Alfredo Bosi
Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia.
Montaigne conheceu índios vindos do Brasil e os interrogou mediante um intérprete. O filósofo soube então que os índios estranharam a servil obediência dos franceses a uma criança (o rei Carlos IX, que os recebia). E não só: os mesmos "selvagens" indignaram-se ao ver homens maltrapilhos esmolando à porta de senhores opulentos "sem agarrarem os ricos pela garganta e atearem fogo às suas casas".
Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular ou vender.
A poesia moderna foi compelida à estranheza e ao silêncio. Pior, foi condenada a tirar só de si a substância vital.
O papel mais saliente da ideologia é o de cristalizar as divisões da sociedade, fazendo-as passar por naturais; depois, encobrir, pela escola e pela propaganda, o caráter opressivo das barreiras; por último, justificá-las sob nomes vinculantes como Progresso, Ordem, Nação, Desenvolvimento, Segurança, Planificação e até mesmo (por que não?) Revolução.
A lucidez nunca matou a arte. Como boa negatividade, é discreta, não obstrui ditatorialmente o espaço das imagens e dos afetos.
Obrigado! Palavra simples: dizemo-la a toda hora, sinal de reconhecimento do outro; gota de óleo quase imponderável na leveza da sua matéria, é, no entanto, preciosa no momento de amaciar a difícil engrenagem que são as relações humanas. Moeda corrente do cotidiano, traz, porém, no metal em que se fundiu o compromisso ético que lhe vem da ideia de obrigação. Dizê-la é também um dever.