Alexandre Coslei
A ciência se enganou, o universo não se expande, ele encolhe. Vão-se os parentes, os amigos, os dias, os anos... Acho que a gente morre para não ficar deslocado.
São as pequenas tolerâncias com os insignificantes delitos diários que erguem o palácio onde o intolerável serve o banquete suntuoso com a soma das nossas trapaças.
A felicidade é o produto mais genial do capitalismo, pois nos convenceram que ela existe. Assim passamos a vida inteira obcecados em abraçar uma ideia que possui a mesma densidade do vapor d’água.
Quanto mais os anos passam, avançando como um exército silencioso que salga a terra que ficou para trás, mais o cheiro ácido da saudade contamina o olfato e faz arder os olhos, embaçando a visão à frente. Nos degraus altos da idade, descobrimos que nostalgia é o amor por fantasmas.
Escrever, na maioria dos casos, não dá dinheiro nem traz fama. É como rezar em silêncio diante do espelho. Talvez, por isso, só possa oferecer uma breve redenção. Necessita de fé e do ócio, mas não é religião. Comparativamente, é um culto doentio e perverso ao próprio pensamento.
Em tempos de Redes Sociais, a popularidade canibalizou a notoriedade. Não é à toa que vemos personagens extremamente vulgares se comportarem como influenciadores digitais. Além disso, se revelou o aspecto de submissão intelectual de uma classe de brasileiros, que ainda se comporta como indígenas reverenciando totens. Bajulam juízes midiáticos, procuradores televisivos, políticos de ocasião, jornalistas de primeira página, escritores caça prêmios, etc. A maioria deles, muito mais de sofistas banais do que pensadores de profundidade. Extinguiu-se a relevância social como pré-requisito para o reconhecimento público. A Internet não deu voz aos imbecis, como dizem por aí; a Internet revelou o que ainda somos: uma tribo em busca de entidades que ofereçam sentido a nossa ignorância.
Cidadãos de cultura duvidosa, com visão política à direita, invariavelmente repetem mantras neoliberais que incluem o Estado mínimo, a meritocracia, rejeitam o papel social dos governos (é o ensinar a pescar, jamais dar o peixe), apreciam a privatização do patrimônio público, são egoístas, profundamente egoístas e alheios a qualquer humanismo nas relações de classe. Muitas vezes, foram ou são beneficiários da coisa pública, mas não aceitam que outros sejam. Repudiam o comunismo sem o mínimo traço de conhecimento teórico, sem sequer terem investido numa leitura básica do Manifesto de Marx e Engels. É difícil respeitar as opiniões dessa gente, que raramente são opiniões de fato, geralmente se resumem a aspectos autobiográficos de um pensamento medíocre.
Quando algum cérebro mutilado das sutilezas da inteligência tenta compor uma ironia, o resultado é um coice debochado que, ironicamente, revela o asno por trás da rude ferradura.
Quando você não ama de verdade o seu próximo, qualquer pretexto é válido para tratá-lo como um apêndice supurado.
A caridade é uma coroa que o capitalismo exibe para lembrar ao dono do dinheiro que a miséria existe como virtude do seu espírito e não como consequência nefasta do seu egoísmo.
A velhice revela o último desencontro da jornada humana: é o inverno do corpo diante do verão da alma.
Ver a fera avançando em babas de fome acreditando que ela irá devorar somente o inimigo é tornar-se a isca mais apetitosa. As bestas preferem os mansos.
Sou um homem fragmentado, silencioso. Somente a escrita constrói pontes entre os meus abismos, somente ela dá voz e eco à solidão dos meus penhascos.
Não há mais luta no Brasil porque vivemos no vácuo do sofismo narcísico. Há teorias, convicções, mas a práxis foi amputada pelo desejo irrefreável de contemplação do próprio pensar. Com a Internet, viramos cérebros sem corpo flutuando deslumbrados num oceano de parábolas e, consequentemente, incapazes de ação. É justamente neste hiato entre a ideia e a paralisia que as bestas ocupam o lugar dos revolucionários.
O mal da inteligência é tentar se convencer sobre a necessidade de tolerância com a burrice. Burros não querem tolerância, querem feno.
O Brasil é o país da nostalgia. Vive-se no ontem, no antes de ontem. É uma saudade eterna, declamada ao som da melancolia. Alguns ainda insistem na monarquia, outros se lamentam nostálgicos até do fim da ditadura. Ancorados num passado que não fabrica peças de reposição, assim nos tornamos cemitério de tudo, um povo aos prantos pelo que se esvai, um museu sempre lambido pelo fogo, ferro-velho de memórias que se decompõem a céu aberto.