Alberto Pereira

Encontrados 12 pensamentos de Alberto Pereira

Desencanto
Cansei-me de ti.
Entristece-me perder o que nunca existiu,
mas não quero permanecer no que existe.
Dentro das muralhas da tua beleza
corre um rio de egoísmo
que já não consigo suportar.
Destruíste as margens da tolerância
e as águas começam já a inundar-me a dignidade.
Quem despejou esta arrogância na tua corrente?
És uma enxurrada violenta
que desagua no mar poluído da insensatez.
Tu, encanto interrompido pelo desnudar dos dias
que desenhou uma fé sombria nos meus sonhos
e incendiou de dor o horizonte.
Porque deixaste que o desejo nefasto do teu orgulho
secasse o rio de ilusão que me enchia a alma.
Procuro ainda na essência nocturna dos teus lábios
um fôlego de sobrevivência que faça palpitar
o esplendor da tua imagem.
Caminho neste Outono embriagado de desilusão
e ouço a tua voz desfalecer no vento.
Sigo sedento pelo labirinto íntimo de êxtases perdidos
que vivem encalhados no fundo da minha memória.
Mergulho no brilho pálido da tua inocência
e nas águas anémicas de alegria
aguardo uma transfusão que faça circular a eternidade.
Alberto Pereira

Intemporal(conto & poesia)

Sul
O horizonte é uma ilusão sem fim e as nuvens emolduradas no céu, oásis perdidos no deserto azul. Tudo é plano, de um castanho que se perde na imensidão do espaço, permeado aqui e ali, por um verde envergonhado. O mundo parece ter pousado num local onde qualquer relevo é uma afronta ao manto que abençoa a exactidão deste chão.
Há desalento fingido no árido abandono da paisagem que se estende no mar sereno da planície. Um mar onde a água é uma ilusão que os lábios da terra poucas vezes tocam.
Lê-se na face do infinito que o sol tórrido, votou este recanto à febre latente da solidão.
Os animais no meio dos campos repousam de forma tranqüila, resignados à fome que o hábito os ensinou a suportar. Cabisbaixos, ruminam a erva inexistente; sonham com o verde que nunca viram e que apenas conhecem dos rumores que a escassa brisa arrasta quando não fica ancorada no calor.
Ao início da tarde, respira-se um ar que traz um longo lamento ao castanho imenso que ferve debaixo do olhar atento do céu. É corajosa a natureza que recebe este bafo que a sufoca, sem que um murmúrio irado se ouça. No fim do dia quando a tarde começa a esmorecer e espalha já uma claridade forçada sobre o horizonte, há um amontoado de ilusões que vagueiam pelo jardim do crepúsculo.
Quem terá concebido este sonho perfeito no coração do vazio?

Alberto Pereira

Inserida por suallinda

Presídio

Tenho séculos submersos no teu corpo.
Apalpo a trovoada despida no olhar,
há aves que voam rente ao tempo cruel
relampejando geadas inesperadas.
Há abismos insurrectos
a transbordar champanhe nocturno.
Bebo o sorriso afogado
em luminosos cálices de trevas,
escuto chicotes ungindo labaredas
nos canais sombrios da alma.

Tenho séculos submersos no teu corpo.
Não sei como selar a decepção
que arde nos sulcos do desespero.
Colocaste-me grades na boca,
é insuportável o sangue descalço
que dança nuvens na garganta.
Trouxeste nos gestos ogivas lancinantes
a transplantar milénios de abandono.
Desmorono-me em silêncio
perseguido pelo assédio atómico
que flutua no encanto.

Anoitece em mim,
surtos desolados
escavam neblina na eternidade,
tudo grita o fim.

Alberto Pereira
Poema do livro "O áspero hálito do amanhã"

Inserida por suallinda

Alberto Pereira - nasceu em 1970 na cidade de Lisboa; licenciado em enfermagem, participou em diversas antologias, tendo obtido, em 2008, o 1.º Prêmio de Poesia "Ora, vejamos".
A 6 de Dezembro de 2008 foi apresentado em Lisboa, a obra poética "O Áspero Hálito do Amanhã" de Alberto Pereira, com prefácio de Xavier Zarco.
Obra e autor foram apresentados pelo emérito poeta Firmino Mendes. O prefaciador e o apresentador foram distinguidos com o prêmio Vítor Matos e Sá, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Inserida por suallinda

Mulheres

Cai a tarde,
do fundo da alma
descem corpos ruborizados de Primavera.
Fermentados de utopia
vagueiam na insónia da imaginação
e sentam-se na véspera do impossível.
Corpos algemados de ternura
que despejam sobre as rugas dos dias
poemas compilados de coragem.
Esbracejam de fantasia
como se todas as dores fossem infinitamente nada
e debruçadas sobre o desassossego
respiram o deslumbramento de cada instante.
São rostos de eternidade
aguardando no incógnito ventre dos sonhos
um beijo do desconhecido.
São,
corajosamente mulheres.

Alberto Pereira

Inserida por suallinda

Aniversário é um réveillon particular.

Inserida por albertopereira

A rotina
é um tipo perigoso de roedor.
Corrói o tempo,
depois a vontade,
até chegar nos sonhos.

Inserida por albertopereira

Prudente é saber que não ser
tão incrivel quanto pensa
e tão sábio quanto crê,
tem nome: realidade

O manual da vida não está em textos,
mas em atos.
Talvez difícil seja entender este passo:
Só se aprende perdendo
e assumir o erro não é vergonha,
é um salto.

Isso separa quem almeja ser melhor
e prefere o teto ao buraco.
Não invente desculpas, essa invenção já foi descoberta. Errar é o passo inicial para começar de novo.

Amor não tem teto
tem raiz,
pois cresce ao inverso
versa, conversa
e conduz ao todo
o tudo.
Pois o fim do amor
se chama início.

Inserida por albertopereira

⁠Em quase toda gente
há gente.
Quando não há,
é um outro agente.

Inserida por albertopereira

⁠Há gente
que tatua gente .
Há gente tatuagem.
Todos são agentes,
mas só alguns
a gente marca.

Inserida por albertopereira

⁠Cada pessoa
que aparece em sua vida
é uma nova vida
para a sua pessoa.

Inserida por albertopereira