Amanda Lemos
As personalidades são distintas e as pessoas únicas, por isso não há necessidade e lógica na existência de estereótipos.
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Ele a olhou fixamente, sem nenhum declínio, como uma águia a reparar sua presa , como um fotógrafo a reparar seu modelo, como um artista a reparar sua arte. Se houvesse piscado os olhos, não o percebi, esplêndido. Parecia que se passara mais de horas só olhando, admirando não sei, mas de forma penetrante, envolvente, e esboçando um sorriso meio torto no rosto.
Ela um pouco envergonhada, não sabia o porque de tanta perfeição em um olhar, como se houvessem milhões de “fleches” e luzes penetrantes e reluzentes na sua direção. Nada. Só os olhos meio acinzentados dele. Mas se envergonhara sim, com uma feição meio distorcida e um pouco vermelha. Não agüentou e como um reflexo de tanta demora num só olhar, perguntou:
- Minha maquiagem borrou ? O que repara tanto em mim quando me olha ?
Ele não respondeu, não precisava. De tão sublime o momento ele se tornara indecifrável, enigmático. Mas como sentia a necessidade de dar uma explicação a ela, desabafou:
- Só mais um segundo, por favor.
Passaram-se os 60 milésimos de segundo.
- Pronto.
-Pronto o que ? Não me venha agora com tanto ar de deboche.
- Quisera eu ser apenas deboche, mas acabei de perceber nesses poucos instantes, que estou completamente, irresistivelmente, inexoravelmente, inexplicavelmente, paradoxalmente, perfeitamente, apaixonado por você.
Ela de forma estagnada, riu, sem saber a motivo, e pensara, “como um ser humano poderia se apaixonar por um olhar ? Impossível.”
- Não me faça rir senhor, apaixonado é palavra muito forte para se usar nesses momentos. Acho que ambos exageramos um pouco no drink de antes. Acabo de perceber que não é muito saudável e nem muito sóbrio misturar um black label com um Ballantines.
- O que preciso fazer para lhe provar que a recíproca é verdadeira ?
- Não é necessário provar nada quando se sabe de fatos, não conteste os fatos senhor, por favor.
- Se não se preza a acreditar, não acredite. Afinal de contas, quem se encontra em uma situação embaraçosa, sou eu. Meio bem, meio mal, não sei. Apaixonado sim. É um fato. E longe de mim contestar os fatos, como você mesmo o diz.
- Posso rir agora ? Meu Deus, acabamos de nos conhecer...
- E é por isso que já estou indo embora, só vou pegar meu casaco e pagar a conta.
- Horas, como assim ? Se diz apaixonado e me larga em um balcão do bar do James? Shakespeare não faria dessa maneira.
- Quem sou eu para me comparar com gênios, então se incomoda com a situação de eu partir de forma leviana ?
- Não se gabe e nem seja prepotente por isso, foi só maneira de dizer.
- Maneiras de dizer a parte, me encantaram. Me gabar ? Nada, prepotente? Nem chego perto. Mas tenho que ir sim, pois, parece que meu santo é fraco e toda vez que me dou o direito de me apaixonar por alguém, minha cabeça foge da lógica e meu coração força a dizer : “toma, é seu, faz o que quiser com ele”, e fazem.
De tanto mau uso dele, que chega a me dar dó de mim mesmo. Apesar que por um segundo cheguei a pensar que poderia ser diferente dessa vez, uma exceção. Mas, quisera eu, o homem ser feito apenas de exceções. Me desculpe, me permita ir. E eu honestamente, preciso de um cigarro agora, você não faz idéia de quão nervoso estou, com os nervos a flor da pele, e o coração quase saltando para fora. Poderia sair correndo a mil por hora de vergonha, ou pular de um arranha-céus com medo da sua resposta.
Preciso,no mínimo, de um “malboro" nesse instante,nesse minuto. Rimas ou sem elas, se não for pedir muito, eu preciso de um cinzeiro também, por favor.
Ela estava perplexa, muda. Parecia que agora era ela quem o admirava. Não por sua beleza apenas, mas pelo o seu modo, fora do peculiar, de falar. Por sua honestidade e franqueza distintas e um sorriso, por mais que torto, que não deixava dúvidas. Estaria ela apaixonada também ? Não., Isso pareceria meio filme de romance, um mero encontro ao acaso, uma coincidência fatal, ou a bobeira de um destino ludibrie. Não. Clichê piegas demais.
- Eu lhe peço que não vá, me dê ao menos, a oportunidade de conversarmos um pouco mais, esclarecer as dúvidas, colocar os pontos nos “is”. Estou de mãos atadas, não posso deixar você vim se declarar todo e lhe deixar partir bruscamente. Não. Fique.
-Ele ficou.-
Finais felizes tem sempre um final.
Eu não me permito a um final, deixe acontecer naturalmente, dê tempo ao tempo. Respeite o espaço do outro.
Não quer dizer que ela viria a se apaixonar por ele assim, de repente , incerto. Não.
Mas se houve a permissão de uma conversa, no mínimo, daí sim tudo pode acontecer. Só Deus sabe agora.
Deixe o processo fluir, sem pressões ou meio termos, talvez eles possam se dar o direito então a um final feliz, mas isso não cabe a mim que relato apenas, cabe a eles.
E de maneira pouco cabível e nada esclarecedora, eu encerro e coloco um ponto final por aqui. Um Adeus
breve.
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A Infância,
Tenho saudade dela. De quando as paredes do quarto eram cor azul marinho,
De quando o guarda roupa era arrumado pela minha mãe, modéstia parte muito bem, diga-se de passagem, as roupas pela qual vestia eram escolhidas por ela também, e os sapatos na época eram engraxados em casa mesmo.
De quando o horário de ir para cama era pré- determinado e não havia ato rebelde que o reprimisse, 22:00 no máximo, isso nos fins de semana, claro.
Saudade de quando acordava às sete da manhã de um domingo, pegava as cobertas da cama, e corria para ver os desenhos na parabólica nova que meu pai comprara.
De quando “refri”, sempre coca- cola, como de costume, era coisa rara, isso para não sair da dieta. Só nos fins de semana, especialmente nos domingos, quando íamos almoçar na casa de minha avó, feijoada nesse tempo era clichê piegas.
Saudade de quando conversas forjadas virtualmente pela internet não chegavam nem perto de substituir as tardes de brincadeiras incansáveis, afinal, computador nem sequer existia em nosso vocabulário.
Saudade de quando nas raras vezes meu pai comprara os potes de sorvete , geralmente nas férias, quando meus primos de Curvelo vinham com mais freqüência para cá, e corríamos para o antigo salão de festas no segundo andar da casa, que passara a ser agora utilizado como refúgio de brinquedos e nosso humilde “parque de diversões” onde também deliciávamos o pote inteiro, que variava de napolitano com chiclete, ou puramente chocolate com creme.
Saudade de quando andar de bicicleta demorava para ser aprendido, mas deste tal já se tornava regra obrigatória para todo final de semana, e não nos cansávamos.
Confesso, joelhos ralados ou roupas sujas de terra não ‘doíam” tanto como decepções, corações partidos e ilusões atuais.
Saudade de quando ler era aventura completa, quando se tratava de heróis e princesas, cavaleiros e suas espadas. Admito. Na época tinha louca admiração e fanatismo por Rei Arthur com sua espada de Excalibur tirada da pedra e dada pela Dama do Lago.
Saudade de quando levávamos Bob, nosso cachorro, para passear, e quando as brincadeiras de polícia e ladrão substituíam as brigas de irmãs de hoje.
Eu tenho saudade de tudo que é puro, e ficou eternizado.
Nossa infância marca, e jamais pode se dar ao direito de ser esquecida tampouco desprezada.
É única, excepcional, exclusiva e sem outra definição menos merecedora.
Eu me recordo muito bem desses tempos, desde os divertimentos até os dolorosos “puxões de orelha” do meu pai .
Um tempo em que APROVEITAR era princípio básico de sobrevivência da espécie, e que não havia muita importância em seguir regras ou padrões de sociedade já impostos, pois estávamos bons e felizes como estávamos.
Saudade de quando o “ser” era mais importante que o “ter”,
De quando os amigos se contavam nos dedos,
De quando lágrimas eram verdadeiras e não apenas borravam maquiagens. Saudade tranqüila mas um pouco dolorosa, pungente.
Saudade sim.
Saudade que lhe diz: “Olha, não faça-me apenas uma mera boa lembrança. Me faça um marco. Um fato. Uma história que você, jovem adolescente louca, é e foi o sujeito principal.
Não me faça substantivo, mas um verbo intransitivo.
Não me esqueça, mas eternize-me.”
Tal como ela é, e sem mais delongas, infância é infância e não há como negar.
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O "falar" bonito.
Creio que pouso-me em uma espécie de veneta.
Ela suscitou, depreendeu, procurou retirar-se do recôndito, espero que seja perene.
A veneta chegou, e sem mais delongas fez-me datilografar vocabulários menos eloqüentes e mais longevos possíveis, por mais que resulte em pequenas plissadas em pensamento, arrisco-me porém.
Parece-me até pernóstico.
Procurarei ser a mais parca possível, sem no entanto ser pacóvia. Tenho repugnância nata por adestramento e ser humanos quadrúpedes, ignóbeis, pérfidos.
Procurarei ser frugal, inócua.
Incólume quando possível, e menos loquaz quando necessário.
Porém parece-me fleumático esforçar-me em sintetizar palavras com definições prontas, detesto “metalinguismo” (ouso pronunciar assim) forçado.
Explicações específicas com qual objetivo ? Redundante.
Perdoe-me a função metalingüística dicionarizada.
Entretanto, aos leigos, o castigo que merecem.
Necessito tergiversar. Perdoem-me se no recinto encontram-se seres que sempre necessitam de estereótipos, e conceitos.
Conceituar é para fracos, tênue.
Porém, textos e palavras, paradoxalmente à realidade alheia, não excluem ou diferenciam ninguém em meios termos.
Desse modo, Sejam bem vindos com grande arroubo desde nefelibatas a ardilosos.
Desde os mancebos a donzelas,
Desde o velho ao novo.
Desde o pobre ao rico,
Desde o belicoso ao apaziguar,
Desde o impuro ao puro,
Desde o claro ao escuro,
Desde o fugaz ao permanente,
Desde o ígneo a água,
Desde o insolente ao mais agradável das espécies,
Desde o pachorrento ao mais estressado,
Desde o pedante ao modesto,
Desde o petiz ao idoso,
Desde a radiola ao aparelho de som,
Desde o balón ao cóton,
Desde o ternal ao oxford,
Desde o pândego ao triste,
Desde a sumidade ao qualquer,
Desde o taciturno ao eloqüente,
Desde sinonímias a antonímias.
Acho que encontro-me em um final tangencial, excruciante até. Não admitiria finalizar com simples vocábulos vans, não.
Que seja o mínimo perfeccionista possível, se não o é, faça-se.
Se não se faz, procure ao menos tentar fazer.
Tente.
Ao menos terá uma história a contar aos tolos de plantão. Afinal, tentativas por mais errôneas que sejam não deixam de ser tentativas, tampouco lhe retiram seus créditos.
Parece que a pronuncia do TENTAR tem efeito êxtase em seres humanos, comprovação nada empírica ainda, mais hipotética.
“- Amigo, arranjou trabalho ?
- Não, não. Mas eu bem que tentei.
- Ah.. Isso é o que mais importa.”
Por bem ou por mal deve-se “conjugar” bem tal palavra, não a use como forma de se livrar de problemas. Ao contrário.
“Tentar” obviamente seria e é muito grandiloqüente e eficaz, porém, não limite-se em tentar mas realizar, não apenas em deixar-se seduzir mas seduzir, na palavra propriamente dita.
Não permita que o “tentar” seja apenas pronúncia de quem foi e não conseguiu, mas de quem foi e verdadeiramente tentou.
Afinal, para mim o final não existe, é tudo início e meio, sem necessidade recíproca de um fim, desfecho.
Ou seja, tente o quando puder, pois como não há final você verá que sempre o meio não é o suficiente, haverá uma vontade boa de querer ir sempre mais além.
E o além Graças a Deus não pode ser medido, pois então não haveria nenhuma graça.
Try.
PS: Aos poucos instrutivos no assunto e que não entenderam coisa alguma do que foi dito logo acima, subtenda-se.
Ou melhor, ouse procurar os significados das palavras que crer de difícil definição no que aprecio em chamar de : “Pai dos Inteligentes”.
Afinal, conhecimento a mais nunca é demais .
Boa longeva procura aos leigos de plantão !
Grandes coisas até um mero qualquer realiza, porém, fazer pequenas coisas extraordinariamente bem é para pouquíssimos.
Eu “palavreio”, tu “palavreias”, ele “palavreia”...
- Leia-me ! Leia-me
-Gritou a rebelde aflita-
- Por favor, leia-me ! Faça-me ato e expressão.
Grite, esperneie, se faça ouvir e decifra-me, se conseguir.
Não permita que eu seja apenas um amontoado de letras, pontos, crases, acentos circunflexos, agudos...
Não permita que eu seja apenas mera estrutura de introdução, desenvolvimento e desfecho.
Ceda-me alguns segundos se quer de seu olhar.
Fixe suas lentes de contato nas interrogações, exclamações, aspas, reticências...
Não se preocupe.
Não mordo, não “xingo”, não desrespeito, não ofendo.
Desde que usada para o bem, e somente para tal.
Transmito, comunico, enfatizo, aprendo, ensino.
Permita-me me apresentar,
Prazer, eu sou a palavra.
Seu domínio sobre o mundo.
PS: Eu ainda me permito ao neologismo, força do hábito.
O que o ser humano busca incansavelmente é se tornar humano, porém, ao passo que “evoluímos” mais nos distanciamos deste ideal.
Limpeza
Para você que se prezou a começar ler este texto agora, agradeço desde já e lhe proponho uma dinâmica.
Peço apenas que imagine as dadas situações que lhe propor e não se limite nelas, afinal, a imaginação é a principal porta para os sonhos, os devaneios loucos e uma mente estonteante,
Então não se limite no que é bom e faz bem.
Peço que escolha um cômodo de sua casa, o seu preferido, inclusive. Agora, o imagine, e faça de conta que este cômodo escolhido é seu coração.
Sim, seu coração que bate milhares de vezes por segundo, que pesa, que ampara, que representa.
Agora imagine este ambiente como estando todo desarrumado.
Os objetos esparramados, a poeira tomando conta, as portas e janelas trancadas, uma sujeira insuportável , uma bagunça que você nem sequer consiga se mover em um local desses e que passe mal só por estar nele.
Imagine.
Imagine agora uma súbita vontade que lhe deu, neste instante, de arrumar este cômodo. Limpar os objetos, arrumá-los, colocá-los no seu devido lugar.
Abra as janelas, as portas, deixe o sol entrar.
Arrume as cadeiras, tire o pó do sofá.
Sacuda as almofadas.
Deixe o cheiro de jasmim/camomila tomar conta do recinto.
Agora sim você se sente melhor em um local desses.
Arrumado, confortável, prazeroso, leve.
Peço que imagine agora um arquivo.
Sim, um arquivo.
Não muito grande nem muito pequeno, mas que tenha capacidade de guardar todas suas provas de um passado que você viveu.
Fotos, textos, cartas, rascunhos, vídeos, lembranças.
Este arquivo encostado na parede deste cômodo onde você se encontra.
Chegue mais perto dele e abra-o , por favor.
Percebe a bagunça ?
Fotos espalhadas, em desordem.
Textos rabiscados e manchados por uma tinta preta,
Um passado bagunçado, desorientado.
Sem direção certa.
Arrume o arquivo.
Recolha as fotos. As organize.
Leia os textos com carinho e os revise.
Limpe o arquivo.
E as lembranças ruins peço que não as queime, nem as jogue fora. Guarde-as nas últimas gavetas do arquivo, para que não tenham o direito de lhe atormentar novamente.
Mas não as jogue fora, repito.
Muitas vezes ficamos presos em um presente incerto por não termos consciência do que vivemos e aprendemos no passado.
Peço que guarde as imperfeições deste ambiente,.
As lembranças de um passado que você não gostou de viver, guarde-as.
Afinal, são essas decepções que às vezes nos trazem as melhores lições. Não as despreze, tampouco jogue-as fora. Não.
Já as boas lembranças, as fotos, as cartas, os textos que te fazem recordar de um passado que você daria a vida para viver os antigos momentos...
Do primeiro beijo, do primeiro amor, da primeira bronca, do primeiro emprego, da primeira vez que dirigiu, que a prendeu a andar sobre as próprias pernas, que aprendeu a falar, da primeira briga de escola, do primeiro amigo, seus primeiros paços de ser humano.
Estes sim, peço que organize-os também, mas os guarde nas primeiras gavetas do arquivo.
Para que você quando se sentir desamparado, lembre-se de acontecimentos que valeram uma vida inteira.
Organizado o arquivo e o cômodo, me responda :
Se sente melhor estando nele ?
Ou prefere viver em um ambiente desorganizado ?
A resposta é óbvia.
Nosso coração, caros leitores, funciona da mesma maneira.
Às vezes, necessita de uma “faxina”,
sacudir a poeira do tapete, abrir as janelas, deixar a poeira sair e trocar o disco do som.
É como uma mochila. Quando pesada demais com aquilo que não é necessário você se quer consegue se mover de tão pesada que está, correndo até o risco de contrair uma escoliose.
Nosso coração pesa também.
Nossos sentimentos se extrapolam, desarrumados.
Nosso passado nos prende e nos impede de progredir, seguir em frente.
Cabe a cada um se permitir a uma “limpeza” de vez em quando, limpar toda angústia, as depressões, decepções, medos inconscientes, culpas e toda consciência pesada.
Sem retirar os aprendizados que lhe percorreu por toda vida.
Mas acredite, essa limpeza só parte de mim, de você exclusivamente.
Não ache que há um telefone para os “Faxineiros do coração”, pois não há.
Fácil seria se houvesse, mas como o fácil só se limita com o morno, não há. O bom é o que queima, congela.
Extremistas. 8 ou 80, ou ser ou não ser, ou ter ou perder.
Permita-se a euforia. Vá além da definição de felicidade,
êxtase.
De modo que, cabe a cada um cuidar do que é seu e não deixar que ele, o coração, pese e afugente nossas esperanças.
Afinal, nós já admitimos que um ambiente limpo, organizado, é mais prazeroso para se viver.
É leve e aconchegante.
Se permita a ter um coração assim, leve e que lhe permita imaginar até onde nossos limites derem por um fim.
E verá que às vezes, menos é mais.
Eu não sei se apenas gosto de você, mas sei que esse sorriso torto seu me faz ficar boba e me faz ter vontade de encarar essa vida de corações partidos com mais facilidade.
Me perdoa, eu não queria te magoar assim. Mas ponha-se no meu lugar, tive que abrir mão do que me fazia mais feliz, você.
Eu peço que vá , deixo o caminho aberto , seus olhos trocaram de direção e já esta na hora de fechar as portas.
Vai menina, lava esse rosto, troca essa roupa, calça essa salto 17, esconde essa dor, pintas as unhas de vermelho, sorri para o mundo e sai por aí como quem sabe viver a vida.
Vem, fica junto de mim, fica mais perto, me empresta esse sorriso torto seu, me dá um abraço que eu não quero mais soltar, enxugue essas lágrimas que você fez cair.
E o que seria do amor sem a loucura ?
Não seria amor, seria apenas gostar.
E isso é pouco demais para mim.
Os dias anormais de verão, - Parte 2 -
ALICE POSSUI EXATA uma semana para se decidir, ariscar-se ou não ?
Embora tudo aquilo que fugisse de seu itinerário incessante fosse algo que lhe surpreendesse,
Embora o estranho sempre lhe chamasse a atenção e lhe causasse estranha felicidade, arriscar-se era sobretudo arriscado, inseguro, sem volta, e sem conseqüências pré determinadas.
Alice já se esquecera o que era relacionar-se, arranjar um namorado, flertes ao acaso. Admitia que a vida de solteira, sozinha e universitária era complicada e sem tempo para quesitos amorosos.
Sentia saudade até dos cafés pela manhã de discussões de livros e temas medicinais, embora seus antigos namorados se quer detinham conhecimento básico gramatical, com exceção de um, Adam.
Músico, tenista e quem diria bonito nos moldes de Alice.
Mas já fizera muito tempo que perderam o contato, relacionamento de três meses apenas.
Ao mesmo tempo de inseguranças e dúvidas, Alice via que se não o fizesse sua vida continuaria passando num piscar de olhos sem lembranças emotivas de um passado não vivido.
Já se aproximara dos 21, e tinha necessidade de arriscar-se ao menos uma vez para sentir o sabor do que seria atirar-se de um arranha- céus sem pára-quedas,
Doce ilusão de uma Alice monótona.
Sim, pretendia aceitar o convite de Benjamin, depois é claro de pensar cerca de 168 horas no assunto, a semana inteira diga-se de passagem, para quem não se sentir a vontade de levantar-se da poltrona e realizar este cálculo em uma calculadora mais próxima.
Deixe por estar.
A decisão estaria tomada, aceitar.
Uma vez na vida teria que dizer um “sim” para a sorte e quem dirá ao acaso.
A semana de aminoácidos, hemácias , glóbulos, ossos e músculos passaram rápido.
Os patos estavam sedentos de fome e esperando o sábado de sol, as tortas de limão já preparavam-se para sair dos fornos e o café já “borbulhava” na cafeteira.
A sexta tão esperada chegou,
A faculdade pela manhã até as 17:00 passou rápida aos olhos de Alice que ia às pressas ao Donnuts para encontrar Benjamin .
- Ora, vejam só quem chegou, adiantada por sinal, a senhorita da torta de limão e do café extra- forte...;
Tomei até a liberdade de adiantar seu pedido Alice, e te acompanhar no cardápio, posso ?
- Claro Benjamin, como está ?
Gosto de ser pontual em minhas obrigações.
- Muito melhor agora,
Obrigação ? Por favor, quero que hoje você fuja da rotina , e acho bom comermos depressa antes que chova e fique difícil chegar no meu santuário. (risos)
- Santuário ?
Comemos no caminho.
- Sim, meu ponto de inspirações, se é que me restaram alguma.
Como de certa forma, é meio longe, vim de carro.
Pegue a torta e vamos.
Pegada a torta se dirigiram ao carro de Benjamin para irem a seu “santuário” nesse dia nublado que já se aproximara do verão.
No caminho:
- Alice, como foi seu dia hoje ?
Muitos testes da faculdade ?
- Nem tanto, mais aula teórica e analítica.
Chegando, Alice estranha o local, além de longe era um armazém abandonado, mas de fora parecia confortável, calmo.
Porém, ainda estranho.
- É este seu santuário ? Um armazém ?
- Mocinha, sim, é este.
É porque você não viu dentro ainda, deixe-me mostrar.
Era lindo, organizado, modesto, como uma casa abandonada mas em uso contínuo.
- Você mora aqui Benjamin ?
- Não não, moro com meu pai.
Mas acredite estar aqui é mais aprazível que em um ambiente sufocante e de brigas repentinas com um tirano a ferro e fogo mas que se diz diplomata como meu pai.
Mas isso não vem ao caso,
gostou ?
- Claro, é lindo, bem mais bonito visto de dentro.
Tem tudo que uma casa tem.
Cama, mini-cozinha, livros, discos de John Lennon, Paul McCartney, Amadeus Mozart, Beatles, pianista Alfred Brendel, Debussy...
E quem dirá um piano.. Claro !
Realmente você me surpreende muito Benjamin.
- Fico admirado no seu julgamento antes de si dispor a ler o livro por inteiro.
A casa é modesta, fica mais bonita no veranum.
O piano que a deixa bonita.
Uma verdadeira relíquia , piano de cauda, com cordas percutidas e batentes de feltro.
E estes discos são de gênios da música.. Nunca saem da vitrine dos bons ouvintes.
Um cara culto, não ? ( risos)
- Me surpreendo com seu convencimento também.
Gosto dos Beatles, tem como não gostar ?
Veranum?
- “...Yesterday,
Love was such an easy game to play
Now I need a place to hide away
Oh, I believe in yesterday”
Não, definitivamente, não tem como não gostar.; .
Veranum é verão em latim.
Não sou convencido, sou verdadeiro. (risos).
Desde criança meu pai teve a lúcida vontade de criar um protótipo de filho perfeito.
Me obrigando a freqüentar aulas de latim, piano e a suportar maratonas cansativas, digo, me obrigando a correr com ele nas manhãs gélidas dos fins de semana.
Cresci assim, subordinado a boa música e a “boa sociedade”.
Hoje, vejo que isso pouco me vale, ter crescido em berço esplêndido de ouro.
- “ Oh, I believe in yesterday !”
(risos)
Eles são ótimos, sem discussão.
Não imaginava sua infância desta maneira,.
Então somos dois subordinados às tradições familiares, eu com minha mãe realista até demais, e por vezes fria e meticulosa e você com seu pai possessivo e tirano.
(risos)
Casal perfeito !
Seu pai e minha mãe, claro.
- Até que não seria má idéia, tirando o fato de sua mãe ser casada e meu pai ter esquecido o que é gostar ou ser gostado,.
Felizmente, esse tipo de atitude não se passa por genética.
(risos)
- Posso ?
Alice chegando próximo ao piano, senta-se e se permite a tentar algumas notas, fazendo com que Benjamin disponha-se e chegue mais próximo também, sentando ao seu lado e tocando suavemente algumas notas, compondo uma melodia perfeita.
Alice ouvia a música em perfeita sintonia, como se mesmo apenas ouvindo se sentisse tocando.
Seus dedos no teclado deslizando- se em harmonia.
Já sabia que naquele exato instante Benjamin não só a atraia por seu jeito de dar a cara a tapa a tudo que a vida lhe prepusesse como tocava tão lindamente que Alice não queria jamais parar de ouvir.
O som eclodia em seus ouvidos e ao mesmo tempo seu coração ficava leve, amparado.
Esquecendo de qualquer rotina cansativa, monótona.
Descobrira agora seu fascínio por piano, sem ao menos saber manejá-lo.
Não precisava,
Encontrara alguém que perfeitamente o faria e para ela isso já bastava.
- Para Elisa - Wolfgang Amadeus Mozart.
Esplêndido não é ?
Quando criança, dormia ouvindo essa música e jurei aprender a tocá-la um dia.
Um dos meus sonhos realizados.
- Magnífico Benjamin, simplesmente encantadora a música.
Toque outra, por favor.
- Uma mais agitada dessa vez Alice,
Por que não Petit Suite de Claude Debussy ?
Benjamin tocava como se brincasse com os dedos, sem um mínimo de dificuldade.
Era esplêndido.
Tocava de modo tão leve, básico e harmonioso mestres da música como Mozart, Debussy, Brendel.. como se convivesse intimamente com eles, dialogando com gênios e explorando notas musicais perfeitas.
- Toca tão bem Benjamin, deve treinar o dia inteiro ...;
- Seria bom se tempo eu tivesse para isso,
E também aos 23, seria estranho se não o fizesse bem.
Embora tenha entrado a mando de meu pai na música aprendi na prática a gostar e venerar clássicos.
Força do hábito.
Debussy é um dos meus favoritos, um francês que de tão importante na música deu nome de Debussy a uma cratera do planeta de Mercúrio.
(risos)
Ele me faz pensar que o difícil pode se tronar fácil para quem faz o que gosta e se admira em fazer, no meu caso tocar piano e escrever.
- E não deve parar nunca Benjamin, me encanta como você toca bem.
Acho que gostei tanto de ouvir talvez pelo fato de sempre achar magníficas as melodias do piano, mas quase nunca ter a oportunidade de ouvir alguém tocando-as de perto.
Só pelos discos de minha mãe, quando essa ouvia nas noites de domingo, especialmente no natal.
Confesso que quando criança, como só ouvia pelo rádio achava que tais músicas ou orquestras eram inventadas e que não havia ser humano sequer que pudesse realizar algo tão bonito e maravilhoso aos nossos ouvidos.
Era como inventar o que não pudesse ser inventado.
Colocar em prática o impossível.
- O impossível é tão bonito que o possível já se tornou pouco demais aos meus olhos não é verdade ?
Alice, você deve está faminta, se não está, eu estou.
Afinal, você comeu a torta sozinha não é senhorita ?
E eu lhe proponho a honra então de experimentar a única coisa da qual lido bem na cozinha...,
espaguete !
E que modéstia parte, o meu atrai até anjos de tão saboroso que é.
À bolonhesa, meu favorito.
- Acho que devemos deixar para outro dia Benjamin, está ficando tarde.
Tenho muita coisa a fazer ainda.
- Alice, vai sozinha por acaso para pegar uma pneumonia ? Pois vejo que as gotas da chuva já começaram a cair e devem estar tão geladas que não me atrevo a sair daqui agora.
Não mesmo.
E fazer o que em sua casa ? As mesmas coisas das quais passa a vida inteira fazendo ?
Repito. Não mesmo !
Você veio comigo , e já se arriscou até por pensar em vir.
Entrou na chuva , então é para se molhar.
- (risos)... Ah, claro !
Com você a gente pega até um resfriado Benjamin.
- Pois então, fique para o espaguete e prometo que te levo em casa, sem primeiras ou se quer segundas intenções, prometo.
- Está bem, como você me pede de joelhos para ficar, eu fico. (risos)
Mas desde que façamos um acordo.
Como eu já conheci seu “santuário”, queria lhe convidar para amanhã, eu lhe mostrar o meu, ou melhor, um lugar que às vezes visito e que me sinto bem de estar.
Acordo feito ?
- Acordo feito Alice,
De joelhos ?
Depois o convencimento é que parte de mim.
Pois bem,..
Mãos à obra com a comida italiana dos Deuses !
(risos)
Benjamin com a ajuda de Alice passam a preparar espaguete à bolonhesa, um dos pratos prediletos deste escritor/pianista modesto.
Comeram dando milhares de risadas, conversaram sobre livros, filmes prediletos, os primeiros namoros do colegial, as músicas que ouviam, idealizaram sonhos de criança e riram das mancadas de seus pais.
A conversa fluía bem, como o tempo também passava depressa.
Minutos se tornaram horas e Alice já entrava no carro de volta para casa, se encantando com a anormalidade desse dia e estando feliz por redescobrir o que seria novamente construir uma amizade com um rapaz, já que muitos diziam ser impossível amizade entre um homem e uma mulher, afinal, diziam sempre haver intenções por debaixo do tapete.
Alice provava que este pensamento era incerto, pelo o menos, por enquanto.
Continua...
Eu escrevo o que sinto e sinto o que escrevo, e de tanta existência do sentir, eu me perco em devaneios loucos.
Eles não se beijavam mas se olhavam com tanto amor que não caberia em um beijo só.
Eles se abraçavam para nunca mais soltar,
Eles se amavam aos poucos, sem pressa.
Era uma amizade calma.
E para eles, isso sempre bastou.
Eu queria te ligar agora, às três da manhã, só para te dizer que sinto muito a sua falta e ouvir : Já ia te ligar para falar o mesmo.