Carlos Daniel Dojja

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⁠"...Então, coloquei-me a teu lado, respirando-te.
Permanecemos emudecidos, por dentro acolhidos,
Guardando infinitos abraços em nossas almas..."
Carlos Daniel Dojja
In Fragmento Poema Recolhimento

Inserida por carlosdanieldojja

⁠POEMA RAIZ AMADURECIDA
Mansamente sobre teu peito,
Me ponho a edificar o desejar que aflora.
Como fermento de um querer amadurecido,
Percorro o frescor de tua terra, umedecida de entrega.
Com a presa das mãos vislumbro que és tão bela,
Como as manhãs que trazem esperanças novas.
Seria mais brando não ter a urgência do amar,
Mas como me faria existir ser, em meu vivenciar.
Então, em ti me deixo como raiz estendida,
E teu corpo é meu chão revelando simétricas profundidades.
Assim, a cada instante vou me aprendendo afeto colhido.
Entrelaço-me dessa razão, que mesmo ao arder, consagra:
Amar, é uma alegria que ao também doer, nos ascende e nasce

Inserida por carlosdanieldojja

⁠"...Se eu entendesse como se cria o tempo,
deixaria que por vezes te fosses,
enluarando noites ou desabrochando dias,
pois depois saberia te encontrar,
numa qualquer manhã do infinito...'
Carlos Daniel Dojja
In Poemas para Crianças Crescidas

⁠Brincadeira da Árvore
Certo dia, um menino perguntou-me,
Se eu sabia brincar de árvore.
E começou explicando-me:
- Primeiro a gente pinta nos galhos,
os nomes das pessoas que gosta.
Depois, escreve nas folhas palavras,
Como ternura, abraço, encantamento.
Também acrescentou que pode-se deixar água,
De cor amarela rio para que a árvore se descreva,
Mas nenhuma árvore é desigual a outra,
e todas sabem falar com a terra.
Contei para ele que eu brincava de estrela viva.
Era assim: Minha mãe desenhou uma estrela,
E colocou numa caixa alaranjada de madeira.
Ensinou-me que deveria toda noite,
Abanar com as mãos para que o brilho,
Não se perdesse no vir a ser do tempo.
Sem indagar-lhe qual era a língua das árvores,
Ele visivelmente empolgado me relatou:
- Quando eu crescer vou ser astrônomo,
Ou pirata do bem.
Isso para trabalhar.
Para viver, quero aprender a falar com as borboletas,
Dar um vagalume de presente para minha namorada,
Que ainda não sabe de nenhuma das duas coisas.
Também vou descobrir como se faz um poema.
Você pode me emprestar sua estrela,
Para eu colocar na minha árvore?
Carlos Daniel Dojja
In Poemas para Crianças Crescidas

Inserida por carlosdanieldojja

⁠Poema Lenda do Pescador
No sul da terra, braços colhiam o alimento das águas.
Uma mulher de branco, sempre vinha à porta do pescador.
E lhe pulsava ao acenar e lhe enfeitava em redes de silêncios
Certa hora adentrou-se noite a fora a seguir-lhe.
Nunca mais retornou.
No local ergueram uma torre.
Segredam que desde então,
a luz do farol se encontra com a lua
e que o pescador se faz vento a soprar estrelas
para iluminar quem se fisga no mar, colhido de amor.
Carlos Daniel Dojja

Inserida por carlosdanieldojja

⁠POEMA PANDEMIA
Na rua alguém sem nome vendia sonhos.
Duas pernas aflitas percorriam os sinais.
Um violonista cego tocava Beethoven.
Um belo cão era transportado numa coleira de prata.
Duas crianças ciscavam comida, nas frestas do chão.
Uma senhora de óculos fumava esperança,
Outra fechava a janela para não ser molestada.
Um poeta sem livros anotava palavras.
Jornais destacavam novas guerrilhas.
Gritos anunciavam para breve a salvação.
Mascaras e grades resguardavam o futuro.
Namorados mandavam virtuais abraços.
Gente com sede comprava água com gás.
Num céu sem homens, até a lua parecia distraída de Deus.
Carlos Daniel Dojja

Inserida por carlosdanieldojja

⁠Poema QUINTANARES
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei,
Que há até uma encantada,
Que nem em sonhos, sonhei.
Mas se a mim me permitir,
A vida em redemoinho,
Quero me ir levemente sorrindo,
Como se vão aquelas folhas outonais,
Que varrem as ruas centrais da cidade que habito.
E se não for por ventura,
Que o coração se reparta,
Quero que arda em fogo árduo,
A pungente alegria, daqueles que se embriagam,
Simplesmente enamorados na claraboia da lua.
Há tanta coisa escondida, nestas ruas que andarei,
Até mesmo a própria vida, feita uma canção atrevida,
Que quiçá, talvez um dia,
Com as próprias mãos tocarei.
Carlos Daniel Dojja
Em Homenagem a Mário Quintana

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⁠MÉTRICA DA PALAVRA
Com que métrica, meço a palavra,
Que na profana finitude acena.
A palavra que não findo ou deslindo,
A espera da promissão do sentir.
Com que sina, exprimo, a palavra que desabitada não cabe.
Que quase de tudo no nada sente.
Com que reluto ou proclamo,
Antes de purgá-la ou expressar vivência.
A palavra que se define ou desdenha,
Que se sonha para fora de sua voz.
E que teima em ficar a espreita,
Em cada ver que verte a palavra existir.
Com que raiar, ilumino a palavra,
Que fibra se tece no esperar,
Pela palavra que aberta se esmera,
Em encontrar ser para recriar.
Carlos Daniel Dojja

Inserida por carlosdanieldojja

"...Tudo se mostrava tão extenso, agregado,
Que nesse instante, dentro do teu silêncio,
Era como se uma profundidade entre nós se cingia.
Então, coloquei-me a teu lado, respirando-te.
Permanecemos emudecidos, por dentro acolhidos,
Guardando infinitos abraços em nossas almas..."

Carlos Daniel Dojja
In Fragmento Poema Recolhimento

Inserida por carlosdanieldojja

⁠LUZ DAS ESTRELAS
Certa feita estive numa aldeia.
Lá me deparei com uma menina,
Sua fome me olhava atentamente.
Tinha o nome de luz das estrelas.
Seu pai não se sabia e sua mãe não vinha.
Perguntei-lhe se sonhava. Disse-me que não.
Mas que quando deixasse de ser miúda,
iria ser médica para cuidar das pessoas e dos que vão nascer.
Você sabe o que é poesia?
Não, não a conheço, interpelou-me rapidamente.
Poesia é feita pra gente?
Passei a visitá-la.
Numa manhã que chovia, nova indagação.
Do que você gosta? Prontamente me disse:
Gosto de comida, de escola e de brincar de casinha quando faz frio.
E vou lhe confessar algo.
- Também brinco de agarrar nuvens com as mãos
Carlos Daniel Dojja
Para Luz das Estrelas, em Angola.

Inserida por carlosdanieldojja

⁠O FAZER DE ALGUNS
Alguns dentre nós moldam o ferro,
E dele fazem surgir esculturas.
Por vezes vergam o pinho,
E talham marcados amuletos.
Outros há que se apossam,
De variadas matérias.
Edificam templários ou casebres,
Lapidam jóias ou feitiços,
Ardem no frio ou no fogo,
Sua humana semeadura.
A mim, dentre alguns,
Coube-me outra quimera:
A de esculpir o querer,
Numa árdua arquitetura:
- Não me aprendi estrada reta,
Fui-me pontes carregadas de atalhos.
Enxerguei partidas, mais cedo do que pulsar chegadas.
Vejo-me assim: Do afeto sou inteiro ou recomeço.
E só o sentir construído, como a palavra viva, me afaga.
Carlos Daniel Dojja
In Poema para Crianças Crescidas

Inserida por carlosdanieldojja

⁠"...Poucas coisas me pertencem.
Os olhos que me deixaste na sombra.
Aquele beijo soprado no eclipse.
O dia em que te bordei em meu peito.
Poucas coisas me seguem.
A estrada em que teus pés me nasceram.
Tua voz chamando quando eu amanheço,
Com a memória acessa de tuas mãos..."
Carlos Daniel Dojja
In Fragmento Poema Inventário

Inserida por carlosdanieldojja

⁠"...Então, em ti me deixo como raiz estendida,
E teu corpo é meu chão revelando simétricas profundidades.
Assim, a cada instante vou me aprendendo afeto colhido.
Entrelaço-me dessa razão, que mesmo ao arder, consagra:
Amar, é uma alegria que ao também doer, nos ascende e nasce..."
Carlos Daniel Dojja
In Fragmento Poema Raiz Amadurecida

Inserida por carlosdanieldojja

"...⁠A natureza é a memória atemporal do mundo.
Um mundo sem a preservação da memória da terra, da água, do sol, do vento, se esquecerá da alma dos humanos..."
Carlos Daniel Dojja
In Poemas para crianças Crescidas

Inserida por carlosdanieldojja

⁠Poema Lirismo
Quando eu era criança,
as plantas me chamavam.
Achavam graça.
Coisa de menino, sem ter muito o que fazer.
Quando eu era jovem,
afirmei que as pedras não acordavam,
porque não sabiam da noite sonhada.
Ficaram preocupados.
Para alguns, indício de alguém transtornado.
Quando me afirmaram, és um homem,
eu contei que te vi, se florescendo de liláceas.
Por fim, sanaram-se as dúvidas.
Decretaram-me ter visão refratária, com sintomas de lirismo.
Só parei de julgar-me dissociado,
quando me disseste que havia noites com sol,
e que o remo acenava para o mar, quando não partia.
Então, assim ficamos, em nós apreendendo tochas,
fisgando lumiares, falando com os olhares.
E quando tudo escurecia se acendendo de um no outro.
Carlos Daniel Dojja

Inserida por carlosdanieldojja

⁠O QUE JOÃO ME CONTOU
João pescador assim me falou:
A maior boniteza que tem pra vê,
É quando a onda bate no mar e beija a pedra na areia.
É como se aquela beleza toda fosse pra avisar,
Que a onda nasce da água e pra ela vai voltar.
Mas também tem outra coisa, que mais formosa não há.
Até me fogem as palavras de tanto admirar.
É quando no mar, eu vejo os olhos de uma moça,
Feitio de estrela que não cessa de piscar.
Então eu fico confuso, sempre a imaginar.
Pro sinhô que gosta de estórias, eu lhe posso contar.
Já pensei em ajuntar a onda, com os olhos do amar.
Fiz até uma promessa, que vivo a suplicar.
Quando minha hora chegar,
Esperem a noite alta e me joguem inteiro no mar.
Vou virar mistura de lama, coberto de calcário, envolto de sal,
Para nascer como pedra, estendido a beira mar.
Então, nem queira saber, que alegria será,
Eu me vivendo banhado de ondas, a relembrar,
Toda a vida que viceja, quando se descobre um olhar.
Carlos Daniel Dojja
- Em homenagem a João que já virou Pedra no Mar do S

Inserida por carlosdanieldojja

⁠Recolhimento
Percebi que estavas recolhida,
Mansamente com teu corpo, entregue as vestes brancas,
As mãos deixadas entrecruzadas,
Entre uma fresta de raio adentrado na janela.
Tudo se mostrava tão extenso, agregado,
Que nesse instante, dentro do teu silêncio,
Era como se uma profundidade entre nós se cingia.
Então, coloquei-me a teu lado, respirando-te.
Permanecemos emudecidos, por dentro acolhidos,
Guardando infinitos abraços em nossas almas.
Carlos Daniel Dojja

Inserida por carlosdanieldojja

⁠Palavra Nua
Uma palavra nua foi vista na rua.
Chamaram as autoridades.
Que despudor permitido,
Deixar palavras sem nome,
Se expondo desvalidas.
Uma moça de poucas vestes sugeriu cobri-lhas.
O cirurgião queria por já cortá-las.
O alfandegário, indagava-lhe a origem.
Porque não lhe põem algemas, questionou um transeunte.
Podem lhe dar açoite, para recuperar o respeito, profetizou o Vigário.
E a palavra nua, destemidamente aguardava,
Que surgissem gentes que pudessem encantá-la.
Carlos Daniel Dojja
In Poemas para Crianças Crescidas

Inserida por carlosdanieldojja

⁠COMPREENSÃO
A rua onde nasci era larga e extensa de vozes.
Nela havia uma velha casa de espera e de descobertas.
Minha mãe me ensinava a brincar de ver.
Ficava ao meu lado e com suas mãos me entregava seus olhos.
Dizia-me: O que vens?
Eu menino, com zeloso brio elaborava narrativas não aparentes.
As vezes via um pássaro falando com o vento.
Ora, era um arco-íris despontando no anoitecer.
E até eu voava, buscando palavras com asas.
Lembro-me quando lhe disse:
- Estou vendo uma dança no céu.
E ela pediu-me para tomar cuidado com os instrumentos, marcar os passos, ouvir a sinfonia.
E asseverou: Veras na vida aparências e essências.
Mas não tenha receio de vislumbrar.
No fim o que fica é o que se olha para dentro.
Antes de saber ler e escrever compreendi a ver poesia.
Carlos Daniel Dojja
In Poemas para Crianças Crescidas

Inserida por carlosdanieldojja

⁠Das Grandezas
Gosto do tamanho de algumas coisas.
O voo de uma borboleta ao entardecer.
O pouso do pássaro num raio de sol.
Teus pequenos passos dançando na terra.
Uma gota despindo-se numa flor.
Aquela brisa que umedeceu teu beijo.
O olhar que perpetrou a sombra.
A última cantiga deixada na noite.
Em não me querendo modesto, a deslumbrar dimensões,
Não faço apologia da métrica ínfima.
Meço-me pelo sentir desterrado.
O que me segue, cabe em meu sonhar a andar.
Minha sensação de grandeza se emaranha de singelezas.
Como a memória da água, por entre rios, a retornar a nascente.
Como quando nos sabemos finitos, refazendo-nos começos.
E se é tão grande, como os olhos que se traduzem no peito.
Carlos Daniel Dojja
In Poemas para Crianças Crescidas

Inserida por carlosdanieldojja

⁠Da casa
Morei numa casa,
Feita de cal, madeira e planta.
Tinha facho de velas,
E raios numa porta debruçados.
Minha mãe nos ensinava,
A fazer um pão chamado sonho.
Por vezes tínhamos que fermentar com mais vigor.
Mas por fervor ou insistência, crescia.
Nessa casa se contavam estórias.
Como a luz que ficou presa na sombra,
Até que o vento a libertasse.
Ou da lagoa que desaguava no mar,
Porque ele por ela estava encantado.
Tinha uma que ninguém entendia.
Revelar-se-ia mais tarde na travessia.
Era de uma voz que somente se ouvia,
No agudo silenciar, tomado na profundeza.
A casa inda lá continua.
Minha mãe ajuntou-se noutro tempo.
Só agora, enxertado de silenciamentos, aquela voz ecoa.
Abre-se na boca do menino que se avizinhou da saudade.
Carlos Daniel Dojja
In Poemas para Crianças Crescidas

Inserida por carlosdanieldojja

⁠A menina que dançava
Falaram-me de uma menina,
Que enquanto descobria seu ritmo,
Pensava-se menos leve,
Que o ar que a circundava.
Seu corpo feitio de brisa,
Se deslizando compenetrado,
Já mostrava que havia canto,
Mesmo quando não escutavam.
Parece-me que seu cabelo,
Poderia ser azul esverdeado,
Como se fosse coreografia de raios,
Se estendendo em sua face.
Como a desconheço, dar-lhe-ei o nome Eduarda,
Aquela que guardou nos pés,
A dança como abrigo,
E se foi envolvendo de ritmos,
Pungidos de existência.
Assim lhe surgiram os duetos,
Com seus deleites sonoros,
E também o estrondar de tambores,
Sucedendo sinfonias.
A esperança lhe chegou,
Como um bale compassado,
Mantendo firmes os braços,
Olhando para o alto, a seguir na direção.
As vezes até parece,
Que nem sequer percebia,
Que viver também se aprende de dança,
Que o tempo faz emergir.
Dança-se no silêncio da alegria.
Na tristeza acalentada.
Descobrem-se em distintos momentos,
Cenários convertidos de linguagens.
Na há movimento sem emoção,
Pulsar alheio, sem sonoridade.
Se dança com pó no rosto,
Com o brilho de enfeites costurados.
Mal sabe essa menina, que um dia lhe contarão,
Que estava a dançar com dor e graça,
Feita melodia de passos,
A poesia dançante da vida.
Carlos Daniel Dojja
In Poema para Crianças Crescidas

Inserida por carlosdanieldojja

⁠"...Amanheço-me, de tua pele.
Anoiteço-me de tua boca.
Desperto-me, se me deixas o tempo.
E porque rasgamos o silêncio,
tua palavra ventre, me nasce..."
Carlos Daniel Dojja
In Fragmento Poema Amanhecimento.

Inserida por carlosdanieldojja

⁠Chá com os Poetas e a Moça Bonita
Quando ainda não vinha a noite,
Camões adentrou sobressaltado.
Tinha visto na Caravela,
O mar inteiro lamuriar-se.
Deixavam, pois, como aferira,
restos de tudo a enturvar as águas.
Logo em frente estava Quintana,
vindo de longe no vagão de um trem,
a confabular com uma andorinha,
que em frase pausada silabava:
- No ar há tanta fumaça,
que nem se pode mais voar sozinha.
Enquanto se aguardava o Mia
a descrever Um Rio Chamado Tempo,
perceberam Shakespeare acomodar-se,
frente ao sol que já não se via,
proclamando sem muito assombro:
- Falta humano no divino, mais virtude no humano.
O saber não deve destruir a vida,
feito punhal a ferir o coração dos homens.
Escutaram-se ruídos vários, ao ouvir-se o abrir de portas.
Era Pessoa com Ricardo junto com os demais heterônimos.
Todos apóstolos frente ao pão, resolveram recitar Drummond,
que bem se diga, já havia previamente antecipado:
- Saí cedo de Itabira, vou embora para Pasárgada.
Quem sabe acho Bandeira, coberto num trono de palavras.
Neste instante chegou Vinícius e sua elegante diplomacia.
Asseverou solenemente. Trouxe-lhes taças e o vinho.
Não lhes privei do chá inglês, mas devem considerar com atenção.
Melhor é sorver o sentir com um espumante entre as mãos.
Já não se sabia mais as horas. O ar estava em cantoria.
A moça junto à janela que as primeiras letras fazia,
das palavras guardava afeto para se doar em cada livro.
Foi dela a sugestão que cada um deixasse de si, apenas um verso transcrito.
Eu, mero assistente, por obra de atrevimento, também fiz provocação.
Por que não escrever os poemas em simples folhas de pipas.
Soltaríamos as Pandorgas em cada um dos cantos do mundo.
E poderiam as mesmas se irem a procurar um novo dia.
Prontamente Camões assinalou:
"...Da alma e de quanto tiver,
quero que me despojeis,
contanto que me deixeis,
os olhos para vos ver.."
Em seguida chegou-se Mia a sentenciar num repente:
"... Deixo a paciência dos rios,
mas não levo,
mapa nem bússola,
porque andei sempre,
sobre meus pés,
e doeu-me às vezes viver.
Hei de inventar,
um verso que vos faça justiça".
Quintana com seu sotaque ergueu-se com voz doce e macia, a reverberar clarividente:
" ... Porque o tempo é uma invenção da morte:
Não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia,
para nos dar a eternidade inteira..."
Vinicius após servir o vinho, pediu um aparte.
Moça com perfume de flor, por favor, escreva para mim:
"... A coisa mais bonita,
que há no mundo,
é viver cada segundo,
como se não fosse o fim..."
Alberto, ao lado de Pessoa, também se pronunciou:
"...Mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena,
sei que a vida vale a pena,
quando a alma não é pequena.."
Já se adentrava a noite alta e as pandorgas versos partiam.
Foi quando fitei a moça que de olhos gris se vestia.
Então clamei a ela, antes que também se retirasse:
Agora que a lua cheia chegou,
como teus olhos em ternura,
borda-me entre o céu e a tua boca,
numa indelével tecitura.
A moça nada me disse, repousou na minha face.
Por ali ficamos embebidos de poetamento,
como se por um breve instante,
tivéssemos tocado o infinito.
Carlos Daniel Dojja
In Poemas Para Crianças Crescidas

Inserida por carlosdanieldojja

⁠Carta para Mia Couto
Prezado Mia Couto,
recebi uma mensagem de Shakespeare,
dizendo que o amor é pouco,
contrapondo-se a Pessoa
para quem o amor pode ser vário.
Decidi falar com Einstein que como sempre relativizou,
disse que o amor é uma órbita, que gira em torno de nós.
Quando estava te escrevendo Vinicius me chegou,
disse olha, a vida tem jeito, só se morre e nasce de amor.
Então em Moçambique, se a carta o Atlântico cruzar,
diga ao Carlos como se fala, o amor não deve tardar.
Se estiver ocupado, tratando algum assunto com Camões,
peça-lhe que envie transcrito em poucas e simples linhas,
- O amor é um contentamento descontente,
é dor que a gente se sente, que se desatina sem doer.
Quando eu receber a resposta, prontamente lhe confirmo,
atestando a Drummond, que o amor é um estar em ser,
num ser mais que profundo.
Eu ficarei orgulhoso de receber a explicação,
já que me vivo a Quintanar de amar,
o amor em sua extensão.
Até resgatei um modesto conceito,
desses que se declara numa ciranda de amigos,
- o amor, é tão somente, o infindo sopro, se fazendo vida.
Carlos Daniel Dojja

Inserida por carlosdanieldojja