Ademir Esteves
Algo está mudado
Sinto vazio o peito e uma respiração dolorosa
Possa ser, quem sabe, o apojo leitoso de tristezas
de muito antes, de toda uma existência…
Não me abstenho da fé e da esperança,
mas os homens cobram
e montanhas e torres desabam
oprimindo minha crença e minha vida.
O grito está sufocando
Preciso soltá-lo
Preciso.
Seja como for...
Esqueça-me por fora, não existo integralmente assim.
Coloque-me por dentro, naquela playlist de realidades
e faça mais por nós
Rode cada faixa como se fosse agora
- where God printed only true memories!
Amanhã, pode ser tudo completamente deletado
e não teremos nada para reacender da gente.
Feche os olhos e dance e cante e fale consigo.
Ama-me do mesmo modo que te amo.
Somos muitos na mesma história.
E sós... num enorme ciclo se fechando.
Solte a alma, dê o play e sinta que eu estou em vocês
e vocês em mim!
É Tempo de Mãe e Tempo!
É um tempo em que amarrados
Os sentimentos em laços
As mães não vendo enterrados
Seus filhos longe dos braços.
É um tempo de sol ardente
Chuva fria, ar impuro, contaminado
Onde um é um ausente
Vive silente, só, por si mesmo dominado
É um tempo em que se repensa
Que se traga o gole amargo
Do nada que há na despensa
Ou apenas um pão avinagrado.
Pelas mães que deram um dia
Dias sempre são das mães
Daquelas, que por alguma alegria
Estão entre nós, guardiãs
Por todos que em tempo desses tempos
Vivem em outras dimensões
A carregar em traços limpos
O amor em seus corações.
É um tempo em que já se foram
Milhares de filhos, tutores
Mulheres, homens, que honram
O renascer dos amores.
Espero com fé que o Alto transpire
Um suor que cure em cascata
A humanidade que aspire
Em nova era sensata
Em nova vida pacata
Pelas mães que foram e são
Uma eterna serenata!
O menino tinha uma mãe de papel.
Foi seu primeiro desenho no orfanato.
Ela tinha cabelos longos, num rosto com três pontinhos
e quatro traços finos como corpo.
Um triângulo a vestia do pescoço ao meio das pernas
E ela pisava, descalça, numa linha inclinada.
Quando conseguiu utilizar a tesoura, ah! esse menino...
cortou milimetricamente seu desenho e o colocava ao lado
da cama à noite e no bolso durante o dia.
Tomava tanto cuidado para a mãe não amassar ou ser
dobrada.
Conversava com ela e a apresentava a todos que lhe perguntavam sobre o nome da mãe
"Oras, respondia ele, o nome dela é Mãe"
Tão verdadeiro lhe era, que jamais sofreu contradição.
Todos acreditavam que aquela mãe existia e não o consideravam louco.
O menino cresceu e era hora de enfrentar o mundo.
Trabalhava como estagiário em direito e faltava um ano pra
formatura esperada.
"Vou advogar para os órfãos"
Alguns achavam aquela fala estranha e outros não sabiam bem o que ele queria dizer.
Uma noite, conversando com a Mãe e tomando um chá de camomila, estagnou olhando para ela. Depois de um tempo, refletiu:
"Mãe, você está magra demais, sem cor, tudo é preto e branco!"
E lhe coloriu a saia de lilás.
Como estava cansado, dormiu debruçado sobre o desenho.
Ao despertar, viu que havia derrubado o copo de chá sobre a Mãe.
Nada pode salvar o desenho: borrado, manchado, se esvaindo em pedacinhos.
Ele tinha amado sua mãe a vida inteira em preto e branco,
mas quando deu-lhe cor, conheceu a razão.
Não era mais menino. E o que poderia ter sido lindo, tornou-se desconhecido.
Quando lhe perguntam sobre a Mãe sempre responde:
"Minha mãe foi camomila enfeitada de lilás. São misturas tristes e feias e não tocam meu coração."
E vai embora depressa. Já distante aperta um chumaço de papel embolorado no bolso e olha pro céu. Só então, sorri!
Tendo me baseado na vida concedida
Tornei-me inspiração de mim mesmo.
Sem dúvida.
E, sendo finito, apenas agora compreendo
o adágio de fazer do hoje a história inteira.
UM HOMEM BRASILEIRO
As pernas caminhavam lentas
E sobre elas um desvalido
Enquanto caminha, o homem
Impera na mente as tormentas
Ele confiou tanto nas medidas
Nas leis e nas promessas
Contribuiu com a formação de uma nova era
E vivenciou sofridas despedidas
Ele foi às urnas incontáveis vezes
Crendo com fé em suas escolhas
Mas os desagravos foram todos....
e seus votos efêmeros revezes
E nada de nova era, nada era de verdade
Tudo envelhecia, apesar da tecnologia
Não houve causa que vencesse
Nem lhe serviu o saber da idade
Ele é quase diferente d'outros humanos
Nenhum preconceito, absolutos conceitos
Nunca acusou ou desmereceu o próximo
Porém conheceu irremediáveis inumanos
As pernas... essas caminham lentas
Até chegar à lápide onde deposita flores
Todas as manhãs, todos os dias, caminha
E para de pensar, ficando atento às fendas...
*descoberta*
Arranjei-me com roupas elegantes
Escovei os cabelos rebeldes
Ensaiei meu sorriso mais amplo
Posicionei o banco corretamente
Exercitei as mãos marcadas pelos anos
Virei o bloco para os pentagramas
amarelecidos, por décadas guardado
Apoiei as recordações sobre as teclas do piano
E quando tentei o primeiro acorde
meus dedos paralisaram...