Ana Lucia Thimoteo da Costa
Um dia eu mudo.
Paro de procurar solucionar
A dor do outro.
De procurar baleia onde
Não há mar.
Deixo de buscar discurso onde
Há esmola.
Finjo que não vejo
A casa destelhada.
Evito consertar o poema
Quando não existe rima.
Tento esquecer
Que não há mais ou menos.
Basta desprezar os números!
O jeito é evaporar-me em formas outras
Que me permitam
Vislumbrar cada manhã
Sonho de novo tempo.
Gotas de orvalho
Salpicam a terra
E conseguem adubá-la.
Gotas de paciência
São capazes de amaciar
Qualquer relação
Emperrada.
Gotas de sabedoria
Empurram aprendizagem.
Gotas de perdão
Ainda que difíceis
Desafogam o coração.
Gotas de solidariedade
São pequenas parcelas
Que juntas
Salvam muita gente.
Gotas choradas
São lágrimas
Que extravasam mágoas
E lavam o chão da
Alma.
Cansaço tenho
De foto sem moldura
Casa sem adorno
Telejornais que gritam
Absurdas notícias más.
Ver a natureza desnuda
Gritando e chorando
Lágrimas.
De tantas maracutaias
O povo heróico há
De bradar por honestidade.
Por onde andará
o verde-louro da bandeira?
A falcatrua é assustadora
O deboche constante.
O verbo amar anda
Desmotivado
Mal conjugado
E sem tempos.
Será que ainda
Haverá terra
Bem nutrida
P’ra gerar semente?
Como dói
O silêncio de palavras
Não ditas.
Cada qual
Uma ilha perdida
No oceano.
Silêncio compartilhado
Este sim
Tem sabor de
Comunhão
E transcendência.
É silêncio construtivo.
Silêncio de porto seguro.
Às vezes sei que é difícil.
Estamos mais da metade e paira uma certa confusão.
Moço ou velho?
O que sei e bem é que mudanças existem em mim.
Hormônios, metabolismo, conceitos, preferências, escolhas…
Por vezes eu mesma fico na berlinda.
O importante é que guardo em mim muito do que fui.
Responsabilidade, chatice , alegria (nem sempre tão freqüente) e vontade de estar sempre fuçando coisas novas.
À espreita sempre aquele muro alto que me enfrenta e eu penso em pular.
De um lado a vida vivida,
do outro o novo – fascinante e tentador.
Me arremesso, pés no chão e toco o bonde.
Carrego coragem e medos normais.
Sou feliz?
Não importa!
O que posso dizer é que há ainda muita vida a ser vivida.
Da melhor maneira.
Agradecendo mais do que pedindo.
E vamos que vamos.
Saudade da época
Em que éramos
Pé e meia
Luva e mão.
Hoje o fio da meada
Esticada
Está prestes a desfiar.
A cata de novidades
Já não faz muito sentido.
O amor já não faz alarde
Falta enredo e argumento.
Quem sabe algum condimento
Traga sabor ao alimento?
SAL E LUZ
Maravilha ser sal
E luz.
Sentir o sabor da vida.
Muitos não conseguem
E se tornam
Insossos e opacos.
Namoram a morte.
Já não se guiam e nem
Iluminam o caminho
Do outro.
Falta-lhes o tempero certo
Para cada acerto e derrota.
Façamos o exercício
Da gratidão e partilha.
Somos presentes únicos
D’Aquele que tudo pode.
Fé e coragem se completam
No dia a dia desta passagem terrena.
Sou grito
Sou doce
Sou brilho
Sem cor.
Sou muito
Sou nada
Sou maldade
Sou carícia
Sou bondade.
O sol me banha
O vento me agride
Sou luz
Sou paixão.
Sou brisa da vida
Que aceita
Calada mais
Uma ilusão.
VOLTAR A SONHAR
Há que se reconstruir
O sonho.
Catar seus farelos e pedaços
Que a vida nos rouba
Pelos caminhos.
Quem já passeou neste pedaço de chão
Sem se machucar?
Conta-se nos dedos e
Sobram muitos deles.
A saída é acender o interruptor
Da alma
Sacudir a poeira
Acordar respirar suspirar
Cantarolar
Agradecer
E partir pra viver.
PERCEPÇÃO SENTIDA
Triste perceber
Seu sorriso
Que perdeu a graça.
Mais parece uma árvore
Desfolhada
No limiar do outono.
É como se o inverno
Fosse adentrando sua alma
Esgotada da lida.
Tantos anos gastos.
Tantos céus azuis e noites
De tempestades.
Esqueceu-se do som
Da gargalhada
Dos caminhos percorridos
Sem hora de chegada.
Como tirar de si
O pavor de morrer
De solidão aprisionada?
Felicidade às vezes
Vem na contramão.
Um dia ímpar
Outro dia par.
Meio que mistura olhos
E coração.
Quase sempre
Se infiltra nos meus poros
Parecendo polvo que
Se enlaça.
Tropeço meses
E esperas
De repente
Sol e chuva – que alegria!
Só não posso permitir
Que se instale em
Caminho ímpar
Para não estar sozinha
Como agora