Autran Dourado
Depois, muito depois, foi que começou a dar conta de si, como se voltasse de um mundo de brumas, como se acordasse de um sono pesado, despovoado de sonhos.
Nada parecia mudar e tudo mudava para ela, sem que pudesse perceber. [...]Ela se acostumava com aquela vida que seria agora sempre a sua vida.
Um dia sentiu que precisava parar de pensar em como tudo tinha começado, como ela deixou que tudo começasse. Sentiu que precisava mudar, precisava fazer alguma coisa para acabar com aquele sofrimento tão fundo, tão continuado. Se não fizesse nada, se cultivasse a sua dor, tinha a certeza de que não lhe restaria outro caminho senão se embrenhar no mundo, virar coisa, morrer.
Sozinha no quarto era quando se sentia mesmo miserável. E ruminava a sua dor, se repetia, o grande ressentimento que afundava dentro dela.
Embora Mazília estivesse viva, a sua lembrança lhe chegava como lembrança de gente morta, como a neblina da mãe longíqua. Como se tivesse morrido e não voltasse nunca mais. Ou se voltasse, ai sim ela via medo, seria uma pessoa inteiramente diversa.
Na verdade Mazília para ela já morreu, sem que Biela percebesse. Mazília - o seu piano, seu harmonium, as suas belezas - Era mais uma camada de terra no coração.
As coisas mais importantes, para os criadores, sobre romance, foram ditas por romancistas.
Eu sempre procurei pensar a minha obra. Analisá-la e mostrar como eu a concebo e faço.
O escritor que sou tem seu limite precisamente nesse confinamento mineiro em que sempre vivi atrelado.
O lugar onde a gente vai é sempre tão diferente, tão mais seco do que o lugar que a gente sonha.
A vida era o comum da vida da gente, sem nenhum outro mistério e sobressalto senão o mistério mesmo de existir.
A gente deixa sempre presença no mundo, nos outros. E o que fica, o resto evapora.
Meu Deus, meu Deus, por que tenho esses pensamentos? É deixar a rédea solta e lá vou eu por este mundo sem fim.
O pensamento boiava longe, num azul longe, numa paisagem sonhada, era como se sonhasse.
Melhor não pensar. Quanto mais reza, mais tentação aparece. A vida é pra frente, o que ficou pra trás é escuridão, poeira só, lembrança.
O sol não tem memórias, o sol invade a terra, atravessa os homens, escurece-os de sombras, seca-os.
Se há para mim alguma aventura, é a aventura da escrita. A escrita é o sustentáculo da minha solidão.
Uma história não deve ser apressada, tem-se de compor devagarinho, é que nem bordado, deve obedecer a um risco.
Escrevo para entender a loucura humana em geral e a loucura particular que é Minas Gerais.