Brenda de Almeida, A doçura de Ana.
“Ana” significa cheia de graça. E agora, olhando diretamente para ela de longe, não me parecia a mais nova das moças, mas certamente era uma das mais delicadas e graciosas. Uma princesa, diria Eduardo. O gentil homem que há anos atrás foi roubado o coração. E que aguardava a minha visita, com o mesmo partido, do lado de fora. Uns passos a mais e dava para olhar mais detalhadamente. A moça estava sem cor, coberta de tubos de variados tamanhos e com pequenos ferimentos no lábio inferior, o que de fato fez o meu coração apertar. Com as pernas bambas, custei-me para me aproximar, mas sem pensar duas vezes dei mais alguns passos tortos em direção a ela. Ao chegar à beira da cama, alisei-lhe o rosto e enfermeiras me fuzilaram com olhares furiosos. “As pessoas não entendem que aqui não se pode tocar nos pacientes…” escutei a de cabelo mais escuro dizer. Ao mesmo tempo em que olhei para trás, a mesma de cabelos escuros balançava a cabeça negativamente. Ignorei. Minha atenção era da moça, aquela doce moça deitada a minha frente. Não podiam me impedir de tocar-la, e então continuei a alisar-lhe o rosto e em seguida os cabelos, que frágeis se soltaram em pequenos tufos sobre a minha mão. Ela estava ali sozinha, tão debilitada, e precisando dos meus cuidados. Sussurrei, mas percebi que ela não podia me ouvir. Os remédios a deixavam fraca e ela não tinha forças para me olhar. Por um momento fechei meus olhos e pedi para que de alguma forma ela sentisse minha presença. Esperei. E esperei, e sem sucesso não houve nenhum movimento, nem mesmo um pequeno sinal que me fizesse acreditar. Por mais que a tocasse era inútil imaginar que poderia estar me sentindo. Às lágrimas escorriam pelo meu rosto e como tive vontade de pega-la no colo. Ninar, cantar… E cantei. Cantei no intuito de que pelo menos pudesse me ouvir. A música eu não poderei lhe confessar o nome, pois esse passou a ser o meu segredo e da doce moça deitada sobre minha proteção. Continuei a cantar por alguns breves e eternos segundos. Até minha voz falhar e meus soluços tomarem o seu lugar. Pus minha cabeça sobre a moça, e ali eu fiz meu pranto. E chorei, chorei, chorei.
Tentei me recuperar. Mas as lágrimas eu não podia conter. Percebi então que já não possuía controle algum sobre elas, nem sobre o meu coração, nem sobre a moça. Pudera minhas lágrimas fazer milagres, caírem sob sua face e a despertasse como nos contos de fadas. “Lágrimas de um amor verdadeiro” pensei. Mas a vida não era justa, sabíamos bem, e por mais que Ana em meu coração se igualasse a mais bela das princesas, também não era um conto de fadas. Olhei para o relógio e meus preciosos minutos tinham se passado, talvez os primeiros de muitos ainda, talvez os últimos, talvez lembrados para sempre, talvez esquecidos quando pela manhã ela voltasse para casa. Quem poderia saber ou me provar o contrário? Não havia explicação, apenas esperança. Sim, esperança era a minha palavra, e eu tinha a total esperança na minha doce moça. Preciso confessar lhe que jamais conheci alguém tão única como ela. Tão forte, tão minha. E naquele momento — naquele precioso momento —sem me sentir, sem talvez nem me ouvir lhe disse: “Eu sempre te amei e sempre irei amar” e com um beijo na testa me despedi da minha graciosa Ana.
Após nove dias naquele mesmo estado a moça partiu, levando consigo todo o meu coração. Ela se foi deixando uma dor profunda em cada um em que plantou o seu amor. Amor… Como era amada a minha moça, era a mais encantadora que o mundo já teve o prazer de conhecer. E apesar da saudade que deixou com a sua partida, deixou também o que de mais valioso trazia em seu coração: Sua graça e doçura.
(...)
— E esta foi à última vez que eu vi a moça — minha doce, doce vovó — ainda com vida.