A Duarte
A vida se tornou pesada, já é um peso ter de carregar meu próprio eu em um corpo pesado, denso, sozinho...
Os sons do mundo passaram a me incomodar e até o som das vozes que ressoavam doce em meus ouvidos hoje se tornaram sons agoniantes como se fossem unhas que se quebram raspando em um quadro negro.
Meu peito arde, cada minuto consciente é um empréstimo que faço comigo mesmo e não consigo pagar, não consigo vencer a dívida de se estar vivo porque o juros da solidão é muito maior do que eu posso aguentar.
As frases que se referem a morte passaram a me confortar mais do que as palavras de felicidade, esperança e vida eterna...
Ah, o amor, esse sentimento tão puro que pode trazer a destruição para os corações despreparados para o sofrimento. Não sejam como eu, eu estou morto e acreditar em uma boa aventurança com alguém querido foi a gota d'água, o último erro e o mais grave.
Desci do meu castelo de papelão, andei pela ponte de plástico e segui a vida como um homem enferrujado ouvindo meus próprios passos com o ranger das articulações cansadas de tanto atrito comigo mesmo.
Me tornei sucata para aquela que não viu mais utilidade em mim e que com medo de se cortar com minhas pequenas pontas soltas, me nomeou lata velha e me pôs a descer as escadarias das emoções que com tanta dificuldade que tive de subir, para ela foi fácil me fazer descer, só com um empurrão de sua imutável decisão de fechar seu coração.
A culpa é minha, pois, sou de chumbo e ela fluia como água agitada, carregada de mágoa e traumas e minhas imendas serviram apenas para tirar dela as sujeiras mais pesadas. Eis a serventia de um homem de lata com um coração implantado que insiste em bater a cada minuto me lembrando que para nada mais sou necessário.