Aíla Sampaio
Às vezes pensamos que é amor e é só uma emboscada. Armação do destino para nos enrolar, para testar nosso fôlego num mergulho demorado. Imergimos, emergimos e, desfeito pelas ondas revoltas aquele sentimento escorre, vira espuma. Se esfuma diante dos nossos olhos incrédulos. Aí a gente vê que foi só uma emboscada... Amor de verdade é sempre à prova d'água!
A gente esquece o nome quem têm algumas dores. Sim, porque algumas delas têm nome e endereço fixo, mas não têm remédio. Daí as cartas que escrevo ao tempo, pedindo que passe passe passe, de mãos dadas com o vento, e leve as histórias mal contadas daquele amor que gostava dessa rima pobre. Que não fique sequer um pé de esperança aonde não pode brotar flor. Que seque toda seiva que se derrame em vão e sobreviva apenas a poesia soberba da vida tatuando em cada poro o cheiro desse amor nascente. Esse tem asas que não são descartáveis e só sabe rimar com felicidade. Sua tristeza é sincera, sua alegria não é postiça. Seu esconderijo, por enquanto, são as minhas palavras, mas, em breve, será o meu corpo... os sapatos já saíram da caixa. Falta muito pouco para saírem andando por aí.
Aíla Sampaio
Quando se vive a espera, todos os caminhos são suspensos; fica-se em satandy by, com os olhos voltados apenas para o que a ansiedade projeta em nossos pensamentos.
O amor acontece de repente, quando estamos desprevenidos. Pode estar subindo num elevador ou descendo as escadas; atravessando a rua displicente ou, nesse mesmo instante, parando no sinal vermelho. Quem sabe esteja à nossa espera na caixa do correio ou num perfil de facebook; numa esquina sem semáforo ou num engarrafamento medonho. Não o imaginamos comprando remédio na farmácia ou frutas no supermercado; sempre o projetamos com as nossas expectativas de perfeição, como um ser etéreo, saído que algum conto de fada. Não nos damos conta de que ele pode bocejar de cansaço ou beber além da conta; de que pode não ter os atributos de um herói, mas nos salvar da incompletude; de que pode ter muitos defeitos, mas mesmo assim nos fazer feliz.
Já doeu mais. Mas doía ainda e doeria por muito tempo, embora já não trocasse de pele todos os dias nem tentasse reerguer as paredes derrubadas. Aprendera um pouco da sagacidade do vento e deixava ir aos poucos a poeira. Reaprendia a olhar o mundo e a criar uma nova paisagem, ensaiava os lentos passos do esquecimento com a consciência de que nunca mais seria a mesma. Um dia jogaria fora os entulhos e trocaria de nome; quem sabe renascesse flor para murchar menos dolorosamente.
Quase sempre nos acomodamos às situações e deixamos de seguir em frente; recuamos diante do fim de um relacionamento que há muito não nos satisfaz, adiamos projetos que impliquem renúncias, nos acomodamos à mornidão da vida, porque tememos o estado de ebulição dos sentimentos, temos medo do vai-e-vem da gangorra e de tudo o que ameaça a nossa comodidade, sem nos darmos conta de que podemos estar sentados sobre um barril de pólvora. Na verdade, sempre arranjaremos desculpas para a nossa letargia, para fugir da responsabilidade de assumir riscos, e esperamos que a explosão da nossa inércia parta de acaso, como se, do mesmo modo, não fôssemos arcar com as consequências da nossa apatia. Somos resistentes às mudanças porque tememos os desafios e não nos dispomos a enfrentar o desconhecido que somos pra nós mesmos.
Traga-me bons ventos, meu amor, porque tempestades já me sobram. Dê-me olhos generosos, que não encubram as minhas rugas, mas disfarcem as minhas cicatrizes; que não busquem a minha perfeição, mas compreendam os meus defeitos. Traga-me sonhos, meu amor, mas com uma nesga de realidade na sala de espera pra que eu não tropece nas nuvens antes de chegar ao céu.
Era para ti que o meu dia clareava mais cedo e as ruas acordavam para escutar o abrir das portas, o caminhar lento das horas sob o cheiro quente do café coado. Era para ti que as calçadas se alargavam para o movimento da manhã; que nascia o sol e as árvores faziam sombra. A vida vista da janela tinha a moldura que eu quisesse, porque os olhos eram meus e o que eu via te dava, porque a ti deveriam pertencer todas as coisas serenas que atravessavam o meu caminho. E foste aos poucos vendo a nuvem que fugia pra desencantar a lua, as horas correndo apressadas sobre os paralelepípedos e as estrelas unindo nossos olhares no firmamento. E foste entendendo que, no ir-e-vir de todas as coisas, já não apenas sou; já não apenas és: SOMOS.
Não remenda teus rasgões. Deixa os buracos aparecerem como sinais de vida vivida. Somente quem já derrapou nas curvas e caiu em abismos sabe os caminhos, conhece os desvios, aprendeu que a nossa história se faz de percursos muitas vezes íngremes e que é preciso a turbulência para que busquemos o equilíbrio; é necessária a escuridão para que enxerguemos a luz.
É chegada a hora de pôr as mágoas ao sol, estender os braços ao vento e criar uma bela história para viver; seguir em frente, sem olhar pra trás, sem mirabolantes castelos no pensamento; ouvir e ouvir-se no íntimo silêncio até entender que a vida se faz dos pequenos momentos e não das buscas incessantes pela felicidade que sempre escapa das nossas mãos, quando, em vez de enxergá-la ao redor, tentamos alcançá-la nas estrelas.
Como perder-te sem perder-me? Como encontrar pistas para percorrer os labirintos da separação sem dor?
A um oceano de ti,
meu pensamento é um barco
de velas içadas.
Nada contra a maré,
corre contra o tempo,
esconde-se entre as vagas.
Entre encontros e despedidas,
navega,
naufraga.
Atravessa o deserto comigo e haverá água, encontrarei sombra. Tua presença não muda o mundo, mas transforma o meu modo de vê-lo.
Seremos eternos meninos diante um do outro, teremos a mesma crença no futuro e seguiremos firmes ao encontro do inusitado enquanto houver amor. Seremos donos de todas as certezas e teremos as chaves de todas as portas; venceremos dragões e desesperos, mudaremos a rota de todas as naus contrárias à nossa felicidade se estivermos juntos. Separados, somos pássaros sem asas, barcos à deriva, oceanos de incertezas a interditar os caminhos. Separados, somos frágeis cristais nas descuidadas mãos do destino.
Encontramo-nos, quando o outono vestia a tarde com seus ventos
e o tempo já brincava de riscar os nossos rosto.
Éramos íntimos sem nunca nos termos visto
Como se nos pertencêssemos há muito tempo
E a vida nos tivesse unido outra vez
A pior punhalada é que não corta nem sangra; é a que rasga silenciosamente a nossa confiança na integridade do outro.
A vida não é previsível como um pacote de viagem que compramos para as férias, com datas de partida e chegada. Temos em mãos apenas a passagem de ida. O roteiro e o retorno estarão sempre suscetíveis a interrupções e mudanças.
Já fui mais dramática, mais atriz. Já simulei desfechos, fiz escolhas por impulso e gritei quando não deveria. Hoje, simplifico a vida, pego mais atalhos, deixo de lado os roteiros complexos e o medo de ser feliz. Aos poucos, deixo de ser um período composto pra virar uma oração absoluta.
Quem poetiza a vida só vê poesia nas pessoas... não se dá conta de que, muitas vezes, elas são apenas prosa.
No ir e vir das coisas, ficam as que realmente podem somar algo à nossa vida; passam as que só têm a nos acrescentar com a sua ausência.
Arrisco meus olhos no cinza-escarlate do crepúsculo para que a tua lembrança arda até consumir-se. Preciso queimar-te nas brasas do esquecimento antes que amanheça e a saudade acorde. Quem sabe a memória desvista-se da insensatez da paixão e, por fim, jogue as tuas cinzas ao vento.