Anne Py

Encontrados 18 pensamentos de Anne Py

Tinha decidido esquecê-lo. Calçou os sapatos, vestiu as calças, tomou coragem e entrou na livraria da rua ao lado. Comprou um livro manjado de autoajuda e, com um capuz escondendo o rosto, abraçou-o como se fosse o suficiente para apagar todas as lembranças, sorrisos, carinhos, momentos bons…Bosta! Deitada na cama, já estava ela mais uma vez gastando o seu tempo pensando nele, se enrolando cada vez mais na saudade e no edredom. Não pregou os olhos até devorar todas as páginas na esperança vazia de seguir em frente. “Fui eu mesma quem quis terminar com o César. Namoro sem fogo, sem graça, tão água e sal…” – repetia para que passasse a acreditar que o que sentia não era tristeza, era só preguiça de recomeçar. Primeiros encontros, filmes barulhentos, sutiã de enchimento… Bocejava só de pensar! Caiu no sono.

"Primeiro passo: coloque o vestido mais bonito. Segundo passo: Aceite o convite do vizinho que sempre te paquera para jantar. Terceiro passo: ganhe o mundo, menina, reaprenda a amar!" Mesmo sendo muito clichê, estava eufórica! Passou o dia todo seguindo as regras daquela balela que só enganava neném. Sentia-se bem- talvez só não seriam essas as melhores palavras para se falar.

O “broto”- como diria sua avó- nem ao menos foi gentil, logo disse o endereço do restaurante sem se quiser se importar com a sua opinião, gosto ou feitio. Mesmo sendo próximo a sua casa, sem saber o nome das ruas, se perdeu duas vezes até se encontrar. E, ao chegar, não poderia ser mais frustrante: um restaurante Japonês. O mesmo- acrescente aqui ruim- em que ela encontrou quem amava pela primeira vez. O coração se apertou. Parou na porta, olhou para o céu e depois para o letreiro que piscava, já com algumas luzes queimadas, em vermelho.

“Vá aos lugares aonde ia com ele, mas não relembre histórias antigas. Escreva novas. Não se limite, não tema!” – lembrou dos conselhos de um dos capítulos. Tomou fôlego, virou a maçaneta e entrou. Foi tanto o que passou diante dos seus olhos…! Ali era a mesa onde estava sentada quando ele entrou. Dentes impecavelmente brancos, com seu ar americanizado e sua velha jaqueta de jogador. Tinha certeza que ele olhara para ela. E ela, fazendo graça, esquivou.

Agora, o que a esperava, era muito pior do que um encontro meia-boca. Era o início de um fim calado, sem aplausos. Já sentada, deixava tudo o que “o prêmio”- assim sugeriu a autora chamar o futuro marido em potencial- falava, simplesmente passar. Vez ou outra dizia que sim ou que não, só para disfarçar. Estava presa às recordações…

Era, sem dúvidas, o primeiro dia do garçom atrapalhado e, cá entre nós, bem mal-humorado que, além de tudo, ainda não tinha se habituado ao português. Serviu-me errado e não entendeu quando pedi que trocasse. “Eu queria sushi”- tentei pela última vez, já fazendo gestos constrangedores com as mãos. E ele saiu resmungando, gritando o que me pareceu um palavrão dos grandes lá no Japão.

César se divertia com a história. Apontou para o seu prato e mexeu os lábios: “O meu era sashimi” e, sorrindo, com o chawan na mão, foi ao meu encontro. Decidimos dividir. Entre Leoni, Leminski, Bonde do Tigrão e vergonhas de infância, os hashis se esbarravam. Não sentiam mais fome. O que sentiam tinha outro nome, mas também dava um nó na ponta do estômago, fazendo doer como se realmente fosse.

Despertou do sonho quando o tal prêmio de consolação insistiu por resposta: “Prefere começar com sushi ou sashimi? E o garçom rabugento, como se tivesse se projetado para fora dos seus pensamentos, esperava de pé, com a caneta e a paciência na mão. Ela congelou. Olhava de um para o outro, do outra para um. Parecia que um filme tinha começado a rodar em sua cabeça, sem que pudesse mais se controlar. Olhou para dentro de si.

“Eu…”- respirava fundo antes de gaguejar. “Eu prefiro os dois a dois”- falou devagar, ganhando tom e confiança. “E divididos irmãmente. Mas… Mas que me dê o último de manga só porque é o meu preferido”. Disse já quase na porta. Percebeu que tudo o que lera foi só para saber que podia e até devia fazer o contrário. Deixou todos confusos, baratinados. Pediu desculpas pelas bandejas que derrubou no caminho e também à senhora agora suja de yakisoba. Tentou limpar com o guardanapo, mas provavelmente já tinha manchado. Entrou no metrô.

Não sabia o que diria quando César abrisse a porta. Não sabia nem se ele abriria! O abraçaria? Pediria perdão? Talvez cantasse uma música, mas lhe faltava o violão. “Next stop Copacabana station”. Faltou o ar, sentiu o apertar dos sapatos, o tremer das mãos, a boca seca. Com o rosto pegando fogo, aquela que nunca voltou atrás, decidiu seguir um único conselho do autor mercenário: "Se quiser ser feliz, seja! Paixão uma, duas, três, um milhão. Paixão em qualquer baladinha tem. Mas, amor, cara leitora, é um pra cada e, isso, tendo sorte quem tem!"

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E ela dirigia seu carro escandalosamente alto como se o mundo fosse dela. Desfilava em sua própria passarela, com seu sorriso tão gasto e, ainda assim, diria que inigualavelmente feliz… Analisei-a quando parou no semáforo. Usava um colar de pérolas singelo, com as bochechas levemente rosadas e as pálpebras pintadas como um bom quadro. Piscava poucas vezes e, quando o fazia, tratava de ser bem rápida. Acredito que por temer perder uma risada gostosa ou qualquer detalhe bobo de um todo que a rodeia. Tinha uma vivacidade de incomodar qualquer jovem em final de período. E, até invejei, por um segundo- ou minutos, confesso- o seu dia que, sem dúvida alguma, tem muito mais horas do que as poucas vinte e quatro que Deus me deu. Ouvia algo que me pareceu blues. Cantava. Isso mesmo, no meio da tarde de uma segunda-feira! Cantava sua longa trilha batalhada… Espichava os olhos, mostrava suas rugas. Estacionou na vaga ao lado da de idosos, o que no mínimo é bem controverso. Com os pés no chão, era tão miúda, com os ossinhos visivelmente frágeis e que, para falar a verdade, muito provavelmente, são mais sadios que os meus, concluo. Tinha pele de maracujá e posso até apostar que também cheirava como um, daqueles bem docinhos, maduros, acabados de cair do pé. Ah, e seus olhos de menina, doces como amêndoas… Gritavam que quem residia naquele corpo enrugado nunca nem tinha pensado que já passou- e há muito- dos dois terços da idade que o homem pode ter. E assim, como quem nada quer, ela se eterniza no florista que a corteja, no baile da Igreja, nos vizinhos de rua e, principalmente, em mim.

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Anne Py

Um pé a frente do outro. Novamente e mais uma vez. Os pensamentos gritam segredos ao vento, às árvores e aos gatos. Liberta-os. Os pássaros os levam para tão longe, onde, já cansados, repousam no miolo das flores. Como queria, ela mesma, adormecer entre as pétalas e se embebedar do perfume do néctar! O movimento se repete, ininterruptamente. E, quanto mais se esvazia das interrogações que a atormentam, mais leve fica; Oxigena. Os passos se aceleram e ela, como bailarina, quase não toca mais o chão. Flutua… Dança no ritmo do coração, dando fim a rigidez do músculo dos braços e os de expressão. As lágrimas voam contra o corpo, lavando o suor e a aflição do rosto. Avista uma borboleta, sorri. E ela corre. Corre para não ter que fugir de si mesma, tendo a angústia como seu maior capataz. Corre, pois acredita ser melhor descalçar os sapatos e revirar-se ao avesso do que ser como criança no consultório do doutor. Sabe que dói, mas não sabe de onde vem a dor.

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Anne Py

Você pula da cama com o barulho mórbido do despertador. Se levanta, com os olhos ainda cerrados, arrastando os pés pelo corredor. E joga, sem pensar duas vezes, aquela mosca gigante, ainda zunindo, no congelador. Acorda uma hora depois, atrasada para a reunião, a consulta com o dentista ou um dia de verão… A roupa não está passada ou se quer lavada. O cabelo, em crise como um adolescente mimado, só não espanta tanto quanto as olheiras que parecem rabiscadas de canetinha roxa. E onde raios se enfiou o resto do corretivo?!— questiona já aos gritos, tendo de ouvinte apenas o ventilador. De pijama e blazer, corre, brigando contra os dois carrascos em forma de ponteiro, que, satisfeitos, brincam com seu destino. E a sensação que dá ao andar nas ruas é a de estar sendo vigiada por um pombo sorrateiro, analisando seus passos, esperando o momento certo para agraciá—la com seu mais precioso presente. Ai, não, lá vem ele. Merda.

O bom é pensar que é aqui que você pode começar a ter… sorte.

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Anne Py

Decidido

Acordei e percebi ser o que sempre quis- e, aliás, sempre fui. Mas o espelho, vilão, sempre me ressaltava os defeitos. Atraia luz para os lugares errados, zombava-me toda manhã, como que cúmplice da dona da maçã envenenada. Uma afronta! Um verdadeiro absurdo…- e este foi e, para sempre será, meu último choro e murmúrio. Mesmo com meus desejos eternamente embaçados e o culote avantajado, cada passo meu atraia olhares, sorrisos- e eu, claro, em total espanto, deliciava-me em graça. Não era alface nos dentes, eu bem verifiquei. Falava firme, inteligente. Sorria frouxo. Seria apenas o batom novo? O dia passou em puro embaraço, firmando com nó e laço, minha auto-estima e confiança. De frente a uma vitrine, o reflexo. Realmente, era linda! Quantas noites por tolice não dormira… E quantas festas perdidas! Em um trato comigo mesma, olho no olho, encarei minha beleza sincera. “Nem mesmo um bad hair day terá o direito de arrancar a covinha que enfeita minhas bochechas rosadas”- cantarolei em voz alta. E, assim, declarei-me dona de um não- bronzeado-Ipanema incrível. Um gingado torto, um tanto quanto paulistano, e tão indiscutivelmente meu- a carioca da gema sem samba no pé. Declarei-me dona de cada sarda no nariz, ponta dupla e da boca carnuda. Dos cílios e seios grandes. Declaro-me pois, em completo amor por mim mesma, mimando-me com vestidos de bolinha, gloss e lingerie. E, que me desculpe a Avon, mas amar-me suavizou minha expressão como nenhum Renew o faria. Se nua, ainda assim estaria bem vestida para sair à rua, gritando minha vivacidade e, enfim, liberdade. Eu, de cara limpa e alma lavada. Eu, feliz.

Acordei e percebi ser o que sempre quis- e, aliás, sempre fui. Mas o espelho, vilão, sempre me ressaltava os defeitos. Atraia luz para os lugares errados, zombava-me toda manhã, como que cúmplice da dona da maçã envenenada. Uma afronta! Um verdadeiro absurdo…- e este foi e, para sempre será, meu último choro e murmúrio. Mesmo com meus desejos eternamente embaçados e o culote avantajado, cada passo meu atraia olhares, sorrisos- e eu, claro, em total espanto, deliciava-me em graça. Não era alface nos dentes, eu bem verifiquei. Falava firme, inteligente. Sorria frouxo. Seria apenas o batom novo? O dia passou em puro embaraço, firmando com nó e laço, minha auto-estima e confiança. De frente a uma vitrine, o reflexo. Realmente, era linda! Quantas noites por tolice não dormira… E quantas festas perdidas! Em um trato comigo mesma, olho no olho, encarei minha beleza sincera. “Nem mesmo um bad hair day terá o direito de arrancar a covinha que enfeita minhas bochechas rosadas”- cantarolei em voz alta. E, assim, declarei-me dona de um não- bronzeado-Ipanema incrível. Um gingado torto, um tanto quanto paulistano, e tão indiscutivelmente meu- a carioca da gema sem samba no pé. Declarei-me dona de cada sarda no nariz, ponta dupla e da boca carnuda. Dos cílios e seios grandes. Declaro-me pois, em completo amor por mim mesma, mimando-me com vestidos de bolinha, gloss e lingerie. E, que me desculpe a Avon, mas amar-me suavizou minha expressão como nenhum Renew o faria. Se nua, ainda assim estaria bem vestida para sair à rua, gritando minha vivacidade e, enfim, liberdade. Eu, de cara limpa e alma lavada. Eu, feliz.

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Anne Py

Querida Confiança,

Eu sei que andei despejando-a aos montes pelos cantos- e meios, se me permite dizer-, como se fosse um bem inesgotável que, cá entre nós, feliz ou infelizmente, não o é. Aliás, nem o famoso amor eterno tem tido esse privilégio de uns tempos para cá, para se ver!

Entretanto, quero lhe informar, para que não temais mais, que, como uma pirralha fantasiada de adulta que sou- e como sou- fui ao banco e abri uma poupança. Depositei-a toda, Confiança. E só a usarei novamente em caso de extrema necessidade, como, gentilmente, me alertou o gerente. “Quem guarda tem”- ele disse- “Afinal, mocinha, Confiança é como planta: Não nasce em solo desgastado, há muito judiado.”

E deixo claro, mesmo que seu s irmãos Respiração Acelerada e Carinho lhe aticem para sair às ruas gritando “liberdade!”, lembre-se, escute mais o seu pai, Coração. Que não, não manda em você, é claro, mas, afinal, ele é o único que pode manter a vida com ritmo eterno de Carnaval ou com o aconchego do Natal, como preferir e quando preferir. Essa é a senha, entendeu?!

E isso, é para o seu próprio bem e, talvez, porque não, meu também?!

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Anne Py

"I do"

Estava no meu antigo apartamento. Sozinha, fiz minha maquiagem, aquela que você já me viu fazer- e aplaudo a paciência – tantas vezes. O batom vermelho, que pinta mais seus lábios que os meus, o delineador que emoldura meus olhos sem graça e que, de graça, se renderam a você. Fechei, me aventurando numa missão quase impossível, o vestido rendado. Enrolei o cabelo, o prendi. Não gostei, o soltei. Joguei-o para um lado e para o outro. Tanto implicou comigo quando, depois de duas taças de vinho, tornava esse jogo minha distração… Era verdade, afinal. Sorri. Um borroco de rímel no canto do olho. Ora, tanto faz! Tirei os saltos e deixei-os do lado da porta. Ele não se importa, eu pensei. Parado no altar, rodeado da luz do sol, eram tantas flores! Você e um sorriso. Você e os olhos de azeitona. Você e Deus, esperando por mim. Entrei, flutuando em passos largos. Nosso conto, nosso começo, nossas travessuras. Tudo fazia sentido. Sonhei com você, meu amor. Com o nosso casamento.

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Anne Py

Perdi... E daí?

Perdi um amor como quem perde as chaves e só nota na porta de casa, enquanto cruza as pernas, apertada para ir ao banheiro- sou puro desespero. Procuro dentro da bolsa- uma bagunça! Viro-a ao contrário, vai tudo direto para o chão: carteira, corretivo e coração. Vasculho por baixo do forro; Vasculho dentro de mim. Perdi um amor… Daqueles que poderiam ser um estouro, uma explosão de confetes, uma carreata para Ave Maria, fogos de artifício! Perdi um amor de novela, perfumado com todo o dramalhão mexicano, abdomens sarados e rímel misteriosamente intacto nas manhãs de domingo. Contudo e, sobretudo, refogado num vale de lágrimas, mentiras e ilusão. Quem disse que seria bom?! Perdi um amor que poderia ser tão quente quanto café expresso. Mas seria, então, tão amargo quanto? Tão rápido quanto? Tão pequeno quanto?! Talvez. Não sei… Perdi-o na varanda de casa, no ponto do ônibus, numa festa de família. Perdi um amor justo quando pus meus pés na avenida. Na euforia do desfile, na batida dos tambores, esqueci que a fantasia não se veste todo dia. Os paetês sempre caem e caem… Poderia ter sido meu amor cigano, minha febre, meu ás de copas, meu rei. Perdi um amor que de tanto se enfeitar, exagerou no blush, no comprimento e na altura. E, pensando bem, me falta, é claro, a inércia da protagonista frágil, da novela das seis, em sua paixão tímida, quase sussurrada. Eu sou daquelas que grita os sentimento do alto da escada! E se não acho o amor ou as chaves, ora, toco a campainha do vizinho! Aproveito, como uns biscoitinhos e ganho um desconto no valor do condomínio. Ah, esse amor tolo, prometeu tanto que não aguentou o tranco. Preferiu se “aventurar” em clichês água com açúcar à desnudar uma vida a la Hollywood comigo. Acreditam nisso?!

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Slow Down

Quarenta anos. Olhou mais uma vez no espelho, passou a mão nas bochechas, nos olhos, debaixo do queixo. QUA-REN-TA anos- foi preciso quase soletrar, em voz alta, para que pudesse acreditar. Talvez, ainda tivesse, mesmo que escondido, um balde cheio de esperança de que o Mágico viesse lhe contar que em um simples passe ela pudesse voltar aos vinte e seis. Se tivesse a chance, sem dúvidas, escolheria os vinte e dois, vinte e três. Tão cheia de vida! Passou as mãos em seu ventre, um aperto no coração.

Renato abriu a porta. Tinha nas mãos um cupcake- ele bem sabe que açúcar é, rezava que só depois dele, sua maior paixão. Cantava, com sua voz rouca, como no dia em que se conheceram, em Buenos Aires, um “parabéns” em Espanhol. Ele, estudante metido a pobretão, cantava em um pub da cidade, para sustentar suas cervejas baratas, jeans rasgados e cara de vilão. Ela, a nova brasileirinha de Literatura, cheia de não me toques, glitter e condecorações.

Já tinha percebido seu sorriso sutilmente malicioso na primeira segunda do ano. “Linda!”- balbuciou. De tanto que a acompanhou, perdeu-se no tempo e o cigarro evaporou. Demorou quase um ano para que, numa sexta, ela fosse virar algumas tequilas no Saint Patrick. Descobriu ser seu aniversário. Dançava solta. Sem os óculos, meu Deus, ficava ainda mais bonita! Cantou “Vienna”- dedicou-a a ela- querendo despertá-la para a vida dele. Dalí, brigaram por horas, se beijaram por horas, se amaram por horas… Perderam, então, todas as provas, namorando no Rosedal.

Os olhos dela ainda brilhavam para os dele. O dono dos olhos que lhe traziam o mar para perto, tiravam seu fôlego, derretiam-na como manteiga e, o coração, desfilando solto, fazia, feliz, o Carnaval do folião… Olhou as pequenas velas, “40”, esmaeceu. Com os olhos cinza, seu corpo enrijeceu, como que se tentasse manter dentro de si toda a angústia que sentia. Não resistiu. Desabou.

Depois de anos de casamento, os dois sonhavam com um filho. Muitas consultas, tentativas, novos médicos e remédios… Parecia impossível que Mel engravidasse. Não era incompatibilidade sanguínea entre os dois. Não existia nenhuma explicação científica, aliás. Passaram a acreditar, mesmo que nunca tivessem dito, que a culpa era deles mesmos. Não era para estarem juntos, afinal. Eram o par errado, que não se encaixava, não gerava. Não entendia porque tinham insistido. Ela rompeu o silêncio, ultrapassando um limite crucial. “Talvez eu seja meia laranja e você, meio limão”- sussurrou em prantos, sentando-se no chão.

Malas no corredor. Choro no vão do prédio, no elevador, debaixo do cobertor. Ele vazio, ela cheia. Era tanto querer, que chegava a doer. Sem vontade de levantar pela manhã, não comia, não queria flores, tudo a enjoava com tamanha velocidade! Prendia-se à foto dele. Se não era dela, por que tanto sofria?! Meses se passaram…

Um desmaio a levou ao hospital. Ao acordar, só queria sair. Odiava o cheiro do soro e a monotonia branca. Só ia por gripe, rinite ou gastrite, meia dúzia de vezes ao ano e sempre durante os torneios de futebol. Renato reclamava, ela sorria. Ainda tonta, saiu às ruas, precisava do mar. Com a notícia na garganta, corria no calçadão. Nem notou que já era Réveillon. Depois de muitos esbarrões, com licenças e pisões, tentava ir em direção contrária à multidão. Como isso pôde ter acontecido agora?!

Lágrimas caiam enquanto tocava o interfone. “10, 9, 8…”- a multidão, em êxtase, dançava. Uma voz de sono atendeu. “7, 6, 5, 4…”. “Grávida!”- ela gritou. “3, 2…”. E o seu mar azul apareceu, embaçado de felicidade. “Três meses!”- foi tudo o que ela conseguiu dizer, com os dentes à mostra, antes que o céu explodisse em fogos de artifício. Ele a girava no ar e ela, confortável, vibrava, de braços abertos, nos abraços do seu doce preferido, o azedinho do limão.

“Slow down,
you’re doing fine.
You can’t be everything you wanna be before your time.”

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Anne Py

As provas de amor que quero ter

Trezentos e sessenta e cinco botões de rosa delicadamente postos na mesa de trabalho: mais um ano de namoro. Um carro de som berrando , enquanto inúmeros fogos de artifício barulhentos atiçam os pobres cachorrinhos de madame da vizinhança. Um milhão e meio de mensagens no celular, nenhuma muito distante das que você já recebeu e, por muitos motivos- agradeça por isso, acredite!- já veio a deletar. Noites desenhando sonhos em comum, mas todos tão… irritantemente comuns! Nenhum com a pitada ou mesmo a pegada de vocês. Pegada?! Prefiro provas de amor diferentes, mais consistentes. Mais de mim e dele postos na batedeira ou misturados no liquidificador . Um anel de brilhantes, um ataque de ciúmes, um “não” ao carnaval e até mesmo ao tão amado futebol, não me dizem, em bom português- ou mesmo em inglês, coreano e japonês- que ele me ame. Quero um “bom dia” gostoso numa segunda de manhã, uma noite inteira cantando Amy, um peixe à quatro mãos. Um ronquinho charmoso depois das duas taças- ou foram garrafas?- de vinho, que, por um acaso, ainda estão no chão. Quero que ria do meu arroz queimado, que jogue-o fora e me prepare um macarrão. E, por favor, que me tire para dançar- mesmo não sabendo nem o dois para cá e o dois para lá! Que não me inclua em histórias sem vida. Aliás, que me dê vida e que faça uma ou mesmo várias comigo- dois meninos, três meninas, um time de basquete, que seja! Quero que mude meu time, que me beije no Maraca, que me ensine onde ponho e não ponho o guardanapo. Que me inspire a ser. Que fale mal da minha voz e do meu péssimo gosto por mulher. Deixo até que zombe do tamanho do meu pé! Não preciso que me ame em letras garrafais, como quem faz propaganda nos jornais; quero apenas que grite, num simples rabisco na areia, que é comigo que quer gargalhar até que, enfim, tenha que me deixar.

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Anne Py

Futuras lembranças

Ah, o entrelaçar das vidas! Pontilhando caminhos cruzados em vias miúdas: impossível dar a ré sem o outro, passar a marcha ou dar uma meia-volta que seja. Parece ensaiado de tão sincronizado! De perto ou de longe, não importa. O espetáculo vale como um balé num fim de tarde! Um a calçada o outro a rua. Muitos se esbarram, se bicam e trumbicam. Não se ajudam, não se aceitam, não andam. Fazem da viela uma via expressa. Tornam-se, por mau gosto, menos um na lista de formatura, na foto do porta-retrato, no brinde de Réveillon. Todavia, “benza” Deus, têm os que não estacionam, dão seu jeito, ganham uns ralados, passam uns apertos, mas caminham lado a lado. São os que realmente se encontram, trocam olhares, sorriem. Dão-se as mãos, se não o braço, as pernas, o vestido predileto, o batom vermelho, um esporro, um consolo. São esses que, no acaso de um dia chuvoso, uma aula sem graça, uma véspera de coisa alguma, descobrem que compartilham do mesmo desejo, odeiam a mesma música e são completamente apaixonados pela mesma marca de sabão em pó- ou qualquer outra coisa irrelevante, oras, vocês são assim e fim. Aliás, sejamos sinceros, são os que discordam de qual o melhor clima, o melhor filme da história e, principalmente, da beleza alheia! Mas, sobretudo, estão juntos. Juntos para dividir, somar, multiplicar e até mesmo subtrair, por que não? Excesso de sal estraga qualquer tempero. E não importa se essa tal rua é de paralelepípedo, se está um pouco desgastada, esburacada ou se foi coberta com pedrinhas de brilhante para o seu amor passar. O ponto chave é que ela tem sempre o meio fio, coladinha a ela, fiel, ouvindo suas graças e (des)graças- e essas são tantas! Eles enfeitam sua vida, desenham sorrisos, rabiscam uma amarelinha e escrevem, com você, as histórias que serão relembradas, numa tarde de domingo, com seus netos e bisnetos. Serão lindas essas viagens no tempo!

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Anne Py

Com tudo

Sabe aquela piscina enorme de sentimento que você cisma em deixar jogado num cantinho empoeirado dentro de si mesmo?! Ora, está calor, não está?! Então, vamos, se jogue! Mas se for, que vá com toda a vontade que tiver: de barriga, de ladinho, de cabeça, mas, sobretudo, de coração. Pode até doer no começo: é um choque, eu sei. Entretanto, não se compara à refrescância- e o arrepio- causado por aquela água, completamente transparente, também conhecida por aí como FELICIDADE.

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Café

Se frio, não obrigada. Morno?! Ainda pior. Meio termo nunca me fez suspirar. Se quero, quero quente, saindo fumaça e, se possível, que desenhe inúmeros sorrisos dançando no ar.
Ah, e acrescente bastante açúcar, por favor! No amor, mais é sempre melhor; Não faço regime.

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Calça jeans

Acredito que encontrar o amor da sua vida seja como comprar a calça jeans ideal. Com ela, sentir-se segura e, até mesmo, irresistível, não é um mistério tão grande assim. Ajusta-se ao corpo em qualquer situação: confortável para os dias frios no sofá, delicado para os primeiros encontros, discreto e companheiro para conhecer a sogra e casual- para não dizer necessário- ao correr desesperadamente atrás dos filhos que provavelmente virão, pelo parque. Alonga as pernas, afina a cintura e ainda empina o bumbum- um milagre para a autoestima de qualquer um. Investimento alto, sem garantias, com retorno nem sempre tão imediato quanto gostaríamos, mas que, sem dúvidas, são o que tornam inesquecivelmente doces as páginas da sua história.

Entretanto, não basta ser calça, não basta ser jeans. Estamos falando de perfeição, afinal- e não me refiro àquelas pintadas nas novelas. Falo de perfeição real e, sim senhor, isso inclui minhas coxas grossas, dias irritadiços e tudo mais. E que não fique pescando ou apertando meus pneus, por favor!

Tingir, fazer bainha, prender um botão… Ajustes são necessários, é claro. Mas o importante é que, vestindo-a, sinta-se inteira: que nada falte, que nada sobre. Assim, mesmo com o jeans já surrado, batido e ultrapassado, nenhuma calça estilizada, com o raio de svarovisk que for, vai dar aquela sensação gostosa de abraço apertado todas as vezes que o zipper for fechado. Não importa se o seu número é grande ou pequeno, seja do estilo solto, como a de boca de sino ou skinny, eternamente grudada nas suas pernas. Basta que tenha o caimento leve e que se encaixe- aliás, o encaixe é essencial- lindamente em você.

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Anne Py

Quem ama

Quem gosta chama pra ir ao cinema, elogia sua nova foto do perfil, manda beijos ao se despedir: simples e prático, como deve ser. Qualquer vírgula vira ponto- final, claro. Quem ama vai pra onde for necessário- mesmo que isso inclua o supermercado no domingo, a festa da sua avó- justo no horário do futebol de quarta- e, até mesmo, a Cacau Show em sábado de Aleluia. Assiste você reclamar incansavelmente das suas roupas, do seu chefe, do seu culote e da sua imeeensa barriga: o inferno astral masculino; Geralmente ele só quer que você feche a boca e se jogue em seus braços. Elogia seu cabelo bagunçado, seu bumbum que nunca chegou-e acredite, nem chegará a parecer um dia com o da Juliana Paes-, seu pudim desmoronado, sua maquiagem sempre um pouco borrada. Ele não se importa. Aliás, só uma coisa o importa: aquele seu sorriso torto, meio amarelado, e como fica boba- e incrivelmente linda- tentando provocá-lo. Imagina e até torce para que seus filhos puxem não só o seu nariz, mas também aquela sua gargalhada enlouquecida e, mesmo assim, insuportavelmente contagiante. E quando beija…Ah, quando beija! Lábios não bastam. Beijam-se olhos, orelhas, dentes. Beijam-se com as mãos, as pernas, os cabelos… Amam-se. Dá pra sentir na respiração. Dá pra sentir no ar. Dá pra sentir, entende?!

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Anne Py

Telefonema

Ah, as danadas das armadilhas que nossa própria imaginação arma em meio a um caminho besta de tão simples! Um telefonema inesperado que seja é motivo para uma ratoeira delicadamente posta na cabeceira da cama. A “não-ligação”- ou um sinal de fumaça, oras, seja criativo!- no entanto, o faz acordar em um calabouço de pesadelos. Faz com que se criem mil e uma histórias diferentes, sendo a maioria regadas de muito álcool, música e peitos que fizeram com que sua rota fosse mudada- aceite, em nenhuma delas você estava cansado e pegou no sono, seria simples e inofensivo demais. Você já me parece bem grandinho, não é mesmo?! Acreditem, dedos presos a uma ratoeira são um problema bem menor do que ter que se justificar de todas as festas que pode ter ido, de todos as mulheres com quem pode ter saído e de por que cargas d’água você mentiu todas as vezes em que disse, olhando no olho, com seu ar meio tonto e a voz rouca aquele simples e inesquecível “eu te amo”. Correr esse risco é estupidez. Fazer-se presente, mesmo de longe, não dá margem para devaneios. Já a ausência…

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Anne Py

A bela fera

Grande, de cenho fechado. Olhos fixos, café pelando. Sem muitos toques, tabuleiro sem bolo, horas mal gastas. Faltava-lhe o encaixe, é claro, como um doce sem liga. E tudo, tudo sempre tão cinza…

Numa conversa, como que sem querer, um encontro. E, entre razonetes, máquinas de refrigerante e primeiras más-impressões, uma simples caixinha de giz de cera, sem manual de instruções. Como fogos de artifício, cores, tantas cores, muitas e quantas…! Misturam-se, multiplicando-se em um arco-íris de manha e aconchego.

Pintei os seus olhos de verde, seu céu de rosa e você, amor, o meu coração de vermelho. Seu mundo, então, nunca mais só branco, nunca mais só preto. Nunca mais só. Rabisquei-o todo.

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Anne Py

Arrumar-se

Arrumar a casa pode ser cansativo e, até mesmo difícil. Cada cômodo, revirado, como se visitado por um invasor. E, talvez, realmente o tenha sido. Abre-se inúmeras gavetas. Muito se quer jogar pela janela: tudo o que, querendo chamar de passado, ainda faz com que o sorriso se guarde, selado por lábios que insistem em tremer. Joga-os. Observa como voam facilmente para longe, sem que nada- definitivamente nada- os soprem com tamanha força para que voltem para perto de si, por mais que, em segredo, pedisse, em oração, um imenso vendaval. Se possível, um furacão.

Não eram mais meus, afinal.- Se forçava a dizer. Então, voem. Voem para longe… Simplesmente voem!- tomava fôlego e coragem.

Ainda não satisfeita, fez questão de mudar. Trocou quase tudo de lugar: de lá pra cá de cá pra lá e, no final, tudo voltou ao mesmo, exato, lugar. Cansada, joga-se no sofá. Para sua surpresa: tudo tão igual e, mesmo assim, parece nova, brilha como nova. Satisfeita, suspira. Sentindo-se incrivelmente forte, SORRI.

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Anne Py