Andréia Clara Galvão
Flor de caminho
(Para Drumond)
No meio do caminho
Havia uma flor.
Havia uma flor
No meio do caminho
No meio do caminho
Inevitavelmente,
A flor
JASMINS
Jazzmim
Jaz em mim
Dormem em mim
Música, perfumes e delicadezas
De vez em quando
Você os acorda
Prateado e azul
Para Marc Chagall
Andreia Clara Galvâo
Num dia distante
Sem você, mas comigo
Vi um mar tão bonito
Prateado e azul,
Silencioso e plano,
Cheio de música
E de lua
Você, onde andaria?
Insônia
Andréia Clara Galvão
Noites e claros
A idéia sem querer calar
Os ritmos do relógio
O gato no telhado
O cheiro de jasmim
E manacá
Chá de erva doce
Leite com canela
Água de flor de laranjeira
Sono e quietude em infusão
Tudo em vão
Pra olhos que insistem em não fechar
Pro coração que não quer dormir
Nem descansar
Perfumes
Sabores
Silêncios
Saudades
E o som do derramado
E do quente
Devagar e suavemente
Enchendo a noite,
O coração,
A varanda e
A xícara.
SAUDADE
Andréia Clara Galvão
A saudade
Adentrando o meu coração
Como uma revoada de garças
Brancas
Enchendo a tarde de presença
E som
A saudade
Varrendo o meu coração
Como as ondas que o vento cria
Ao correr sobre o canavial
Em flor
A saudade
Apoderando-se do meu coração
Como o amarelo faz
Com ipês e acácias
Quando dezembro prepara-se
Para começar
A saudade
Anuviando o meu coração
Como o mar e o céu
Abraçados
Em dia de chuva:
A neblina confundindo
Dois em um
Andei, andei andei...
Mexi braços e pernas
A cabeça, o tronco
Meu corpo, enfim
Movo-me, logo existo?
A Alma não é de Pedra
As mudanças
Quero-as
Por que sei
Agora
Pelas noites e manhãs
Pela alegria e pela dor
Pelo amor e seus atropelos
Que a alma
Não é inerte
A alma
É andarilha
E mutante
A alma não é de pedra
Os dias e fios
Só sinto os fios a minha volta,
Não tenho deles nenhuma claríssima percepção.
Mas sou mulher
Fêmea
e
E por isso, intuo
São eles, os sentidos fios, que tecerão o meu abrigo.
Sempre que posso tento separa-los
Desembaraça-los
Compreendê-los
Tatear o que são
Ouvir o que de mim ou para mim eles dizem
Se consigo
Faço com eles minha arteManha
Meu alimento, meu trabalho,
Minha tessitura
Minha vida
Meu jeito de amar
Meu sonho e minha salvação
Se não consigo
Entrego-me aos ritmos da vida
Essa que comigo e também a minha revelia, fábrica os fios
Entregar-se não é coisa simples
Resistir é para teimosos
Eu, frequentemente, sou
Mas a questão é que, às vezes,
Não há escolhas
A Vida tem seus imperativos
Pois, sim
Também experimento resignações
Conheço algo das leis de viver
Mesmo se delas,
Por vezes,
Nada compreendo
Ainda assim, confio
Espero,
Deixo
Torço que se engendrem:
A vida, as circunstâncias
Meus jeitos de amar
Meus sonhos...
Viver é fruir
E se acaso minha salvação não chegar...
Que eu possa buscá-la
Sonha-la
Que eu possa reinventar
Alguma renda fiada com os fios
Da compreensão
Dos embaçados e das escuridões.
Quem sabe algum lume de luz
Venha
Clareie
Quem sabe alguma luz se borde
Quem sabe algum perfume crie
Luminescências nas abstratas flores da escuridão
E das ignorâncias minhas
Só sinto os fios a minha volta,
Não tenho deles nenhuma claríssima percepção.
Mas sou gente
Mulher
Fêmea
e por isso, intuo:
Conhecidos ou estranhos
Nebulosos ou iluminados
Sou aracne
Esses fios me abrigam
Eles são o meu viver