Annita Costa Malufe
onde termina o poema onde
um ponto de suspensão apenas
o poema não termina quando
a linha roça a beira do papel
tampouco a língua roça
aquilo que ela alcança
para além da página há
o poema imaginado sempre
uma imagem de poema
desfazendo-se afundando um
navio atracando-se no espaço
um navio a cada vez refeito mas
o corpo do poema não é
imaginário tampouco a
possibilidade de um limite não
há limite apenas limitação a
folha acaba a tinta acaba a
língua é o ponto de desacordo
roçar a página ancorar mas
a cada vez apenas por um instante
este inacabado este
que nunca termina
Já estamos todos muito velhos
As conquistas de outros tempos se acumulam
Nos caixotes de papelão e isopor
Nas malas que moram na parte de cima do armário
Vasculho papéis que perderam sua função
Fotos documentos recortes
Rostos amarelecidos em uma existência remota
Uma quase não-existência familiar
E temporal
– palavras fatos já não-meus, penso
(é preciso alçar a indiferença)
“que importa quem fala, alguém disse...”
É preciso rasgar
Estancar o sangue
Tentativa de habitar algum presente em meio ao bolor
superar
a tristeza de não ter mais você
e seguir como se o rio esquecesse o leito antigo
procuro as palavras para te cobrir
mas me faltam letras
tropeço nas sílabas do teu nome
(mesmo que já não possa lembra-lo inteiro)
já vivo sem você
costuro cavalgo comungo
só não sei
como partir inteira
retomar pedaços
fatias
de um corpo que foi meu
(as marcas da história de cada um)
as marcas da nossa história
emolduram
um jeito velho de ser
um jeito esquecido e velho
de ser mulher
desisto de te amar
por uns instantes olho a madrugada
que colore de cinza as estradas
da minha cabeça
temos poucos anos e uma bagagem densa