Anne Mahin
Mortuus est
Onde está meu coração,
em qual lugar o deixei?
Em que canto o esqueci?
Não faço ideia, não sei.
Eu o procuro ansiosa!
Quem saberá me dizer?
Dentro de mim não está,
pois já não o sinto bater.
Talvez tenha ido embora,
talvez o tenham roubado...
Não te iludas – diz meu peito –
ele já morto, enterrado.
Quando navegar não é preciso
Sou barco, à deriva,
levado pelas ondas,
ao gosto das marés,
de forte correntezas.
Sou barco sem amarras,
em vasto mar aberto,
em águas de oceano,
deserto de certezas.
Sou barco desgarrado,
em risco de naufrágio,
desejando alcançar,
da alma, as profundezas.
Insetos?
Amo os mais coloridos:
Borboletas, joaninhas, esperanças...
Além da sorte, do bom presságio,
bem me trazem doces lembranças
do tempo em que eu vivia na roça,
pé descalço, fazendo arte...
Feliz, no meu reino encantado de criança.
Meus olhos não buscam,
com ânsia, o futuro.
Minha marcha se faz
em passos miúdos.
Vivo sem pressa
o assombro de cada dia.
Vem amar,
que a vida é curta,
e o tempo, mudo,
não avisa que é pouco.
Vem logo amar...
Pois quem deixa o amor pra depois
é ingênuo, parvo ou louco.
Poetizei a densa agonia
que ao peito enchia,
ao coração inundava.
Em rubra ironia,
em escarlate palavra,
tornei poesia minha ira,
minha dor, minha raiva.
Palavras... apenas palavras...
Mas quanto poder guardam em si!
Meus versos, sagrados ou profanos,
podem ser lagos serenos
ou encapelados oceanos.
Escute o silêncio,
porque ele fala;
em linguagem rara,
tanto responde.
No silêncio,
a verdade não se cala,
não se mascara,
não se esconde.
Escute o silêncio,
a palavra ausente,
o verbo, em si, fechado,
tão mudo.
Em silêncio,
a resposta se sente;
é ato revelado
em que se diz tudo.
Janelas da alma
É janela escancarada da alma o olhar,
que revela o que se deseja esconder.
Sinceros os olhos fazem transbordar
o mais íntimo segredo do nosso ser.
E há quem tente disfarçar o drama
e há quem ouse se fingir bem feliz.
Não sabe que o olhar sagaz reclama
da dor que esculpe no peito a cicatriz.
E tudo o que se verbaliza em ensaio
e tudo o que se interpreta em cena,
o olhar arauto, ainda que de soslaio,
externa e extrai e expõe sem pena.
Quando a dor na alma
se torna insuportável,
muitos encontram
nas lágrimas um bálsamo.
Eu escrevo.
E assim me esvazio
do que me sufoca.
Quando se cansar de mim a vida,
e tudo for escuridão profunda e fria,
meu corpo será adeus em despedida;
minh'alma, eterna poesia.
Nem toda solidão assombra,
nem toda solidão é vazia.
É com ela que o poeta conta,
para se acercar de poesia.
Vivo sem apegos e sem pressa.
Do passado, eu me esqueço
e, para o amanhã, dispenso ponte.
Bebo da vida o agora
direto da fonte.
Ninguém roubará o meu prazer,
o aceno oportuno da alegria,
a vida que estua.
Sou sangue a escorrer,
brado da poesia,
verdade nua e crua.
O que escrevo é eco
do meu grito de espanto,
ao fazer da vida a travessia.
Em versos bem me revelo:
sou do reflexo um tanto
no espelho de toda poesia.
Todo meu verso
tem de mim um bocado:
mentiras e verdades,
que bem exponho.
Todo meu verso
é confissão da realidade
que vivo ou sonho.
A vida passa, num sopro,
no voo dos dias.
A vida se vai, matando esperança,
extinguindo alegria.
A vida se esvai.
E o que me resta? Fazer poesia.