Aline Macedo
E o meu entre, onde está, se só me permeio? Nunca adentro; sempre beiradas impermeáveis de feto em formação e beiradas impermeáveis de carniça a espera do fim
Ah, a natureza humana! Não existem inocentes. Somos todos culpados do grande crime de darmos as mãos ao medo e à covardia. Todos animais sem instintos, privados das segundas e terceiras intenções e domados pela tão cruel racionalidade. Eximo-me de pensar agora. Dou-me às idéias dos primitivos. Brindo as minhas vontades! Não sou inocente. Que venha então sobre os ombros o peso de seguir farejando minhas epifanias e catarses de cada dia.
Mas agora, passado tantos e tantos meses daqueles tempos difíceis, agora o pensamento vinha raro invadir a vida. Sempre tarde quando vinha, anoitecendo. Chegava devagar, como tímido por envergonhar-se em vir, coradas as bochechas, olhar acanhado. Vinha porque tinha que vir e não porque quisesse. Analisando bem, talvez fosse dito que nunca quis chegar, nunca quis se manter presente. Mas vinha porque era assim que seria. Chegava, então, o pensamento: acanhado no começo, até que se sentia confortável; percebia que era bem-vindo, que nunca os portões estavam fechados para ele, que a casa sempre aberta precisava mesmo de um preenchimento, precisava que alguém entrasse arrebatando tudo, que tomasse conta dela.
Preciso saber se meus olhos agora podem ser rotulados de seus. A quem ou a que pertencem meus olhos quando se fecham? Abertos são escravos do que vejo: súditos, empregados. E fechados, de quem são? Por onde vagueia a visão escondida entre os cílios?