Carina Barros FortalezaCE
Aprendi com um poeta que a saudade tem gosto de algo, alguma coisa. A saudade que eu sinto hoje tem nome de irmão mais velho, gosto de proteção, de mãos dadas voltando da escola, de frutas que tirávamos do pé de árvore, das voltas de bicicleta no fim de tarde. Tem cheiro das brincadeiras de infância, de corda, elástico, amarelinha, vólei na garagem. A saudade hoje tem gosto de tanta coisa, e mais que isso, ela me faz lembrar que nessa vida, o que fica de verdade, é o amor sincero que damos ao outro, são as histórias... Ah saudade danada, ás vezes tu vens só pra me lembrar: o tempo é hoje, repara menina, olhar atento e peito aberto. Segue.
Voa passarim, sem medo, pra onde o teu coração deseja estar
E quando quiseres um ninho tu sabes onde pousar
Voa passarim que a vida é feita de encontros
E pra chegar em alguns lugares é preciso ousar
Voa passarim, tu és livre pra conjugar o verbo amar
Voa... Pousa... Ama... Ousa...
Há um mundo inteiro para revolucionar
Hoje cedo eu conheci duas borboletas coloridas, mãe e filha. A borboleta mãe com os olhos cheios de lágrimas me narrou uma história difícil, doída, cheia de julgamentos e violações. Os nãos recebidos durante a vida lhe impediram de voar para alguns lugares. Aqueles nãos tecnicistas/juridicistas, que enquadra o outro em regras/leis/portarias teve a capacidade de cortar as asas de uma borboleta que foi feita pra voar, voar alto. (...) Enquanto isso a borboleta filha voava livremente na sala de atendimento, cheinha de leveza, com o sorriso estampado no rosto, sem nenhuma preocupação. E com as asas ainda pequenas, aproximou e me abraçou com tanta força como se eu fizesse parte do seu jardim encantado. (...) Duas borboletas coloridas, uma de asas cortadas, machucadas por seres humanos que não compreenderam a sua história, cheia de nãos violadores e cruéis. A outra, ainda pequena, com as asas inteiras, que abraça sem medo, segue acreditando que todos são habitantes de um jardim livre, igual e humano. Duas borboletas humanas que transformaram o meu dia. No final desse encontro ficou a indignação pelas violações de direitos narrados, mas também, a esperança de que a borboleta filha, ao contrário da mãe, seja vista como gente humana e sentida com mais cuidado, afeto e justiça para continuar voando livre, alto e feliz.
Céu azul distante. cheio de pequenas estrelas. enxergo no cantinho uma lua que sorri. aqui bem perto caminhando vejo crianças vendendo bombons nos sinais. enquanto isso segundo turno. políticos falando mentiras nos jornais. para eles a solução é. mais policiais policiais policiais. olho para o céu novamente. a lua? continua sorrindo. as crianças? nos sinais. e os políticos? nos jornais. e a solução? mais policiais policiais policiais... são tempos difíceis. respiro. busco forças. sigo.
O dia tinha sido pesado, a cabeça dava voltas e o coração apertado. Sento na rede e canto uma canção para nós duas. Ela ouve a minha voz, me olha com um sorriso no canto da boca como já soubesse quem eu sou. Em seguida vem aquele olhar mais profundo e atento que me enxerga para além da minha cor, roupa, cabelo bagunçado, rosto cansado de quem passou o dia realizando atendimentos e ouvindo histórias de pessoas invisíveis para o mundo, que dói, dói na alma. Desde os primeiros dias de nascida que ela tem essa mania de segurar os meus dedos, mas dessa vez veio de um jeito diferente. Ela segurou a minha mão com uma força e um afeto tão bonito, que por alguns minutos eu me esqueci de tudo que estava me afligindo naquele dia. [...] Como o afeto, a mão junta/estendida, o abraço e o olhar sem pressa nos salva de dias em que nos sentimos humanamente frágeis e sem esperança. Sim, pequena Ana Liz, precisamos de mãos unidas para continuarmos caminhando em tempos tão difíceis. Um dia, pequena da titia, todas nós voaremos alto, livres e felizes. Num mundo mais justo e humano, um dia...
Se eu pudesse falar pela poesia e a poesia pudesse falar por mim certamente eu falaria neste 8 de março sobre aquelas mulheres borboletas que criam os seus filhos sozinhas e a sociedade as julgam chamando de mães solteiras
Se eu pudesse falar pela poesia e a poesia pudesse falar por mim certamente eu falaria hoje sobre todas as mulheres guerreiras que enfrentam duras filas, sol, chuva e humilhação na porta dos presídios para visitar os seus filhos porque eu sei sociedade que a culpa não são delas não
Se eu pudesse falar pela poesia e a poesia pudesse falar por mim certamente eu falaria da Dona Inês que recolhe material reciclável todos os dias pelas ruas de Fortaleza e não desiste de sorrir porque tem a capacidade de enxergar a felicidade nas coisas mais simples da vida
Se eu pudesse falar pela poesia e a poesia pudesse falar por mim certamente eu falaria de todas as mulheres benditas de histórias tão bonitas que se tornam invisíveis nesse mundo onde o ter é bem mais importante do que o ser
Se eu pudesse falar pela poesia e a poesia pudesse falar por mim certamente hoje eu faria um simples pedido para que todas as mulheres fossem livres para conjugar o verbo amar e acima de tudo que todas fossem livres e felizes no caminhar
Poesia, Mulher
Resistimos
Mulher, Poesia
Existimos
O nosso dia certamente são todos os dias
Estávamos eu e minha sobrinha, Ana Liz, no quintal quando ela viu a chuva cair pela primeira vez. Tinha apenas três meses de idade. O olhar atento sentindo as gotas cair no chão, nas plantas, ao seu redor. Tamanha calmaria, leveza, sensibilidade. Ela foi crescendo, e nos dias de chuva aprendendo a tocar na àgua que caia sobre as suas pequenas mãos. O olhar fixo parece que está contando gota por gota. Além de enxergar a chuva, ela sente. Além de sentir ela transborda, e me ensina a reparar a beleza das gotas caindo sobre nós, sobre o mundo. Ana Liz desde pequena aprendeu a gostar da chuva, talvez ela gosta de ser regada como as flores. A cada chuva que cai, Ana Liz floresce, cresce, cria raízes. Ela me ensina sobre as etapas da vida, o tempo, o reeinventar. Hoje, quinta-feira, da janela do ônibus vejo a chuva que cai em Fortaleza, penso na Ana Liz, recordo do seu olhar atento e sigo. Resisto aos maus tempos, a desesperança, o medo. Assim como a Ana Liz hoje deixarei a chuva me regar para que possa brotar flores de resistência no meu peito. R(e)existo. Vamos juntas pequena, estamos juntas.
Lavar a bicicleta cedinho no quintal faz-me recordar a minha infância. De quando eu, o meu irmão e a minha irmã ligávamos a mangueira, pegávamos os produtos de limpeza escondidos da mamãe e ficávamos a manhã inteira com a bicicleta de cabeça pra baixo disputando quem deixava o quadro mais limpo e os aros mais brilhantes. Era uma verdadeira festa. Sempre nos divertiamos fazendo as coisas mais simples dessa vida. Hoje, cada vez que jogava a água na bicicleta e ela caía molhando os meus pés, eu recordava de nós e dava um sorriso. Um sorriso leve, que faz eu me sentir gente-viva e me ensina que nessa vida, o que importa não é o dinheiro, muito menos o poder, o status ou as riquezas materiais. O que importa é o que permenece dentro da gente mesmo quando o outro decide/precisa voar. Sigo aprendendo diariamente, buscando remar contra a maré do ter/parecer, carregando o coração, a voz e a resistência para onde vou. Amar e mudar as coisas, como diria Belchior, me interessa muito mais.
Olhar a vida pela janela do ônibus é uma experiência fascinante. Enxergo a diversidade nas pessoas. São tantas pessoas. Quantas histórias. Há de existir motivos para cada uma seguir, talvez, as pessoas ainda se arriscam a sonhar nesse mundo que diariamente tentam nos roubar de nós mesmas. É bom sentar na janela do ônibus, puxar o vidro até o fim, sentir o vento, a vida, essa vida que pulsa, e que resiste aos contratempos. Somos gente, ufa, caímos, levantamos, temos sonhos, resistimos, nos reinventamos. E seguimos. (...) Pela janela do ônibus percebo que, todos nós estamos em movimento. Ninguém nesse mundo caminha sozinho. Quantos lugares chegamos porque nos lançaram mãos, compartilharam força, ombro, sorrisos, afetos? Quantos lugares o outro poderia ir se nós compartilhassemos o que nos foi dado? Temos uma arma poderosa chamada amor e coletividade para transformar o hoje, o amanhã. Só nos falta coragem para juntas destruirmos o individualismo, a desigualdade, o desamor, a indiferença. Coragem, é preciso coragem para acreditarmos que ainda podemos encontrar/buscar uma felicidade coletiva, que não custe vidas de crianças, nem de jovens negros, de mulheres, nem de indígenas, de quilombolas, vidas de gente que nós insistimos ou fingimos não enxergar. Vidas que custam coisas. Vidas que são trocadas por coisas, vidas por coisas, por coisas, coisas... Vidas!
Quando feliz, Ana Liz, balança o pé sem parar, ele, Everson, solta uma risada profunda como se o arco-íris pousasse sob a nossa cabeça, iluminando e colorindo quem somos. Desde que eles nasceram eu reenvientei o meu olhar sobre o mundo, as pessoas. Cada dia vivido ao lado deles eu reapreendo a reparar o encanto presente nas coisas miúdas. Ana Liz me olha como se enxergasse de fato quem eu sou, sem medo das minhas limitações. Everson me abraça tão forte como sentisse o meu coração, que pulsa às vezes com tanto medo. Ana Liz desde pequena aprendeu a gostar de todas as cores, a brincar sem diferenciar o que é de menina ou menino. Everson tem mania de contribuir com a mamãe nos afazeres de casa, "temos que ajudar os mais velhos, titia", diz ele. Cada encontro eles me ensinam sobre um mundo possível. Eles não se importam caso não os presenteio com coisas materiais. Eles não me pedem nada em troca. Como isso é bonito e raro em meio a tantas relações de trocas em que vivemos. É por eles, é pelas crianças que cruzam o meu caminho diariamente que eu sigo acreditando, o mundo novo é possível. Um dia, quem sabe, Ana Liz e Everson, cresçam em busca de um mundo mais justo e humano, para eles, para nós, para os que virão. Um dia, meus pequenos, enquanto isso, segura a mão da titia. Seguiremos sem perder jamais a capacidade de nos encantar, seremos crianças todos os dias do ano.
Era início da semana, o sol estava indo embora, o céu alaranjado, a lua nascia lá no alto, bonita e iluminada. De longe, do outro lado da rua, sentada na calçada, vovó me enxerga atravessando de bicicleta. Quando vou me aproximando, ela abre um sorriso sincero, largo, bonito e diz: "eu sabia que você viria hoje". Era incrível como ela sentia os dias da semana que eu iria lhe visitar. Todas as vezes que chegava perto e lhe abraçava o arco-íris brotava dentro de mim. Vovó tinha uma mania bonita de me fortalecer nos dias em que eu estava me sentindo frágil e limitada. Ela ouvia as minhas dores apenas com o olhar, me acolhia, dava os melhores conselhos, era um porto seguro. Vovó vivia além do seu tempo, era uma das mulheres mais incríveis que conheci. Dizia sempre para eu voar e seguir o meu coração. Ensinava sobre as coisas simples. Com ela aprendi a reparar a beleza escondida da vida. Vovó voou, mas em cada esquina que dobro ao andar de bicicleta, eu vejo o seu sorriso. Sorriso que me ensina a regar os jardins em dias de chuva que transborda pelos olhos... há de florescer, flor ser, sempre.
Segue o teu caminho, menina
Foge dessa gente que não te enxerga
Corre pra longe de quem te acusa, julga
Abre as tuas asas, voa menina
Pra onde o teu coração mandar
Pousa quando for necessário descansar
Busca abrigo em quem você pode confiar
Escreve histórias, muitas histórias
Fica perto de quem te conhece por dentro
São tempos difíceis, menina
Quantas mortes de jovens
mortes mortes mortes
Ninguém se importa
Discursos de ódio
Vidas trocadas por coisas
É tudo tão natural
Lágrimas de mães interrompidas
Só há julgamento, dedo apontado, culpa
Não perde essa tua capacidade de se importar com o outro, menina
Sonha, ainda que te proíbem, sonha
Olha a tua volta, respira
Recomeça todas as vezes que o cansaço da vida te fizer parar
Somos gente, menina
Caímos, levantamos, temos sonhos
Resistimos e nos reiventamos cotidianamente
Segue no teu tempo, menina
Acumula riquezas imateriais
O essencial, ah o essencial
Este, ninguém terá o poder de te roubar
Segue o teu caminho, menina
Menina, segue
Todas as manhãs na ida ao trabalho observo uma senhora linda de cabelo grisalho no canteiro da avenida regando dezenas de plantas bem pequenas. Ela não rega apenas com água, é tanto amor, cuidado, tempo doado... Pelo seu olhar atento suspeito que ela mesma plantou todas, pois age como conhecesse uma por uma. Por sua idade, ela jamais sentará na sombra das plantas, nem comerá dos frutos. E é isso que me encanta. É isso que me faz sorrir todas as vezes que passo por lá. É bonito, a coletividade é uma das coisas mais linda desse mundo. Nesses tempos estranhos, onde as pessoas ditas de bem vomitam discurso de ódio, e defendem fascista e racista pela moral e bons costumes. Nesses tempos onde as pessoas ditas de bem lutam pelos seus sonhos individuais, passando por cima dos negros, índios, pobres, essa senhora tem sido minha mantra para suportar as histórias, os relatos de mulheres e famílias que seguem lutando pelo direito de viver, pelo direito de existir, pelo direito de não ver seus filhos entrando para as tristes estatitiscas. Essa senhora e tantas outras mulheres que encontro diariamente pelo caminho me fazem continuar acreditando que apesar de tudo, ainda é possível se encantar com o regar das plantas, sim, é possível ter esperança que dias melhores virão. Plantaremos vidas, regaremos vidas e cuidaremos umas das outras, porque cada vida, nossas vidas importam. Vidas importam!
São tempos estranhos, seu moço
As pessoas sentem medo de sonhar
É que sonhar dói, seu moço
Dói porque a sociedade impõe prazos para realizar
Aí vem a culpa, o medo, a ansiedade, a desesperança
e todos os outros sentimentos que ninguém deveria carregar
Que mal há, seu moço, se o meu caminhar é mais lento
ou se eu preciso para por mais tempo para descansar?
O que o mundo ganha, seu moço, julgando o outro pelo tamanho do sonho, se sonho não tem tamanho?
O que há de errado se não sonho em alcançar lugares ditos grandes onde se troca vidas/pessoas/gente por dinheiro/coisas/poder?
O que adianta, seu moço, comprar sonhos dos outros que são vendidos com receita de realização se no fundo o sonho dos outros não alcança o meu coração?
São tempos estranhos, seu moço
Querem transformar os nossos sonhos em pesadelos
Querem roubar de nós a capacidade de sonhar
Mas não deixaremos, seu moço
Lembraremos todos os dias que sonho não tem prazo
Sonho não tem regra, norma, tamanho
É que sonhar, seu moço
vai muito mais além do que podemos imaginar
Sonhar nos salva da vida
Sonhar é o que nos faz caminhar
Resistiremos aos maus tempos
Lembraremos de sonhar, seu moço
todos os dias
Por um mundo mais justo, mais humano
Resistiremos, sonhando.
Rir menina das coisas ditas bobas e simples que o teu coração insiste em acreditar ser importante. Bonito mesmo é o avesso desses vagalumes que se vestem de gente, diariamente, pra te encantar.
Era terça-feira, início da semana, quando as encontrei. O céu estava cheio de nuvens com desenho de animais imaginários que me fazia recordar uma infância bonita. Mas de nada me valia lembrar-se de coisas boas naquele momento, pois a notícia que eu carregava não tinha cores e nem sabores de infância feliz. Aqueles olhares serenos que me acolheram naquela porta feita de sacola preta escondiam toda a tristeza e dor que há alguns dias insistia em permanecer fazendo morada naquela casa. Aquelas mulheres tinham que se fazer de forte para a sociedade do julgamento. O choro, o luto e a tristeza eram sentimentos que não podiam ser sentidos por aquela família da periferia. Não se pode ou deve chorar por pessoas ditas “ruins”, “usuárias de drogas”, “almas sebosas”. Por aqui, o choro e o luto só são permitidos para pessoas ditas “de bem” e “de poder”. O choro bonito e comovente tem classe e cor. [...] A semana passou, as nuvens continuaram a aparecer pelo céu de Fortaleza, no entanto, a minha recordação não era mais de animais imaginários, mas das lágrimas evaporadas daquelas mulheres que não podiam sequer chorar por aquele familiar que tanto amava. O céu de Fortaleza, tão cheio de nuvens bonitas, esconde lágrimas de mães, irmãs, tias e avós. Lágrimas que ninguém enxerga, que ninguém sente, que ninguém enxuga... até quando?
Menina valente que mora na rua bem perto do mar
em troca de comida vende a sua força de trabalho
para um maldito empresário da banda de lá
quando sente calor vai até o mar se banhar
na hora do frio usa o tal crack pra se enrolar
pergunto o seu nome e logo descubro que é minha xará
Menina valente que mora na rua bem perto do mar
como você faz para sonhar?
E esse olhar de criança quem a ensinou preservar?
E o medo da solidão quem lhe abraçou para passar?
E nas suas quedas alguém um dia estendeu a mão?
Menina valente que mora na rua bem perto do mar
como o mundo insiste em lhe julgar apenas com um olhar?
longe, raso, apressado...
Que tudo vê mas não é capaz de lhe enxergar
Divide a sua história comigo menina valente
que mora na rua bem perto do mar
prometo que não vou lhe julgar
Não menina, eu não posso me calar
E nem a sua história naturalizar
A poesia às vezes nos faz sorrir
outras vezes nos faz chorar
Um dia menina valente que mora na rua bem perto do mar
espero lhe reencontrar e um final feliz para sua história poder contar
É por você, por mim, por nós e tantas outras que eu insisto em lutar
São tantas Marias, Raimundas, Franciscas
São tantos Joões, Pedros, Rafaeis Bragas
São tantas centenas de Jovens,
Mulheres, Idosos, Idosas.
São tantas diferentes vidas que buscam
diariamente os nossos atendimentos.
E nós diante da imensidão de coisas para fazer
parecemos tão poucas.
Somos tão poucas nas CPPL’s, nas Penitenciárias,
no Centro de Detenção, no Centro de Triagem,
nos Nucav’s, no Nuasf, no Irmã Imelda,
na Supervisão de Serviço Social da SAP.
Somos tão poucas diante das injustiças,
das violações de direitos, dos retrocessos.
Somos tão poucas diante das lágrimas derramadas,
dos pedidos de socorro, da solidão das celas lotadas.
Somos tão poucas para ouvir tantas histórias,
Compreender tantas desigualdades e agir
corretamente na garantia de direitos.
Somos tão poucas, e as vezes, tão sozinhas.
Somos tão poucas em número, quantidade
É verdade!
Mas mesmo sendo poucas somos capazes de
transformar tantas diversas realidades.
Somos capazes de enxergar vidas aos invés de números,
artigos, processos, estigmas.
Somos tão poucas, mas para as Marias, os Joões,
os Rafeis Bragas somos gigantes, necessárias e fundamentais.
Somos, sim, Assistentes Sociais.
Hoje observei uma borboleta voando alto no céu
Ainda que pequena, bem pequena, ela tinha o poder de colorir tudo em sua volta
Fiquei pensando que algumas pessoas em nossa vida são como as borboletas bem coloridas
As suas asas tem mania de transbordar os casulos por onde passa, brotando essência e esperança
O seu olhar tem a capacidade de nos enxergar sem pressa, de nos sentir, de nos cuidar... enxergando os avessos mais profundos de nossa alma.
As suas cores transformam as noites nubladas em dias ensolarados
Pessoas borboletas nos faz lembrar que a primavera brota logo depois das tempestades
Nos ensinam que as estações sempre hão de mudar
Que a vida é caminho que se começa há muito tempo
Que dias bons chegam e ficam, e que os dias ruins vão, mas sempre nos ensinam
Pessoas borboletas nos relembram do nosso tamanho, da nossa beleza, dos nossos sonhos
Nos faz sentir que os nossos passos seguem acompanhados mesmo quando caminhamos sós
Pessoas borboletas dividem o choro, a dor, enxuga as lágrimas
Dividem o colo, as histórias, os medos
Dividem as asas quando esquecemos que sabemos voar
E acima de tudo dividem o seu tempo
Ao lado das pessoas borboletas a vida fica mais leve, mais bonita, mais vida
Sentimos o cuidado no olhar, o afeto nos pequenos gestos, nas pequenas coisas
Não há definição de amor que pareça mais bonita do que essa
A sua beleza ultrapassa o mundo das coisas, do dinheiro, do poder
E nos alcança por dentro
Pessoas borboletas são raras
E muito caras
Repito
Raras
Caras
Repara
Hoje conheci Fabiana. Ela entrou em minha sala, sentou, e me olhou timidamente. Em virtude da máscara, sorri com os olhos como um sinal de boas vindas, me apresentei, e em seguida ela foi contando um pouco da sua história. Fabiana é uma mulher trans, cuida da sua mãe de 82 anos, e das duas tias, de 84 e 86 anos de idade. Ela é responsável integralmente pelas idosas, pois os demais da família, pessoas ditas de bem que rejeita Fabiana, não tem tempo para cuidar e nem boa vontade de visitá-las. Fabiana tem um olhar forte, acolhedor, cheio de luz. É aquela pessoa que quando se aproxima traz junto um monte de coisas boas. Fabiana sorria todas as vezes que eu lhe chamava pelo nome. Um sorriso amplo que puxava a máscara para cima. É que no documento de identidade de Fabiana, há um nome que lhe violenta, o qual a sociedade insiste em chamá-la mesmo sabendo que Fabiana é uma mulher trans. É tão simples chamar as pessoas pelo nome que elas escolhem/gostam. É tão simples respeitar as diferenças. É tão simples acolher ao invés de julgar. É tão simples reconhecer a humanidade no outro. Por que as pessoas ditas de bem são tão cruéis, Fabiana? Se são pessoas de bem, como afirmam por aí, por que elas não doam o bem, assim como você, Fabiana, que resiste construindo pontes, afetos, cuidado, empatia. Hoje conheci Fabiana. Ela saiu da minha sala, mas a sua historia ficou. Fabiana permanece em mim. Eu sigo insistindo em acreditar que quando o mundo for um lugar bom, justo e humano para Fabiana, mulher trans, negra, da periferia... ah, esse mundo vai ser bom para todos. Há de ser, Fabiana.
Ah Inegra, a tua existência é sinônimo de resistência
Nessa terra onde nós mulheres negras somos silenciadas,invisibilizadas
tu tens o poder de acolher, dar voz, fortalecer.
Ah Inegra, tantas lutas travadas muitas injustiças, racismo, lágrimas
mas também muitos sorrisos, conquistas, afetos, encontros bonitos.
Ah Inegra, são vinte anos de diversas histórias tantos projetos escritos, vividos, sentidos quantas lutas junto as quilombolas, as artesãs, as juventudes, as encarceradas, as periferias.
Ah Inegra, todo respeito e admiração às mulheres negras que te criaram
as mais antigas que ficaram
a todas aquelas que somaram
as mais novas que te renovaram.
Ah Inegra, gratidão as parcerias, aos coletivos e movimentos espalhados pelo caminho, as diversas e muitas mulheres que contribuíram com a tua luta coletiva, feminista, antirracista.
Ah Inegra, desejo que tu sigas quebrando as novas correntes, tecendo sempre o novo e tramando muitas rebeldias.
Ah Inegra, enquanto tu existires nós mulheres negras nunca lutaremos sozinhas Tu és quilombo, força e resistência
Obrigada pela tua linda e brava existência!
Engrandecer o encontro, o olhar, a vida
Enegrecer a rua, a cidade, o mundo
Enriquecer de abraços, de histórias, de afetos
Enlouquecer os donos do poder, os padrões, as regras
Fortalecer as mulheres, as crianças, o outro
Florescer os dias, os meses, as periferias
Crescer com as lutas, com os erros, com as perdas
Reconhecer os meus, os nós, a ancestralidade
Renascer a força, os sonhos, a esperança
Queria escrever uma poesia para todas todos todes que estão aqui presente
Família amigos pessoas tão especiais
É que a poesia é tudo que hoje eu tenho para agradecer
Agradecer por vc ter saído de casa
Para me dar um abraço apertado
Agradecer pelo sorriso bonito
Pelo olhar sem pressa
Agradecer pelas rezas desejos axé
Agradecer porque quando estou junto a vocês vejo um mundo mais bonito, colorido, coletivo
Queria escrever uma poesia para cada uma, para cada um que cruzou o meu caminho e me ensinou que a vida é feita de encontros, sorrisos, lutas, lutos, derrotas, vitórias, sonhos e afetos, muitos afetos.
Agradecer a vocês que me ensinaram que a vida é hoje.
Olhar atento... vamos juntas juntos juntes.
Muito obrigada