Clisomar Lima
O Luxo e o Lixo
Sou camarão ou escargot que enfeita o prato do gourmet
Sou a dor da fome, que faz sua barriga doer!
Sou granito que veste seu chão;
Sou terra batida, no seu barracão.
Sou piscina, com laterais gramadas;
Sou esgoto, a lama em frente a sua casa... sou enxurradas.
Sou o relógio rolex de ouro; Sou algema no braço do touro.
Sou o carro importado que mandaram blindar;
Sou o sujeito do qual precisam se cuidar.
Sou a conta bancária, no paraíso fiscal;
Sou o nome no DPC, pobre mortal.
Sou vidraça da sua cobertura;
Sou brecha no barraco, em cada curvatura.
Sou a faculdade pública dos que podem pagar;
Sou a mensalidade dos que deixaram de estudar.
Sou móveis finos, que embelezam sua sala;
Sou o colchão ganho, que cheiro de urina exala.
Sou o Lago Sul, moradia de nobre; Sou invasão, moradia de pobre.
Sou político que conseguiu se eleger;
Sou o voto que não soube escolher.
O luxo só precisa do lixo para continuar a luxar;
O lixo, continua onde está.
Dependendo da maneira que se vê:
O luxo é o lixo, ou vice-versa?
Conheci um homem muito rico
Que no dia do seu enterro
Vestia um terno fino
Seu esquife de madeira trabalhada
E de flores pela beirada
Conheci um homem muito pobre
Que no dia do seu enterro
Uns trapos lhe cobriam
Seu caixão estava mais para um caixote
E nas beiradas muita gente
Chorando sua morte
Depois de alguns dias
Não se via diferença
Da terra que os cobria
Diferença talvez
Só além do que meus olhos viam
Caixão ou caixote
Pro verme não se conta
Nem a sorte
Fala Brasil (A voz Brasil)
Em Brasília 19h
Começa agora um Brasil
Que nunca existiu
Mas quem está no poder
Precisa de meios
Pra se defender
Ou tentar convencer
Em Brasília 19h15
O aumento do imposto compulsório
Contribuiu para segurar
O aumento do petróleo
Em Brasília 19h30
Não existe inflação
Brasileiros comem mais frango
E mantivemos o preço do pão
Em Brasília 19h45
No nordeste brasileiro
A seca castigou
Mas foi resolvida
Com as frentes de trabalho
Que o presidente autorizou
Em Brasília 20h
Começa agora
O Brasil de outrora
ESTRUTURAL
O que divide os dois lados da estrutural
Não é só a pista
Mas o que revela a vista
Um lado é pobre
O outro, nobre
Ou seja
Um é povo
Outro é lorde
IGUALHA
Num coletivo público ás 19h30
Tantos rostos de aparências diferentes
Mas de expressões iguais
Em cada um
O cansaço por si insulta
Mais um dia de luta
Num supermercado em dia de vencimentos
Nos rostos também há igualdade
No descontento com a carestia
Na redução do que antes consumia
No dia comum
Nas favelas e assentamentos do meu país
Pude ver rostos mais parecidos
Juntando-se, soma-se a todos nós
Em cada um o descaso da elite
E o direito de não dar palpite
Num hospital público enfrentando filas
Se une todos em números e doenças
Em cada um o cansaço, a redução do que antes consumia
O descaso da elite e de novo o mesmo diagnóstico
Ser povo
PATRIOTA
Sou patriota
Terra minha
Nem para planta um horta
Sou indigente
Sem parentes influentes
A polícia me aborda
Dando surra
Se for de cor
Castigo dobrado
Maior a dor
Minhas roupas
Gastas e sujas
Já foram cascas de alguém
Que teve vida melhor que eu tenho
ESPELHO
Posa-lhe na face a beleza
Mas apenas te copia
Dua faces ali existe
Mas só uma é real
Mas a outro sendo sua fac-simile
Também é linda
Farei um castelo de espelho
Só para reproduzir você
HÁ TEMPO
Há tempo de sorrir
Há tempo de chorar
Há tempo de acalentar
Há tempo de parar
Há tempo de recomeçar
Há tempo de aprender
Há tempo de ignorar
Há tempo de crer
Há tempo de si perder
Há tempo de achar
Só não sei quanto tempo
Tem de tempo
Pra ter tempo
De ter tempo
O tempo que passou
E nada aproveitou
São tempos perdidos
Que nem ao tempo
Importou
FILHOS
Bom seria não tê-los
Só pra nunca
Ter que sentir a dor de perdê-los.
Mas quando os tem
Que seja eterno esse amor