Adolfo Perez Esquivel
Qual a diferença entre o assassinato de milhares de civis em um ataque no Afeganistão e a matança de milhares de pessoas por contaminação da água? Ou entre a fome causada pelos conflitos tribais na África e a fome causada pela destruição do solo e uso indevido da terra? Morte é morte em qualquer lugar, assim como a fome é terrível e devastadora em qualquer parte do mundo. No entanto, poucos param para pensar no estrago que as catástrofes ambientais causam diariamente ao planeta e às pessoas que o habitam. A contaminação da água e do solo e a destruição da biodiversidade acarretam doenças, pobreza e falta de comida. O que proponho é acabar com a impunidade para esses crimes. Todos se lembram da explosão na usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia. Ou do vazamento de gás tóxico de uma fábrica da Union Carbide em Bhopal, na Índia. Até hoje esses crimes, que provocaram a morte de milhares de pessoas, continuam impunes. O mesmo se aplica às empresas de petróleo responsáveis por vazamentos nos mares, às grandes mineradoras e ao agronegócio. Quem ameaça seriamente a vida dos bilhões de habitantes da Terra precisa ser julgado e punido.
A soberania está relacionada com valores e qualidade de vida. O que é mais importante: a soberania alimentar ou a soberania dos estados? As Nações Unidas já fizeram um alerta de urgência sobre a questão da fome e da soberania alimentar em muitos países. Por isso, quando a questão é o ambiente, temos de esquecer as fronteiras e pensar no ser humano. Mais do que tudo, é preciso regular as atrocidades contra a natureza do ponto de vista jurídico e humanístico quanto antes.
A definição de transgressão aos direitos humanos não se limita mais ao que fizeram as ditaduras – sequestro, desaparecimento e torturas. Hoje, os direitos humanos incluem direitos econômicos, sociais e ambientais.
O fazendeiro que destrói a floresta para plantar soja transgênica, por exemplo, é um réu em potencial. O mesmo se aplica ao dono da mineradora que utiliza milhões de litros de água por dia, contamina a água dos rios por causa da exploração desmedida de metais como ouro, prata e cobre e deixa a população morrer de sede.
VEJA - Julgar crimes ambientais em tribunais internacionais, similares ao que julgou os carrascos nazistas, sinaliza uma mudança de mentalidade das sociedades com relação aos direitos humanos?
ADOLFO.P.ESQUIVEL - Sem dúvida. Trata-se de uma evolução. A definição de transgressão aos direitos humanos não se limita mais ao que fizeram as ditaduras – sequestro, desaparecimento e torturas. Hoje, os direitos humanos incluem direitos econômicos, sociais e ambientais. É preciso pensar no assunto em todas as suas dimensões, e não mais de forma cartesiana e fragmentada, como vínhamos fazendo. Na minha opinião, os direitos humanos são violados quando a uma população é constantemente vedado o acesso à saúde, ao trabalho e à educação. Os direitos humanos são violados quando crianças morrem de fome, quando as condições tradicionais de vida dos índios são perturbadas a ponto de ameaçar a existência deles. Quando os primeiros tribunais para julgar crimes contra a humanidade foram estabelecidos, a destruição da natureza não havia chegado ao ponto em que está hoje. Estamos à beira de um colapso ambiental. Estabelecer o equilíbrio entre a natureza e o ser humano é fundamental.
Crítica de Esquivel a Barach Obama, igualmente nobel da paz:
Obama tem governo, mas não tem poder. Parece uma pessoa bem-intencionada, mas sem condições de fazer o que realmente pretende. Não acho que é certo um Nobel da Paz enviar tropas para o Afeganistão ou manter prisões em Guantánamo. Muitas vezes os governantes não fazem o que querem, mas o que podem fazer. Acho que esse é o caso de Obama. Só espero que ele consiga honrar o Prêmio Nobel que ganhou.