Denise Emmer
A LÂMPADA MÁGICA
Para meu filho Arthur
Vives em mim e tenho mais que uma alma
Sinto que escrevo um novo movimento
Flor que invento estranha e pulsante
Semblante mágico e aceso
Tenho-te preso planeta por um fio
Sou teu céu e cio, tua luz marítima
Meu ventre escuro de pão e de argila
É tua breve casa numa clara ilha
Estás em mim e tenho mais que uma pátria
Chegam-me equinócios, outros cromossomos
Somos eu e tu o pacto e o sangue
Silêncio e salto de naves acopladas
Sonhas meu sonho e sobe uma estrada
Perfeita e líquida lenta modelagem
Enquanto te construo prossegues em viagem
Por minhas labaredas, sol dentro de águas
Abstrato ser feito de anjo e ritmo
Sinto teu galope através de minha noite
Sinto-me inflar e sinto que sou vento
Sinto sou a Lua em sua face inchada
Quando desprendo a nuvem de uma escada
A cada mês a cada madrugada
Sopram-me as luzes e os discos e as dunas
Sou quase um sono imenso de inverno
A identidade de um rio sabe-se pela flauta
O quanto ele gira o quanto ele sonha
Saberei de ti quando desaguares
Quando aterrissares pássaro e menino
Eras só palavra agora és acorde
Música no ventre que lateja
Mesmo que ainda não te vejas
Te imagino Sol se repartindo em raios
Estava consciente da distância
Nas leis de uma ciência tão estranha
O que é próximo também é o mais longínquo
Dentro de mim estás no infinito
Como se fabricasse uma cidade sobre um astro
Como se recriasse a pré-histórica estrela
Faço-te em mim no meu eu mais que profundo
Por mim verás o melhor do mundo
A não ser das atômicas manhãs tão pálidas
Dos mísseis que apontam para um cego
Das nuvens sem nexo radioativas
Das ocas laranjas cancerígenas
Perdoa-me se te chamo para o frio
Para o arrepio de mais um século
Para as praças desertas vagarosas
Para a solidão de enxofre das esquinas
Passamos para um outro calendário
Nosso diário atravessa o que é princípio
Sou teu aquário faço-me instrumento
Acho que formulo um novo testamento
Aprendo a linguagem dos relógios
A cada Lua conto seus dragões
Teço os longos panos de espera
Bordo extensas primaveras
Calculo teus quintais incalculáveis
E não te vejo mais do que um cinema
Melhor do que sonhar com teu instante
É aguardar-te então na hora plena
Sensações de Zênite e Olimpo
Paz e sonho eis o que sinto
Sou a árvore máxima primeira
Encosto em mágicas ladeiras
Esbarro em deuses afastados
Flutuo no cimo dos telhados
Mas tenho-te em águas submersas
Mergulhado em flores placentárias
Azul oval intacto mistério
Redonda fêmea lâmpada galática
Soprou-me o céu talvez o teu espírito
Como se um relâmpago no branco dicionário
Enigma dentro de enigma, é chegado o advento
Em que momento fizemos teus amores?
Em que horário atamos teu traçado
Enquanto na noite um louco relinchava?
E outro agonizava nos bairros de Beirute
Ou um menino buscava a mãe entre estilhaços?
Não fizemos teu mundo como poderíamos
Ainda que tão belo seja o teu planeta
Avistar o impossível mar do cosmos
É descobrir-te nu em meu oculto
Surpreender o susto e o perfeito
Deslocar das folhas de um alto
Afagar o próprio corpo de lanterna
Como se percorresse a mão sobre a América
Como se tocasse em todas as tristezas
Alisando o cão de um continente
Seria o colo bolsa transparente
E te veria de todas as vertentes
Alisar o ventre na expansão do acaso
Universo em crescimento e fruto
Que além de mim e do invisível escuto
Acomodar-se peixe entre colchões da noite
Não sei de mim e não respondo
Como posso conceber-te e como
Poderia dar-te a aparição do dia
A fantasia plena e calma dos felizes
O que me dizes é – recôndita magia
Baterás as asas como ventania.