DominguesA
Seguia passando aquelas cores no seu rosto cansado, tentando se convencer que elas realmente a tornavam mais bonita. Um risco sob a marca dos seus olhos distantes, um contorno pela boca desgostosa de sua própria existência, um esfumaço sobre bochechas que continuamente iriam fingir movimento expressivo. Cabelo já artificialmente arranjado, meia calça apertada, sapatos altos suficientemente desconfortáveis, saiu. Ou entrou?
Ambiente de beleza fingida, pessoas sem rostos. Sons completamente mudos que vem e vão de bocas ressecadas pelo álcool são disferidos contra seu ser sem se darem conta de como gradativamente a sufocam. Bebendo mentiras e mastigando navalhas, faz pequenas pausas apenas para forçar gargalhadas. Quando a batida finalmente termina, se despede manchando de sangue invisível a roupa daqueles estranhos.
Senta no banco traseiro do táxi e da janela vê luzes se apagando, moças rindo histericamente abraçadas pelo fulano qualquer que pensa ter conquistado algo naquela noite e alguns senhores limpando a sujeira causada por todo aquele teatro. “Leve-me para longe, por favor. “
Agora é só esperar pela próxima noite de diversão.
Você me parece um completo estranho agora. Nossas memórias estão cada vez mais difíceis de serem encontradas nessa bagunça de novas experiências que a vida proporcionou, e eu estou cada vez mais distante daquele sentimento que um dia transbordou.
Aqui, no futuro, é fácil olhar para aquela garota chorosa, de olhos fartos e distantes que um dia existiu e dizer que nossa separação era mesmo inevitável; que com aquela pouca bagagem amor nenhum se solidificaria. Ela foi mesmo mesquinha, infantil, inocente e fraca. Mas ao mesmo tempo foi forte, corajosa e sincera. Você mais do que ninguém entende desses paradoxos.
Afinal, quem melhor que o amor para criá-los?
Estávamos nus;
de todas as formas possíveis.
Éramos cores e sons nos misturando de forma sincera e profunda, alimentados por nossos anseios e receios que há muito angustiavam e pediam compreensão.
Do céu o que tínhamos era uma pintura dinâmica emoldurada pelas paredes frias do quarto sussurrante, cortada por linhas paralelas que poderiam estar sendo consideradas essenciais pela TV estranha da casa ao lado.
Essência.
Termo que ali, a cada novo toque, nova palavra, novo “novo”, se agitava, se contorcia e se desdobrava na busca de novos significados.
Quem em sã consciência há de dizer que existe nudez mais bonita?
Hey, sinto pela grosseria, moço.
Sinto se aquela sua irmã que mora fora realmente foi estuprada por algum rato qualquer, em um desses becos escuros que roubam almas.
Sinto se ao parar o seu carro do meu lado naquela avenida mal iluminada, você realmente a viu em meu lugar, sozinha, com medo, ameaçada por uma cultura suja e quis agir por um dia ter se calado.
Você até tentou explicar que queria ajudar, mas, como eu poderia saber?
Tudo o que pude fazer foi apertar o passo e pedir a um deus qualquer pra não acabar como mais uma de suas esquecidas nas esquinas estatísticas dessa vida mal esclarecida.