Debora Brun
O olhar congelante de quem há tempos perdeu o coração. Talvez roubado, talvez doado, talvez devorado pelos carentes de sensibilidade. As imponentes asas negras em movimentos sincronizados deixavam mais frio o meu quarto. Encontro a paz, que não veio acompanhada da luz que imaginei. A escuridão não amedronta, você me protege. Devia estar apavorada, ao contrário, corro para os seus braços e me acho em ti. Anjo da morte, onde esteve todo esse tempo? Esperava sem me dar conta. Precisava sem nunca ter sentido falta. Fica, ou me leva contigo. Não sofrerei. O sofrimento é a vida e você minha cura.
Mas...
...trocaram olhares.
...sorriu pra ele.
...fez charme.
...aceitou o drink.
...usava saia curta e decote.
...andava sozinha.
...não pediu pra parar.
...estava bêbada.
...ela provocou.
Sem "mas".
Indiferente como a uma lembrança esquecível, das que ao recordarmos nem temos certeza se foi ou não real. Das coisas que apagaríamos da memória se existisse tal possibilidade. E nem faria falta. Algumas palavras e a distância de uma conexão ruim é vencida. Frente a frente, a tela do computador não mais nos esconde. Não há mentiras e as que foram contadas são agora descobertas. Fomos sinceros. É certo, nos descrevemos um pouco mais bonitos do que realmente somos, mas todo mundo faz isso. Prefiro dar o nome de autoestima elevada. Tão curto quanto esse texto. Tão rápido quanto o ato. Tão perigoso quanto a clareira onde nos enfiamos. Tão estranho quanto a volta pra casa. Sem assunto. Sem palavras. Sem intimidade. Continuávamos sendo dois estranhos. Estranhos que tinham sido por alguns instantes um do outro. Mas não marcaram um ao outro.