Daniela Possamai
A insônia - essa loba triste - anda tão inquieta e curiosa que mal dormiu, já pulou da cama e anda por aí.. a ladrar nos muros da cidade..
Que versos antigos, que nada!!
Belos serão os versos que ainda não desabrocharam..
Aqueles que ainda residem, impávidos, nas nuvens..
Os versos que, ansiosos, esperam a mão que os faça nascer - amágica mão de poeta!!
Repara como são mágicos os dias de vento - os dias em que finalmente as folhas coloridas dançam valsas..
E o que é a mão do poeta, senão 5 dedos trêmulos que nos prometem as nuvens - as nuvens - aqueles infinitos azuis com que sonha a tua janela
Eu quero uma vida tão efêmera, tão fugidia - definitivamente uma vida levada!! E será preciso buscá-la a cada hora na esquina de casa.. lá onde vivem as nuvens..
A beleza do poeta, a verdadeira beleza do poeta, está em açucarar os tristes corações embrutecidos..
Porque a tristeza tem um tom azul, não desses com os quais se colorem os céus, mas aquele lá, cabisbaixo, sentadinho na calçada - aquele que observa, quieto e mudo, a melancolia de um agosto sem afagos..
A insônia e suas carcaças..
Os restos podres que ficam largados para trás pelo chão da noite..
Os amontoados de poeira que levantam com o vento e voltam, subitamente, a cair pela estrada, para que aí permaneçam, derradeiros, até a próxima chuva..
Os pedaços da gente que deixamos para ontem, para que residam no passado, para que morram como folhas secas, inúteis - ocres e frias..
E então, numa tarde de outonos, meti um lápis na mão e me pus a rabiscar esses pergaminhos..
Já nem sei quando esse inútil acontecimento se deu, mas sei que já faz tempo..
E sei também que isso acontece quase amiúde, todo dia, a qualquer hora desatenta..
É como uma sina..
Vem a palavra, o sentires e alguma nuvem que parece adentrar a alma à procura de esconderijos..
É assim que escrevo..
Tentando me disfarçar..
Como se não soubesse também que cada sílaba é uma confissão dos diabos..
Eu escrevo para me ler..
para me adivinhar..
porque talvez precise me ouvir, às vezes, no entardecer da vida..
E também preciso me achar de quando em quando, muito a contragosto, porque prefiro não saber o caminho..
Já não quero a alegria cartesiana de um mapa e todas as suas rotas calculadas..
Eu quero mesmo é viver como vivo: assim perdida, esse bicho inquieto e ávido..
Porque pouco me importam os caminhos, eu prefiro as nuvens e a falta absoluta de radares..
Eu prefiro a contravenção da velocidade e o engano de uma sexta feira inexata e amarela..
Poema para uma tarde que acontece no canto Sul - Daniela Possamai - versos de um agosto oitavo/21 - aos desenganados
No dia em que me tornei poeta..
Segurei na mão alguns ventos e os arremessei contra os muros para que produzissem ecos..
Tomei então algumas brisas e sai pelo caminho a tropeçar versos..
Não sei bem como os desenho nem porque os faço,
mas sei que estão aí, a espreita - aguardando o momento do nascimento -
o instante em que os liberto da alma e lhes pinto asas para que sozinhos voem,
para que busquem dentro deles,
sua própria maturidade..
Poema para os versos aflitos, aqueles, que acabaram de nascer.. (Daniela Possamai - julho derramado/21 - aos amanhecidos
E se me soubesse corria atrás de mim mesma..
para evitar que me perca novamente nessas esquinas esquisitas e sem vida..
Se me soubesse, daria a mão a mim mesma e seguiria os imensos caminhos que se apresentam por essas estradas vicinais..
Se me soubesse, me atirava da cratera do Fuji Yama, não para morrer-me, mas para experimentar a coragem de voar sem asas..
Se me soubesse evitaria os discursos vazios tão longamente repetidos nesses meus ouvidos cansados..
Exauro-me, às vezes, do peso das vaidades e dos egos..
E tendo a ser tão generosa comigo que já não me atraem os bobocas, quiçá os babacas..
Tendo a ser outra e mais outra e outras tantas ainda.. todas elas Danielas..
Não a menina que subia nas árvores e fazia experimentos com seus peixes..
Mas esta, que numa tarde qualquer, pulou do nono andar e saiu, de saias, só para contar e escrever sua própria vida..
Ensaios sobre a queda do número 830 - os momentos em que se largam as muletas e consertam os pesos dos vazios - julho renascentista/21 - aos egoístas e suas vísceras rosas..
Numa noite igual a essa fui à Júpiter..
Só pra ver se existiam por lá as anêmonas..
E só havia hidrogênio e desânimo - um gás incolor, eu sei, e algumas europas..
E então, os inventei - as alegrias, algumas rochas coloridas e as anêmonas..
Sorriram e eu, eu me pus a desaguar..
Nesta noite compreendi a terrível loucura de um invento..
Perdoe-me por essas ideias estapafúrdias..
Nasci assim, cheia de engenhos, procurando uma função para cada coisa ou palavra..
Fazendo verso da pedra, da merda, da morte..
Não sou inquieta, sou poeta..
Poema para quem se põe a admirar o infinito as 3:56 da manhã de uma madrugada qualquer.. (julho insone/21) aos pequenos seres imperfeitos
O tempo dos versos
(Pretéritos)
Fazia versos para suportar o dia a dia
Para amenizar as concretudes que insistiam em existir.
A vida, por si só, já tinha um peso insustentável
Então eram precisos os poemas, não para viver a vida propriamente dita,
Mas porque é só na poesia que os entardeceres tem gosto de bergamota..
O tempo dos versos
(Presentes)
Faço poemas como quem pinta letras em carmim, da cor de sangue..
Faço poemas porque são de poemas os caminhos e os muros da cidade.
Porque é só num verso que escondemos a morte, que declaramos a urgência da poesia, que amamos infinitamente..
Faço versos como quem quer aplacar a vida..
O tempo dos versos
(Futuros)
Farei versos para desenhar a saudade,
Para amenizar o amanhã,
Para enfeitar a rua com transeuntes desocupados..
Farei versos porque não me cabem escolhas e, ainda que coubessem, faria versos..
Farei versos para inaugurar o amanhecer,
Para que brindem o dia com o odor das alfazemas distraídas..
A insônia - esse aeroporto repleto de destinos..
Essa confusão de portões e pontos cardeais desejosos de alguma ordem..
Esse emaranhado de conexões para qualquer lugar do mundo..
Que nos inquieta a colocar na mala nossas tralhas e pensamentos e simplesmente ir ali, ver..
A insônia - essa coisa tão premente na minha alma que já não sei se sou eu ou ela..
Já não sei se viajaremos juntas para o delta do Mississipi ou se a deixarei para trás, para que me abane, no embarque, com suas mãos pequeninas e trêmulas..
Para que me deixe ir..
Para que me liberte pela vida como se libertam os colibris cruelmente engaiolados..
Para que alcem voo e se atrevam nesses céus magicamente azuis..
Retratos de uma insônia que me consome a alma e as vísceras.. (julho/21 estreante)
Inscrições para um desastre
E assim nos encontramos..
Nessas manhãs despretensiosas..
Nesse pequeno universo que fede a pestilência e a lassidão..
Sem saber-nos..
Sem sequer reconhecer a parte nossa cega, vil, desencontrada..
Cá estamos e nada somos..
Nem esse pequeno poema que acabará em instantes pela falta de palavras e sentires..
Eu sou uma canalha..
E me consome essa insônia até as vísceras..
Daqui ouço o despertar de um galo vermelho qualquer..
Não consigo dormir,
Não aprendi a fechar os olhos e a dar mãos a Morpheus..
São cães raivosos os desassossegos - esses que ladram sem parar e confesso que estou cansada..
Confesso que me fazem falta os teus pés, as noites de nuvens e todos os sonhares..
Notas sem eira nem beira para uma insônia amarela e selvagem
invento um vento qualquer,
melhor, um vento amarelinho..
o vejo correndo por entre as folhas daquela amendoeira que chorava..
(ou era o meu choro que corria)
choveu!!
e o vento parou de ventar..
não há nada mais triste que uma segunda feira que desaba..
d.
E então, não dormem os poetas, esses canalhas..
não dormem e já não sonham..
há na cama, em letras garrafais, um aviso “é proibido sonhar”..
E então, escrevem os poetas, seus versos pela noite imunda..
Escrevem para os galos e para os sapos.. porque é nesses inúteis cantares que a natureza anuncia sua poesia..
d.
os urubus absolutamente rosas
os mares de bengala
as inefáveis nuvens..
delírios todos que me atravessam nessa segunda cheia de novidades e algumas inquietudes do andar..
a vida é esse caminhar pela floresta escura e temer, às vezes; o monstro que nem lá está..
d.
e hoje escreverei palavras nada úteis..
talvez porque não as compreenda como úteis..
sou poeta,
não faço consertos,
faço pergaminhos..
hoje escreverei com meu eu dilacerado nalguma esquina encantada..
não sei se vou ou se fico..
a vida, às vezes, dói..
d.
22/julho/23
fugiram todas as pétalas neste quase verão espantado de nuvens..
fugiram pelos arrabaldes à procura de mãos frágeis e mais gentis..
fugiram porque a dureza daquela rua sequer aceitou a tamanha delicadeza de uma pétala..
a doçura é sútil e quase invisível..
dá a ti mesmo um terreno onde possas morar sem construir muros..
d.