A Sonata a Kreutzer (livro)
– É horrível o que o senhor diz. O amor existe, e dura, não só meses, não só anos, mas toda a vida.
– Não. Não é verdade. Mesmo admitindo que um homem prefira uma mulher toda a vida, essa mulher preferirá outro. Foi sempre assim e continuará a ser.
As mulheres sabem perfeitamente que o amor, mesmo o mais elevado, o mais, poético – como nós dizemos – depende mais dos dotes físicos do que dos méritos. Perturba mais uma cabeça bem penteada, um vestido de bom corte, modelando bem as formas do que uma frase reveladora de excelsas qualidades morais.
Se o objetivo da humanidade é o bem, a bondade, o amor, como se pretende; se o objetivo da humanidade é o que foi expresso nas profecias, que todos os homens hão de se unir pelo amor, que as lanças serão fundidas e transformadas em foices, e assim por diante, o que é que estorva o caminho para este objetivo? As paixões. A paixão mais forte e pior, a mais insistente, é o amor sexual, carnal, e por isso, se forem destruídas as paixões, inclusive a derradeira, a mais forte, o amor carnal, a profecia há de se cumprir, os homens hão de se unir, estará atingido o objetivo da humanidade, e esta não terá motivo para viver. Mas, enquanto a humanidade vive, tem diante de si o ideal, e naturalmente não é um ideal de coelhos ou de porcos, no sentido de se multiplicar o mais possível, nem de macacos ou de parisienses, no sentido de aproveitar o mais refinadamente os prazeres da paixão sexual, mas um ideal de bondade, alcançável pela abstenção e pela pureza. Os homens sempre tenderam e tendem para ele.
A espécie de animais superior, a humana, deve, para sobreviver na luta com outros animais, formar uma unidade, como um enxame de abelhas, e não se multiplicar infinitamente; a exemplo das abelhas, deve formar indivíduos assexuados, isto é, mais uma vez deve tender para a abstenção, e de modo nenhum para a excitação da luxúria, para a qual se orienta toda a estrutura de nossa vida.
A instrução ministrada às mulheres é justamente aquela que deve ser, de acordo com o modo geral de se encarar a mulher, o que existe e não o fingido. E a instrução da mulher corresponderá sempre à maneira pela qual o homem a encara.
Enquanto isto [mudança na forma como a sociedade enxerga a mulher] não se dá, o ideal de toda moça, de qualquer nível de instrução, consistirá sempre em atrair o maior número possível de homens, de machos, para ter a possibilidade da escolha.
Depois de pesar as vantagens e prejuízos, verifica-se que é desvantajoso, e por isso indesejável ter filhos. Elas dizem-no direta, corajosamente, imaginando que esses sentimentos originam-se do amor aos filhos, sentimentos bons e louváveis, dos quais se orgulham. Nem percebem que, com esse raciocínio, negam diretamente o amor e afirmam unicamente o seu próprio egoísmo.
Uma galinha não teme o que pode acontecer ao seu pinto, não conhece todas as doenças que podem afetá-lo, não está a par de todos os recursos com os quais os homens imaginam poder proteger os seus contra a doença e a morte. E os filhos não constituem para a galinha um sofrimento. Ela faz pelos seus pintos aquilo que lhe é inerente, e fá-lo com alegria; os filhos são para ela uma alegria. E se um pinto adoece, as preocupações dela são muito específicas: ela o aquece e alimenta. E fazendo-o, sabe que faz tudo o que é necessário. Se o pinto morre, ela não se pergunta para que ele morreu, para onde foi; cacareja um pouco, depois para e continua a viver como antes. Mas coisa diversa acontece com as nossas infelizes mulheres, e aconteceu também com a minha, não só quanto a doenças e métodos de tratamento, mas também quanto aos processos educativos e da criação em geral, ela ouvia de todos os lados e lia regras de uma variedade infinita e continuamente mutáveis.
Não compreendíamos que o amor e o ódio eram manifestações diferentes do mesmo sentimento animal. Seria horrível compreender a situação em que nos encontrávamos, mas, nem sequer a víamos.
A vida [na cidade] é melhor para as pessoas infelizes. Na cidade, um homem pode viver cem anos e nem perceber que já morreu e apodreceu há muito.
Se admitirmos que um homem preferirá determinada mulher por toda a vida, esta mulher, segundo todas as probabilidades, preferirá um outro, e assim sempre foi e é no mundo.