António Prates
Estamos numa época em que tudo parece evoluir a uma velocidade vertiginosa, menos os sentimentos humanos.
Não sei como era ter uma opinião independente no tempo da ditadura, mas em liberdade sei que é muito complicado.
O que mais me admira, nesta nossa sociedade, é ver tanta "gente gira" defender tanto a mentira como se fosse a verdade.
É Natal nos nossos lares,
neste mundo de avareza,
onde uns comem manjares
e a outros falta pão na mesa.
As crianças do meu tempo celebravam o dia de todos os santos, as crianças de agora festejam a noite de todas as bruxas.
Deus nos dê o seu perdão
e qualquer coisa divina,
porque as voltas que se dão
são sempre a mesma rotina.
Aprendi a gostar de estar sozinho e cada vez gosto mais da minha própria companhia. Sinto-me sempre bem acompanhado.
Dentro de um fato de trabalho, de uma farda, de um fato de cerimónia ou de outro fato qualquer, somos sempre a mesma pessoa.
Aprendi a não valorizar os livros e as pessoas pelo preço, pelo rótulo, pela beleza da capa ou pelas assinaturas.
Muitas pessoas não sabem, nem querem saber, que a ignorância e a indiferença são o maior problema da nossa sociedade.
Muitas vezes, as bocas que mordem são as mesmas bocas que beijam, e as mãos que aplaudem são as mesmas mãos que apedrejam.
Quem diz que é sempre feliz
leva a vida a brincar,
e não pensa no que diz
porque é melhor não pensar.
Desfarelo aqui dicções,
neste texto em contrapé,
pra plantar em dois talhões
os da boa e os da má-fé.
I
Ao abrir a minha mão,
saltam letras trepidantes,
as mesmas letras que antes
amanhei com o coração…
pula o Z, todo gingão,
com as suas zorações;
rima fome com cifrões,
mete alhos por bugalhos,
e aqui nestes trabalhos
desfarelo aqui dições…
II
Entretanto, o calmo H
junta dez letras, ou mais;
faz caretas às vogais,
cultivando o seu maná…
diz ser fã do que não há,
é um fã do que não é,
como um vento de maré
duvidosa e bailarina,
apregoa o que imagina,
neste texto em contrapé…
III
Encruzado, bem selecto,
diz-me o X, bem divertido,
quase junto ao meu ouvido,
novidades do alfabeto…
E, então, num tom secreto,
denuncia as inflexões
aplicadas nos chavões
inventados a preceito,
que me dão imenso jeito
pra plantar em dois talhões…
IV
Meto algumas consoantes
no alfobre da direita,
mas a esquerda não aceita
gatafunhos circundantes;
planto versos abundantes
com estâncias de banzé;
curto a letras, e até
meto água nas carreiras,
onde cabem nessas leiras
os da boa e os da má-fé.
O terrorismo que mais me preocupa é o terrorismo psicológico que praticamos todos os dias uns com os outros.
Sinto a alma vendida,
quando começo a escrever...
E nesta venda assumida,
vendo palavras em vida,
pagam-me quando eu morrer.