar
Até quando?
Além no horizonte repentinos
o sol e o barco
se afogam
no mar
escurecendo a terra
e a alma da mulher
Não há luz
não há estrelas no céu escuro
Tudo na terra é sombra
Não há luz
não há norte na alma da mulher
Negrura
Só negrura…
NÃO ME PEÇAS SORRISOS
Não me exijas glórias
que ainda transpiro
os ais
dos feridos nas batalhas
Não me exijas glórias
que sou eu o soldado desconhecido
da humanidade
As honras cabem aos generais
A minha glória
é tudo o que padeço
e que sofri
Os meus sorrisos
tudo o que chorei
Nem sorrisos nem glória
Apenas um rosto duro
de quem constrói a estrada
pedra após pedra
em terreno difícil
Um rosto triste
pelo tanto esforço perdido
- o esforço dos tenazes que se cansam
á tarde
depois do trabalho
Uma cabeça sem louros
porque não me encontro por ora
no catálogo das glórias humanas
Não me descobri na vida
e selvas desbravadas
escondem os caminhos
por que hei-de passar
Mas hei-de encontrá-los
e segui-los
seja qual for o preço
Então
num novo catálogo
mostrar-te-ei o meu rosto
coroado de ramos de palmeira
E terei para ti
os sorrisos que me pedes.
NOITE
Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.
Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.
São bairros de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.
Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.
Ando aos trambulhoes
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.
Também a noite é escura.
CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
Latas pregadas em paus
fixados na terra
fazem a casa
Os farrapos completam
a paisagem íntima
O sol atravessando as frestas
acorda o seu habitante
Depois as doze horas de trabalho escravo
Britar pedra
acarretar pedra
britar pedra
acarretar pedra
ao sol
à chuva
britar pedra
acarretar pedra
A velhice vem cedo
Uma esteira nas noites escuras
basta para ele morrer
grato
e de fome.
O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos
homens
no desejo alimentado entre ambições de
lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África
Sempre o choro mesmo na vossa alegria
imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a
parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas
de África
e mesmo na morte do sangue ao contato
com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego
dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo
dos homens
o choro de séculos
inventado na servidão
em historias de dramas negros almas
brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas
bocas
o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no
circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida
fechada em estreitos cérebros de maquinas
de contar
na violência
na violência
na violência
O choro de África e' um sintoma
Nos temos em nossas mãos outras vidas e
alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas
bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.