Cláudia Dornelles
Um café, um amigo, uma prece, uma bênção. Tudo o que esquenta o coração, alimenta a fé e fortalece a vida.
A dor melhora. Claro que melhora. Melhora desde que você deixe doer. E doer dói ,né? Passa? Lógico que passa. Mas até passar é uma merda!
Ah, essa coisa de amor. Amor não se explica. Amor se aplica. Amor se descomplica e multiplica. Se lapida, se adequa, se rega e se roga. Amor não se implora. Amor aflora. Amor não se impõe. Amor propõe e não supõe. Amor tem certeza. Tem clareza. Tem nudeza. Amor tem beleza.
Senhor
Senhor,
Conceda-me amigos sinceros, inteligência positiva, afeto presente e intuição esclarecida para que eu conduza com lealdade minha vida na arte da imperfeição.
Fé
Folgo em saber que a estrada é longa.
Quem tem fé vai a pé.
Avisa lá que sou dessas que chega longe.
Direto
Enquanto a esperança é a última que morre, a ilusão alimenta os imbecis que não têm resolutividade na vida.
Você não tem de ser de direita nem de esquerda.
Você tem é de ser direito e, se possível, direto.
A ignorância não me habita
Quisera eu poder dizer a todos os meus amigos, que são poucos, o quanto deles me habita.
A expressão amigo ficou banalizada, e os seres humanos desumanizaram a percepção do que pode ser percebido pelo outro.
Intrigante que, quanto mais antenadas, mais solitárias tornam-se as pessoas muito modernas.
Encastelam-se em seus equipamentos cibernéticos e ignoram que o amor habita na compreensão da diferença.
Eu sou Bossa Nova e você é Rock, eu sou branco e você estampado. Eu faço prece e você ora. Eu como tomate na salada e você o trata como fruta.
Ok. Somos amigos, não é?
Então é o afeto que nos une e as diferenças que nos enriquecem.
Aos meus amigos e aos nem tanto...
Que sentido?
A gente tem a terrível educação que nos inclina a achar que tudo deve fazer sentido.
Que sentido? Para quem? Sentir sem ter tido? Sentir para ter? Sentir por que teve?
De qual sentido se trata esse a que estamos subordinados sem nenhuma cláusula de desistência?
Dias e noites insones buscando sentido para isso e aquilo.
Viver ultrapassa qualquer entendimento, alguém já bem disse.
O único sentido que faz algum sentido é sentir. E sentir não é uma questão de explicação, é de sentido. Nossos sentidos. Do primeiro ao sexto, apenas esses sentidos contam. De resto, o que fazemos é conjectura, na infinita necessidade de termos certezas de que estamos certos.
Para que mesmo?
3. Ora, bolas!
Ora, bolas! Mas, quem foi que disse que tomar posição na vida diante da diversidade de pessoas e temperamentos é fácil?
Claro que não é. Tomar atitude, seja ela qual for, demanda saber quem se é ou se busca ser.
Não é cômodo, definitivamente, expandir sua personalidade e tomar atitudes que, a contrário senso, podem ser confundidas com qualquer outra coisa que não seja o desnudamento da alma. Afinal, a interpretação depende da alma do outro, que nem sempre está disponível para o exercício da empatia, colocar-se em seu lugar.
Mas, que porcaria seremos nós se, ao buscar criar vínculos, estivermos sempre mascarados em busca de uma simpatia ininterrupta?
Vale a pena correr o risco? Penso que sim. Que não seja pelo outro, mas por mim.
Pela dignidade de encaixar minha fala na minha ação.
Povo de Fé
A gente nunca deveria discutir religião. Não. Religião a gente deveria apenas sentir. Ou bate ou não bate.
Temos muita sorte. Muita! Quer ver? Te conto.
Iniciamos o ano, logo no primeiro dia, 1º de janeiro, e o que temos? Dia de todos os santos. Quer exemplo mais democrático? Está todo mundo homenageado e não se fala mais no assunto!
Dezenove dias depois, comemoramos São Sebastião, que, não sendo bobo nem nada, é logo o padroeiro do Rio de Janeiro. Levou flechada, mas levou a melhor, vamos combinar.
Chegamos a dois de fevereiro. Sem controvérsias. Vamos comemorar Iemanjá. Afinal, um litoral imenso desses não poderia ficar sem uma musa inspiradora. Até Caymmi se rendeu aos seus encantos. Seria eu a desacreditar? Jamais. Me rendo, e com louvor.
Na luta diária pedimos clemência à exploração de cada dia e que ninguém negue: é preciso ser guerreiro para enfrentar o trânsito, o caos, a violência, o desamor, as fraudes morais, a falta de grana, então, chega mais Jorge, 23 de abril é aguardado para berrarmos nosso potencial guerreiro e irmos à luta com alguém que nos apadrinhe. Esperamos por você ansiosamente!
Para um povo amoroso não poderia faltar, é claro, uma esperança, então, Antônio entra em cena dia 13 de junho e faz a festa. Ufa! Resta alguma esperança aos encalhados de plantão. O coitado ainda se sujeita a ficar afogado, de cabeça pra baixo. Uma baixaria o que se faz com o coitadinho!
Dias depois, Pedro, que de bobo não tem nada, não foi à toa que ficou com as chaves do céu, antes de fechar o mês faz a sua festa. Comemoramos o dia das crianças, dos adultos, dos avós, da árvore, de Nossa Senhora.
O que buscamos mesmo é "alguma alma mesmo que penada, que empreste suas penas" quando não sentimos mais amor, nem dor, nem nada.
Só nos recusamos a perder a fé!
Vamos descombinar?
A gente caminha pela vida fazendo acertos de todas as ordens.
Primeiro são os que se destinam aos pais. Temos a necessidade de deixar combinado nosso compromisso em fazer tudo adequado, certo, dentro do esperado. O esperado por eles, claro.
Depois vêm os acertos que fazemos com a vida. Alguns que sequer raciocinamos direito. Mais ou menos como se assinássemos um cheque em branco só porque o credor - vida - nos parece da mais alta confiança. Nem sempre. Será?
Com ela combinamos, combinamos, combinamos. Combinamos concluir com êxito os estudos, aprender a nadar, entrar para faculdade, concluir a faculdade, conseguir emprego, falar inglês. A lista não termina porque a vida não terminou.
Acertos que fazemos em momentos em que éramos outros. Sim, outros.
Escrevendo, me ocorre, sem nenhum planejamento, a letra do Caetano que bem poderia ser dedicada para a vida, num trecho que nos permite algumas leituras e releituras internas... "Você é meu caminho (...) desde o início estava você (...) meu mar e minha mãe, meu medo e meu champanhe. Visão do espaço sideral. Onde o que eu sou se afoga! Meu fumo e minha ioga, você é minha droga, paixão e carnaval... Meu Zen, Meu Bem, Meu Mal (...)"
É isso: "onde o que eu sou se afoga!" Na era das combinações o que nós somos às vezes se afogar pelo que fomos, éramos ou pensávamos ser ou pensaram que fossemos. Mesmo que haja alguém com a crença - terrível - de que somos os mesmos desde o útero. Devo dizer que invejo essa pessoa. Ela deve ser bem menos inquieta que eu. Gente que acredita que não mudou nada, por favor, não leia essa crônica. Ela lhes soará como um acinte quando só quer propor um assunto. Não. Não é uma provocação. É uma constatação. Mas, se essa constatação lhe provocar algo, aproveite.
Mancos sussurros
Observe com cuidado, e até certa parcimônia, a quem você está chamando pra vida.
Se a pessoa não tiver inclinação à revolução, pode ser que te acuse de estar gritando com ela.
Há gente que prefere dizer, ouvir e viver aos mancos sussurros.
Perdi o talento!
Hoje decreto o fim do meu talento.
Perdi o talento para meias-palavras, frases enigmáticas, problemas sem solução, conclusões óbvias, indivíduos-metades. Perdi o talento.
Perdi o talento para história mal contada, esperança inventada, ilusão trabalhada.
Perdi o talento para excesso de subjetividade, para conversa fiada e para assunto que sempre começa e nunca termina.
Perdi o talento para amigo sem preocupação, gente sem atenção, trabalhador sem função.
Perdi o talento para santos que não cumprem promessa, para deuses subjetivos, para crenças subliminares. Perdi o talento.
Perdi o talento para embromação, para justificativas de enrolação, para frase sem entonação. Perdi o talento.
Não. Perdi a vocação!
Babados da saia
Não adianta querer rodopiar no salão, se não cuidou antes dos babados da saia. Tem gente que é muito rodopio para pouca saia.
Compostura
A vida é um conjunto de acontecimentos. Não se podem separar situações de acordo com interesses pontuais. Mesmo em momentos difíceis, é necessário manter a compostura. Sem ela, tudo se perde. Tudo se esvai.
Quando o limite passa da gente
Dizem os antigos que, para tudo, há um limite. Sim. É verdade.
Entretanto, para cada limite há "uma gente".
Há pessoas que se regozijam em se exceder nos seus limites.
Há os que são ilimitados na comida, no álcool, no tabaco, nas grifes, nos antidepressivos, nas drogas ilícitas, mas existe uma categoria que extrapola todas as outras: a de gente que é ilimitada na falta de limite.
Exercer a falta de limite do outro parece situação de estranha manifestação de autoafirmação. Se confirmam e reafirmam no momento em que alguém é testado e não passa no teste. Ou seja, se contrapõe à falta de limite e margeia a situação através do próprio senso do que seja limite, através de seus critérios, pondo fim ao que lhe era imposto goela abaixo.
Essa gente não se esquece dos seus limites. Simplesmente não aceita a opressão para satisfazer o senso ilimitado de falta de caráter de alguém.
Sim, estou convicta de que excesso de falta de limite, o sujeito dolosamente ilimitado, padece de ausência de caráter. Acostumou-se a não ter respostas à altura de seus excessos. E aqui, obviamente, não há referência aos quimicamente doentes, mas, sim, e bem frisado, aos emocionalmente ilimitados na sua ausência de respeito ao limite alheio.
Há pessoas que extraem o que há de melhor nas outras.
Há outras, entretanto, que se empenham em despertar o que há de pior.
E o despertar do pior, na maioria das vezes, pega o folgado de surpresa e o faz perceber que o freio para sua falta de bom senso recai sobre um espancamento no seu caráter através do limite que nunca lhe foi apresentado.
Mas a vida sempre cuida das apresentações. E como cuida.
Assinatura sobre as coisas
Algumas situações durante a vida permitem que tenhamos uma assinatura sobre as coisas.
Trata-se de uma espécie de vocação para que tudo tenha uma identidade. O bom e o ruim. Caso você seja alguém que faça essa distinção. Não há o querer identificar a situação, mas sim a necessidade extra de assinalar com qual identidade a questão se apresenta e por quê.
É a imagem focada. É o texto em negrito. É o detalhe assinalado.
As questões podem ser anônimas, mas não devem. Há que se tentar integrá-las a algo bem maior e mais interessante para uma análise futura.
Importante que se busque o que delas há em você e o quanto de você elas se apoderaram.
Uma coisa é certa, ou quase: existe uma correlação entre as questões que se apresentam e as que lhes são apresentadas.
É confortável, mas, nada inteligente sentir que há um acaso por trás de tudo.
O acaso está à frente.
À frente de questões que você busca, se empenha para resolver, mesmo e quando pensa o contrário.
Na reclamação há uma busca qualquer latente. Pode ser uma questão propriamente dita. Pode ser apenas a sua maneira de entalhar sua assinatura sobre todas as coisas.
Pense nisso.
Mau caráter
Definição de mau caráter: gente que tem aridez em demasia e não transborda, e isso é grave porque até cactos florescem.
É preciso requalificar
É preciso requalificar, a cada dia, a nossa posição no mundo.
É preciso buscar com afinco e afeto nossa ressignificação.
Nossa hospedagem no mundo deve ser a de hóspedes esforçados por explorar todas as possibilidades.
Faz-se necessário abrir espaço para as nuances de cada pensamento, equilibrando os pratos da balança. Todos os pratos. De todas as balanças.
A credibilidade na condição de adulto nunca será concretizada.
Ser adulto é um exercício diário e difícil.
Controvérsia
Às vezes é mais decisivo o que se pretende esconder do que o que se tenta mostrar. Para exibir algo há que se esconder muito.
O trabalho que (não) dá ser gente-metade
Tenho uma espécie de admiração e desprezo - tudo meio junto - por quem consegue ser "gente-metade".
Gente-metade põe o pé no mar na pontinha dos dedos, só para ver se água está fria. Se estiver, geralmente, prefere o chuveiro. Para essa gente, até o mar lhes causa aflição.
Tudo o que é grande lhes amedronta. Do mar à gente. Gente-metade não faz distinção.
Quando chove, muito insiste em acreditar que debaixo daquela parafernália pequena e inútil, nenhuma gota d'água lhe atingirá.
Brigam com os fatos como quem determina com poder os acontecimentos.
Gente-metade sente dor por etapas.
Primeiro sente pouquinho, depois diz o que sente aos pouquinhos e depois sente muito mais do que diz, aos pouquinhos.
Gente-metade tem um privilégio: já nasce pronta.
Gente inteira, não.
Gente inteira é sempre quase inteira. Quase pronta.
Gente inteira está sempre buscando se inteirar.
Gente inteira está sempre em construção.
Gente inteira precisa sempre de mais obras para se edificar.