Ana Catarina Dani
A Casa Amarela
Tinha uma varanda e uma porta azul
Era tão grande e tão bonita quanto eu desejasse
Tinha, em meio a tanta bagunça e poeira
Um brilho quase alvejante de limpeza
A cor amarela não existia. Não nas paredes e muros
Mas existia quando eu abria a porta dos fundos e o sol entrava
Era um amarelo tão intenso, que às vezes eu fechava a porta
Não porque não gostava, mas porque eu queria preservar a cor da noite passada, que ainda ocupava todos os cômodos
Às vezes, eu sentia pavor. Porque o dia amanhecia e era menos um dia. Só por isso.
Eu não sabia que era saudade de tudo que não existia ali. Não existia, como a casa amarela.
Acho muito piegas falar de filhos. Todas as mães dizem as mesmas coisas. Por isso, prefiro ficar em silêncio. O meu silêncio é que diz o quanto amo minha filha. Não por ela ser a melhor do mundo, como as mães geralmente pensam, mas porque ela é, verdadeiramente, a melhor do mundo. Aí, percebo que só meu silêncio diferencia a minha filha de todas as outras que também são as melhores. E também me diferencia de todas as mães que não conseguem guardar este segredo.
Eu às vezes acredito que existam pessoas que não vivam todos os dias. É difícil acreditar mas, vez ou outra, eu percebo que a vida não passa por dentro de todo mundo. E, pior, tem gente que não enxerga nem a vida que existe do lado de fora. Outro dia, minha filha, que canta muito afinadinha, disse para a coleguinha dela que cantava junto: "sente a música!" Eu queria dizer pra essas pessoas: "sente a vida!" Mas será que adiantaria? Sentir a vida não teria de ser algo que nasce com a gente? Será que essas pessoas não têm noção do tempo? Do limite imposto pelo tempo? Por que morrer antes de morrer? Por que não viver urgentemente se não sabemos quanto tempo temos? Para mim a vida é urgente. Cada dia, cada instante. Não espero a sexta chegar, nem o amor, nem o trem passar. A vida é este exato instante que dedico a este texto, em uma breve doação voluntária de meu tempo.
Em pleno 2015 e ainda guerra, preconceitos, bombas, assassinatos frios e calculistas, crianças morrendo de fome, sendo espancadas e mortas pelos próprios pais, xenofobia, ódio contra gays... Afe! Como somos retardados espirituais...
Com um lampião nos olhos ela olhava o mundo. Todos os sentidos ela usava para viver a vida. Às vezes, de propósito, ela escolhia sentir ao invés de olhar, pegar, ouvir, cheirar ou provar. É que o mundo dela ia mais adiante, um pouco mais para cima. Lá, no alto da sua alma, ela iluminava os corações mais esquecidos.Isso não fazia sentido. Por isso, ela não usava os sentidos. Era só uma mania dela. Mania de amparo. Ela não amava brilhos, graxas nem perfumes. Ela amava pele, alma e, vez ou outra, alguma camiseta básica.
Alegria: uma energia que encostou em mim e, talvez por estar cansada de procurar alguém por aí, simplesmente ficou.
Distante de tudo, no alto de uma montanha, morava um homem solitário. Ele tinha um violão e muitas lembranças. Tinha poesia na alma e um impulso selvagem nas mãos. E ele tocava. Às vezes me tocava com olhos vulcânicos e música em lavas. Eu sentia medo. Não da solidão do homem propriamente dita, mas de como ele se sentia confortável com ela. Era medo da solidão, eu sei. Mas também era medo de abraço. É que os braços dele pareciam a moldura exata para aquela calma estranha que eu sentia quando estava ali. Tive medo de ficar.