Abner Esteves
Somos poesias incompletas. Feridas pela ausência de outros versos, outras rimas, outros autores. Pois não há Eu sem outros mais.
Somos a metade que não se conclui. A fala muda. O discurso silencioso. O dito não dito. Somos então um enredo que pensa acabar o inacabado.
A falta de identidade é como um continente sem ilhas onde o sujeito possa ancorar-se. Um espaço infinito sem referências para um Ego em constituição.
Qual a sua ruína?
Essa ruína que lhe rói.
Ruína que lhe rumina,
Que caos você guarda?
Essa ruína que silencia,
Qual [quem] é a sua ruína?
Teu corpo é lindo. Encobre histórias, segredos. Ele se comunica também. É a extensão dos seus afetos. Por isso não deve ser padronizado.
Fale. Fale das coisas do mundo. Fale dos amigos. Fale sobre o céu, sobre os livros, sobre a Vida. Pois é falando do outro
Que eu lhe conheço.
Não há gesto de humanidade mais elevado do que ceder escuta ao Sujeito que sofre. Amor também é abrigar palavras que não são suas.
Quando a lembrança dói, não há o que fazer, se não relembrá-la, relembrá-la, relembrá-la. Até que seu sentido mude de direção.
Amor é como um papel dobrado, podendo ganhar variadas formas. E mesmo que se desdobre para outros caminhos, ainda assim permanece sua marca.
A ideologia da felicidade tem adoecido o homem, que se vê na obrigação de dar seu sangue por algo que não se encontra fora, mas dentro de si.
Somos frutos da insatisfação. Movidos pelo vazio e ilusão de sermos preenchidos pelo outro. Ninguém preenche ninguém, nem a si mesmo.
"Homem não chora" - e foi assim que seu corpo fora adestrado pelo discurso do outro, tornando-se casco onde antes poderia ter brotado flores.
Tem gente que julga a moça que vende o próprio corpo, porém vive prostituindo seus sentimentos por amores rasos e de pouco retorno.
E foi se machucando que ela soube que costurar não envolve apenas tecidos, mas também afetos remendados.
O discurso demasiadamente moralista foi, e sempre será, o melhor meio de encobrir desejos inconciliáveis ao Eu.
Ousadia é Amar
Pois é um tiro no escuro
Um caminho sem destino certo.
Ousadia é Amar
Em tempos que Só se deseja ser A M A D O.
O bom da música é que ela evoca afetos até então adormecidos. E o mau da música, bem... é que ela evoca afetos até então adormecidos.
Seria mais fácil elaborar nossas perdas se com elas também fossem embora suas representações. Mas não, elas permanecem, e não se despedem.
Ainda acredito no amor mais humano e menos tecnológico. No amor que não dependa de aplicativos. Na voz no pé do ouvido e no toque de peles.
O ser humano carece de uma escuta que dê valor às suas palavras. Uma escuta que o acolha, que o ampare em sua fragilidade existencial.
Estamos sempre em busca do objeto de amor ideal. Mas que ideal? Na constituição humana a insatisfação impera. Não há ideal que anule a falta.