Antonio Maria
Ah! Que coisa mais insuportável, a lucidez das pessoas fatigadas! Mil vezes a obtusidade dos que amam, dos que cegam de ciúmes, dos que sentem falta e saudade."
Às vezes, me sinto muito só. Sem ontem e sem amanhã. Não adianta que haja pessoas em volta de mim. Mesmo as mais queridas. Só se está só ou acompanhado, dentro de si mesmo. Estou muito só hoje. Duas ou três lembranças que me fizeram companhia, desde segunda-feira, eu já gastei. Não creio que, amanhã, aconteça alguma coisa de melhor.
“AMOR A GENTE ESPERA,
COMO O PESCADOR ESPERA O SEU PEIXE,
OU O DEVOTO ESPERA O SEU MILAGRE:
EM SILÊNCIO, SEM SE IMPACIENTAR COM A DEMORA”.
Frases de Dezembro
Dezembro é o mês de uma infinidade de frases, que se repetem em todos os anos, sempre as mesmas. Vamos lembrar algumas, que estão sendo ditas, desde o dia 1º.:
"O ano passou num abrir e fechar de olhos"
"Você reparou quanta gente conhecida morreu este ano?"
"E todas quando a gente menos esperava"
"Eu espero que o ano que vem seja um pouquinho melhor"
"Pois eu, minha filha, não tenho nada que me queixar. Luís Mário passou de ano"
"Nunca houve um ano tão ruim para negócios"
"Vocês já viram quanto está custando um quilo de castanhas?"
"Minha filha, com a vida pelo preço que está, nós não vamos fazer nada. Mas, se você quiser aparecer lá em casa, com as crianças, só nos dará prazer"
"Eu tenho horror a datas... se não fossem as crianças..."
"Natal de pobre é no dia 26"
"Se o Dagoberto não estivesse tão atropelado,eu ia pedir para ir, com as crianças, passar Natal nos Estados Unidos"
"Olhe, Daniel, como eu sei que os seus negócios não vão bem, vou deixar os brincos de e esmeraldas para o ano que vem"
"Mamãe, o Luís Otávio falou que Papai Noel é o pai da gente"
"Olhe, se você não comer o ovinho todo, Papai Noel vai ficar tão triste que é capaz de não vir"
"Deixa passar esse negócio de Natal e Ano-Bom, que eu vou estudar uma maneira de ir pagando devagarzinho"
"Bom, o regime eu só vou começar depois do ano"
"Você não vai encontrar banco nenhum que desconte este título, a não ser depois do dia 1º."
"Eu quero ver se, de janeiro em diante, paro de fumar e de beber"
"Este ano só quem mandou presente foi o armazém e, assim mesmo, uma garrafinha de vinho do Porto"
"Eu já avisei a todo mundo, que não quero nada, porque não tenho para dar a ninguém"
"Logo que as crianças terminarem os exames, eu boto tudo num automóvel e levo lá para um sitiozinho que eu tenho em Thiago de Melo"
"Vocês sabiam que, no Norte, eles chamam rabanadas de fatias paridas?"
"O que é que você mais desejaria que o Ano Novo lhe trouxesse?"
"Minha filha, eu e as crianças estando com saúde, não preciso de mais nada"
"Minha mulher é uma santa. Ela falou que tudo o que eu tivesse de dar de Natal, desse às crianças"
"Falaram tanto dessas cestas! Você viu o que veio dentro?"
"Pois olhe, lá em Portugal, um quilo de castanhas custa três escudos"
"Mas, hoje em dia, qual é a diferença que existe entre o champagne nacional e o francês?"
"Com este, faz não sei quantos natais que eu não como uma fatia de peru"
"Você acha que, com as coisas como estão, este Governo aguenta até o fim do ano?"
texto extraído do livro "o jornal de antônio maria" editora saga - rio de janeiro 1968 pág. 74
Rio, 14/12/59
Mulher dos outros
Antônio Maria
Dia claro. Primeiras horas do dia claro. Havíamos bebido e procurávamos um café aberto, para uma média, com pão-canoa. Quase todos estavam fechados ou não tinham ainda leite ou pão. Fomos parar em Ipanema, num cafezinho, cujo dono era um português e nos conhecia de nome de notícia. Propôs-nos, em vez de café, um vinho maduro, que recebera de sua terra, "uma terrinha (como disse) ao pé de Braga". Não se recusa um vinho maduro, sejam quais forem as circunstâncias. Aceitamo-lo. Nossa grata homenagem a José Manuel Pereira, que nos deu seu vinho.
Nesse café, além de nós, havia um casal, aos beijos. As garrafas vazias (de cerveja) eram quatro sobre a mesa e seis sob. Beijavam-se, bebiam sua cervejinha e voltavam a beijar-se. Não olhavam para nós e pouco estavam ligando para o resto do mundo. Em dado momento, entraram dois rapazes e pediram aguardente no balcão. Ambos disseram palavrões, em voz alta. O casal dos beijos e da cerveja parou com as duas coisas. Outros palavrões e o cabeça do casal protestou:
— Pára com isso, que tem senhora aqui!
Um dos rapazes dos palavrões:
— Não chateia!
— Não chateia o quê? Pára com isso agora!
Um dos rapazes do palavrão:
— E essa mulher é tua mulher?
— Não é, mas é mulher de um amigo meu!
A briga não foi adiante. Todos rimos. O dono da casa, os rapazes dos palavrões, o casal. Está provado que: quem sai aos beijos com mulher de amigo não tem direito a reclamar coisa alguma.