Ana Larousse
eu odeio quando você não percebe que é pra você que escrevo, que é sobre você que escrevo e que é por você que me apaixono um tantinho mais a cada dia.
odeio quando você sorri escondido enquanto eu sorrio escondida e a gente nada de se juntar.
odeio quando você sabe que me ama e descansa no medo de nos enfrentar.
odeio quando falamos de outros amores e, em seguida, saímos a roubar flores no ensaio de nos entregar
odeio quando roubamos flores e deixamos todas murcharem na vergonha de nos desvendar.
odeio que você sabe e sabe tanto quanto eu
que o meu amor te cabe e que o teu amor é meu
odeio que a gente se pinte de amigo e brinque que vai casar
odeio que nos pertence, por agora, se esconder
quando tudo que a gente quer é ficar junto e olhar o mar
quando tudo que a gente quer é se viver e se amarrar
e a gente nada de confessar
Papo pro analista:
Eu mesma me machuco pra eu mesma me curar.
Eu ando por aí aumentando o volume de tudo. Aumento o volume do frio, da fome, do sono, da dor, da saudade, da sujeira no pé, da roupa furada, da cama desfeita, da louça na pia, da geladeira vazia, da toalha molhada, das lâmpadas queimadas.
Aumento o volume que é pra criar uma espécie de dimmer da minha prórpia vida. Como se eu pudesse amplificar tudo o que me espeta pra, depois, eu mesma diminuir. Como se, aumentando tudo, eu criasse, automaticamente, o controle de reduzir o ruído que alfineta em mim.
É, eu sei. É uma pequena ilusão de poder que eu criei para me sentir um pouco rei de tudo que me machuca.
Se você me machuca, eu arrebetendo a ferida, a estico por todos os cantos, jogo pimenta e belisco a carne com alicate sem fio. Depois eu cuido de fazer as suturas e acredito estar cuidando de um estrago que eu mesma orquestrei. Às vezes, por falta do que cuidar, nesse meu vício de auto-tortura, me ponho a te machucar, gratuitamente, para que talhos e fraturas expostas se abram em mim como faz um terremoto ao rasgar o chão do mundo. E depois, talhos e fraturas expostas, o deleite de remendar, ritualísticamente, cada um deles.
Desde muito pequena, eu mesma me torturo para eu mesma de curar.
Me torturo pra fazer canções; me torturo pra chorar e combinar com uma noite de chuva; me torturo pra me consolar; me torturo para eu ser - e mais ninguém - o carrasco a me maltratar.
Me torturo pra ninguém me machucar.
E pra ninguém vir me curar.
Faço tudo sozinha.
Sofro tudo sozinha.
Conforto tudo sozinha.
Mas, hoje, eu me pergunto: e esse carrasco que eu cuidei de criar pendurado em mim? Eu que tenho ele ou é ele que me tem? Dá jeito da gente se desgrudar?