Ana Beatriz Domingues
quando acordo
há sempre um buraco
no peito
fico um tempo
observando
vendo se dali sai
algum bicho
uma canção
e vou tapando
com os inventários todos
possíveis.
gosto porque a vida ali é honesta
é um susto
não uma proposição
faço isso por resistência
à solidão de uma pedra
estou dobrando as roupas enquanto você dorme tão bonito
estou contando todos os espaços entre as tuas pintas
todo o vazio que sobra
as cores que te caem bem
os tons amadeirados
macios
colibris aqui não me beijam
há uma festa no horizonte
todos os dias penso em te escrever um cartão-postal
separo as conchas, as sementes e as ilhas
disponho-as ao modo de um mapa em relevo
a cartografia do nosso afeto
intermitente
os sambaquis se elevam à medida que entramos nas grandes fossas
abissais do nosso tempo
soníferas
com azulejos de líquens e outros musgos bem chiquitos
os corredores estreitos da casa em que
toco a campainha e os peixes-espadas cantam teu nome