Benjamin Sanches
IRA
Surgiu do leito do rio sem margens
Cantando a serenata do silêncio,
Do mar de desejos que a pele esconde,
Trazia sal no corpo inviolável.
Banhando-se no sol da estranha tarde
Cabelo aos pés mulher completamente,
Tatuou nas retinas dos meus olhos,
A forma perfeita da tez morena.
Com a lâmina dos raios penetrantes,
Arando fortemente as minhas carnes,
Espalhou sementes de dor e espanto.
Deixando-me abraçado à sua sombra,
Desceu no hálito da boca da argila
E, ali, adormeceu profundamente.
SER E NÃO SER
Este ser e não ser que vive em mim
Inacessível ao meu pensamento,
No divagar meu mundo interior
Subsistindo em mim independente.
Negando-me os meus conhecimentos
Diluídos no espaço e no tempo
E o pouco que consigo recolher
Vem brotando dos meus entendimentos.
Escapando à forma do absoluto
Povoando o vácuo de minha visão,
Daquela incerteza de que estou certo.
Potência regendo este dinamismo
Do efeito que produz toda esta causa,
Do ser que acorda em mim quando adormeço.
O pássaro de barro da saudade
Revoando no aro dos meus olhos
Repousou nos meus dedos de silêncio
Partindo para as terras ignotas.
Divaguei nos roteiros do amanhã
(Quilhas cortando o ventre do espaço
Rasparam os recifes das quimeras
Encalhando nas rochas das lembranças).
E aquela argila diluída em sombras
Incensando o meu templo de memórias
Nas alvoradas dos meus sofrimentos.
Na grande solidão do inatingível
Ancorei o coração num mar de lágrimas
E adormeci num inferno entre dois céus.
CRUCIFICADO
O teu sorriso meigo e delicado,
Com que me brindaste naquele dia,
Foi toda causa do meu triste estado,
Desta minha torturante agonia.