Contardo Calligaris
Em regra, a culpa não produz ação, mas descarrego. Funciona da seguinte maneira: somos autorizados a fazer pouco ou nada para que a situação mude porque o sofrimento de nossa consciência nos absolve.
A filosofia do contente,é uma armadilha de consumo. A existência tem amplitude, que inclue : medos, perdas , dores.
Nossa cultura valoriza cada um pela imagem de sucesso que a pessoa passa. A felicidade passou a contribuir para o status social. A cultura do contente: ser feliz virou obrigação. Uma armadilha de consumo, pois a pessoa passará a investir em coisas que lhe afirmaram essa imagem. O mais engraçado é que entre os intelectuais, se for feliz demais, tem falta de inteligência crítica!
O diálogo que leva ao amor dá a cada um a vontade de se arriscar, não surge da sedução e do charme, mas da coragem de se apresentar por nossas falhas, feridas e perdas.
"Das várias formas possíveis de infelicidade, me parece mais aflitiva não é necessariamente a que mais dói. Muito mais trágico me parece o destino de quem atravessa a vida sem se molhar, como se os efeitos (felizes ou nefastos) escorressem sobre a pele como água sobre as plumas de um pato. Com seus altos e baixos, imagine nossa vida como uma breve passagem por um circuito de montanhas- russas. Quem atravessasse a experiência anestesiado, sem gritos, pavor e risos, teria jogado fora o dinheiro do bilhete. Tenho a ambição, ao contrário, de ajudar meus pacientes a viver de tal forma que, chegando o fim, eles possam dizer-se que a corrida foi boa".
Podemos ter visões e convicções diferentes mas as diferenças tornam as discussões mais proveitosas. Devemos aproveitar as discordâncias.
O intento do debate é articular a complexidade dos fatos e das escolhas possíveis.
As festas, em tese, deveriam espantar a tristeza, mas conseguem apenas escondê-la. O barulho mascara e desculpa nossa dificuldade de dizer ou de escutar qualquer coisa que preste.
O mistério não é que alguém se torne assassino em massa. O mistério é que a grandíssima maioria não mate ninguém.
Justamente, se a mulher interroga o espelho frequentemente, é porque sempre se pergunta se é mesmo bem-vinda ao mundo.
A modernidade é a era em que nossa existência social depende do olhar dos outros: somos quem conseguimos fazer que os outros acreditem que somos.
Desconfio dos que propõem doutrinas de valor universal a partir dos arranjos singulares que eles ou elas encontraram para conviver com os percalços de suas vidas.
Em matéria de sociedade, sorte nossa: de vez em quando, podemos nos acomodar, mas nunca somos satisfeitos com a sociedade que conseguimos construir. Melhor assim.
Os sentimentos funcionam como picadas de mosquito, que coçamos e recoçamos até que se tornem feridas infectadas e, às vezes, septicemias generalizadas (quem sabe fatais).
Há três razões pelas quais o amor é absolutamente indissociável da literatura amorosa. A primeira é que a gente aprende a amar e a declarar o amor pela literatura. A segunda é que o amor se tornou relevante em nossa vida à força de ser descrito e idealizado pela literatura. A terceira é que o amor, como sentimento, é um efeito das palavras que o expressam: a literatura nos instiga a amar tanto quanto nossas próprias declarações amorosas.
Da mesma forma, quando começamos a inventar as regras e as formas de uma sociedade de indivíduos separados e autônomos, logo naquele momento começamos a sonhar com o abraço de comunidades unidas e fraternas.
Em ordem cronológica, Deus, família e pátria são, em nossa história, as grandes matrizes do mal e da imoralidade: é em nome desses três espantalhos que a humanidade se permitiu cometer seus piores crimes.
Mas uma coisa sei: qualquer evento nos marca e nos transforma só na repetição ou, melhor dito, num segundo momento, em que ele é evocado, retomado, revivido.