David W. Bercot
Quando o Cristianismo estava surgindo, o foco era em Jesus Cristo e em seu reino — não na teologia. Para ficar claro, existem doutrinas fundamentais que os cristãos sempre consideraram essenciais à fé. De algum modo, porém, as coisas vistas como essenciais cresceram de umas poucas frases para uma longa lista de princípios teológicos, muitos deles desconhecidos dos primeiros cristãos.
Arminianismo Brasil
Quando os teólogos cristãos assumiram o poder no quarto século, o foco mudou de “segue-me” para “estuda-me”. Teólogos eruditos afirmavam ter visão e entendimento especiais das Escrituras. Esperava-se que o restante da igreja ficasse assentado, aceitando o que os teólogos lhes diziam que as Escrituras significavam. Dar fruto do Reino não era mais tão importante. O essencial era aceitar as doutrinas “corretas”.
Foram as autoridades religiosas, em primeiro lugar, que se opuseram ao Reino de Deus nos dias de Jesus e assim tem sido desde então. Quando uso o termo teólogo (...), estou me referindo à elite da academia e seus discípulos que se posicionam como os intérpretes oficiais das Escrituras. Minha crítica se dirige aos elitistas que reivindicam para si o direito de interpretar as Escrituras, ao passo que o negam aos outros. Volta-se também para os acadêmicos arrogantes e para as autoridades eclesiásticas que imaginam compreender melhor o Novo Testamento do que os cristãos que viveram perto da época dos apóstolos.
Os teólogos estão destruindo o cristianismo do reino de dentro para fora com eficácia. Aliás, eu não ficaria surpreso se os cristãos do Reino de hoje perdessem a maioria dos ensinos de Jesus sobre o reino no decorrer de uma ou duas gerações.
Nós, cristãos do Reino, podemos aprender a enfrentar de pé os valentões teológicos da atualidade. Todavia, para ter condições de fazer isso com eficácia, primeiro necessitamos aprender como era o Cristianismo no início e como os teólogos assumiram o poder. Também precisamos entender os meios que os teólogos usam em nossos dias para abafar o testemunho do Reino encontrado na Palavra de Deus. Quando compreendermos essas coisas, não será difícil para nós desmascarar a maioria dos teólogos como os impostores espirituais que costumam ser.
Infelizmente, as minúcias que os teólogos (religiosos do tempo de Jesus) gastavam tempo para interpretar raras vezes tinham qualquer relação com o amor. Eles não criavam regras detalhadas sobre o que significava amar o próximo ou ser misericordioso com alguém. Em lugar disso, a maioria dos regulamentos dizia respeito a coisas como guardar o sábado, definir as punições por fazer o mal, as formalidades necessárias para um casamento ou divórcio válido, voto de nazireu, dízimos e celebração da Páscoa. Em suma, eles achavam que rituais, cerimônias e dias santos eram as partes mais importantes da lei.
A maioria dos teólogos judeus era capaz de identificar com correção muitas profecias do Antigo Testamento sobre o Messias vindouro. No entanto, quando o Messias finalmente chegou, não conseguiram reconhecê-lo. Aliás, eles acabaram condenando-o à morte. Tinham muito conhecimento, mas pouco entendimento. Nunca enxergavam o grande quadro. Em contrapartida, milhares de judeus que pouco sabiam acerca das complexidades da lei não tiveram dificuldades para reconhecer que Jesus era o Messias quando ele apareceu.
Deus havia inspirado a Bíblia a fim de ser escrita para o povo comum. Mas os teólogos a transformaram em algo para a elite espiritual, para homens instruídos.
A soma dos mandamentos humanos, comentários, interpretações, hipocrisia e elitismo espiritual dos fariseus consistia no fermento do qual Jesus ordenou nos acautelarmos. O peso do fermento dos teólogos esmagou todo o espírito e propósito da lei. As Escrituras por si só se tornaram inúteis, porque elas só queriam dizer aquilo que os teólogos afirmavam que elas significavam.
Os teólogos judeus haviam tornado as Escrituras inválidas por causa de suas tradições. Os teólogos controlavam o que as pessoas aprendiam sobre Deus e seu modo de lidar com o ser humano. Eles próprios, porém, se encontravam na mais completa escuridão.
Secularistas e teólogos liberais afirmam com frequência que Paulo foi o verdadeiro arquiteto do cristianismo. Imaginam isso porque o que é transmitido como cristianismo bíblico hoje na maioria das igrejas provém, em primeiro lugar, da interpretação dos escritos de Paulo feita por Martinho Lutero. O evangelho de Lutero não se baseava nos ensinos de Jesus, mas, sim, em uma compreensão equivocada dos escritos de Paulo. Mas se nos concentrarmos nas cartas de Paulo para estabelecer a fé cristã, então o servo terá se tornado maior do que o Mestre.
O motivo de quase todos nós lermos as cartas de Paulo como se fossem tratados doutrinários é o fato de termos sido apresentados a elas dessa maneira ao longo de toda a vida. Nos capítulos a seguir, analisaremos os teólogos cristãos que, ao longo dos séculos, se apossaram do cristianismo. Sendo teólogos cultos, começaram a infiltrar o próprio conceito do cristianismo nas Escrituras. Como imaginavam que a teologia é a essência do cristianismo, transformaram Paulo em um teólogo como eles próprios. Na verdade, fizeram dele o teólogo cristão supremo.
Jesus deu um golpe final nos teólogos liberais. E foi este: Ele nunca muda. “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente” (Hb 13:8). Jesus é sempre o Professor, o Escriba, porque seus ensinos são definitivos. Não precisavam ser reinterpretados no segundo século, nem no século 12 ou 18. Tampouco necessitam ser reinterpretados no século 21. Aquilo que as palavras de Cristo significavam para seus ouvintes originais é exatamente o que querem dizer hoje.
Jesus não fundou uma instituição contínua de teólogos para reinterpretarem seus ensinos a cada nova geração. Não necessitava revisar Seus ensinos para que continuassem vívidos e “relevantes” a cada geração que se passasse. Somente ensinos criados pelo ser humano necessitam desse tipo de revisão. O Evangelho do Reino nunca precisa ser atualizado. As pessoas que acham ser necessário tornar o Evangelho “relevante” introduzindo mudanças estão reduzindo Jesus a um mero professor humano, cujos ensinos logo ficam ultrapassados.
Em suma, o Reino funciona exatamente como Jesus disse que seria. As pessoas desprezadas pelo mundo por serem tolas e ignorantes são exatamente aquelas que têm compreendido melhor o Reino de Deus. E, em geral, aqueles que o mundo exalta como brilhantes são os que mais têm dificuldade em compreender as verdades simples que Jesus e seus discípulos ensinavam.
Os cristãos do segundo século continuaram a serem filhos do reino. Eles ainda reconheciam que os ensinos de Jesus — não de Paulo — eram as colunas centrais do Cristianismo. Quando queriam explicar aos não cristãos o que era o Cristianismo, os cristãos do segundo século iam direto para os ensinos de Jesus.
Os cristãos do segundo século se encontravam em uma posição abençoada. Foram à última geração de cristãos que pôde conhecer pessoalmente aquilo que fora transmitido da era apostólica. Quando falavam sobre a fé histórica, estavam se referindo àquilo que haviam ouvido em pessoa dos apóstolos ou de “homens fiéis” treinados por estes.
É interessante observar que, nos séculos que sucederam Niceia, ninguém foi queimado vivo ou arrastado perante a inquisição por não produzir os frutos do reino. Em vez disso, as pessoas eram torturadas, presas e queimadas vivas por defender crenças heréticas (reais ou imaginárias), possuir exemplares da Bíblia, fazer reuniões cristãs não autorizadas ou pregar sem licença. Se alguém não consegue ver quão desprezível aos olhos de Cristo é torturar outros, queimá-los vivos ou matar de qualquer outra maneira, essa pessoa está completamente cega.
Muitos cristãos têm a errônea concepção de que a reforma consertou essa bagunça toda. Acham que a reforma proporcionou o retorno a um cristianismo genuíno. Na verdade, porém, ela apenas colocou uma nova forma de “doutrinianismo” no lugar da antiga. A reforma foi meramente uma batalha entre velha teologia versus nova. Nem os católicos, nem os reformadores ensinavam um cristianismo que requer frutos. Ambos adoravam junto ao altar do “doutrinianismo”.
Os reformadores usaram três métodos para consolidar suas opiniões, a fim de dominar todo o mundo não católico, não só em seus dias, mas também nas gerações seguintes. Esses três métodos foram:
(1) Bíblias de estudo,
(2) livros doutrinários e
(3) comentários.