Ana Maria Gonçalves
Com palavras muito bem escolhidas e voz tranqüila, a Mãezinha parecia receber inspiração especial ao falar de uma força que nós, mulheres, temos à disposição e devemos aprender a usar. Ela contou que, quando o mundo foi criado, Olodumaré, o Deus Supremo, mandou três divindades à terra: Ogum, o senhor do ferro, Obarixá, o senhor da criação dos homens, e Oduá, a única mulher e a única que não tinha poderes. Por causa disso, Oduá foi se queixar a Olodumaré e recebeu dele o poder do pássaro contido em uma cabaça, o que fez dela uma lyá Won, a nossa mãe suprema, a mãe de todas as coisas e para toda a eternidade, a que dá continuidade a tudo que existe ou venha a existir. Olodumaré disse a Oduá que, a partir de então, o homem nunca mais poderia fazer nada sem a colaboração da mulher.
Eu não quero me confundir com essa sociedade. Eu quero ajudar a criar um novo modelo de sociedade, que parta da fissura, do quebrado. É interessante notar que, na arte japonesa, a fissura valoriza o objeto que se quebrou. Depois de ser restaurado com pó de ouro, o objeto é mais valioso. Nossas vozes e nossas ideias são pó de ouro.
Precisamos trazer nossas vozes para reconstruir. Eu falo que me interessa a fissura. E acho que estamos nesse momento de fissura. Kintsugi, a arte japonesa, é uma metáfora de onde eu quero trabalhar, sobre o que eu quero falar. Quando a cerâmica quebra, eles fazem uma mistura de laca com pó de outro e colam aquilo, deixando muito visível que a colagem aconteceu. Esse, para mim, é o papel do artista contemporâneo. É aquele que cola, liga, mas não faz desaparecer. Permanece ali como incômodo, com trauma, como relevo. Ele não se incorpora ao tecido mais. Na verdade ele é a marca de que aquelas rupturas aconteceram.
Essa simplificação de um discurso, porque as pessoas acham que tudo deve ser assimilado rapidamente, irrita.