Annie Ernaux
O verdadeiro objetivo da minha vida talvez seja apenas este: que meu corpo, minhas sensações e meus pensamentos se tornem escrita, isto é, algo inteligível e geral, minha existência completamente dissolvida na cabeça e na vida dos outros.
É a falta de noção do que estamos experimentando quando o vivenciamos que multiplica as possibilidades de escrever.
Ela me ensina que o mundo é feito para ser aproveitado e desfrutado, e que não há absolutamente nenhuma razão para se prender.
Onde estão os olhos da minha infância, aqueles olhos medrosos que ela tinha há trinta anos, os olhos que me fizeram?
Deslizei para dentro dessa metade do mundo, para a qual a outra metade não passava de decoração.
Ter vivido uma coisa, qualquer que seja, dá o direito imprescritível de escrevê-la.
Ela tem a sensação de que um livro está se escrevendo sozinho a partir dos rastros dela, apenas vivendo, mas é só uma sensação.
Em certos momentos, sente-se massacrada diante das coisas que aprendeu. Tem o corpo jovem, mas o pensamento, velho.
Ao escrever, caminha-se no limite entre reconstruir um modo de vida em geral tratado como inferior e denunciar a condição alienante que o acompanha.
Talvez seu maior orgulho, ou até mesmo aquilo que justificava a sua existência: que eu fizesse parte de um mundo que o desprezou.
A dor não pode ser mantida intacta, ela precisa ser “processada”, transformada em humor.
Se eu tivesse uma definição para a escrita, seria esta: descobrir, ao escrever, o que é impossível de descobrir por qualquer outro meio, fala, viagem, espetáculo, etc. Nem pela reflexão por si só. Descobrir alguma coisa que não existe antes da escrita. Aí que está a fruição – e o terror – da escrita, não saber o que ela faz aparecer, acontecer.
Nunca penso em mim mesma como escritora, apenas como alguém que escreve, que precisa escrever.
Sinto a escrita como uma faca, é quase a arma de que preciso.