7bilhoesdehistorias

Encontrados 2 pensamentos de 7bilhoesdehistorias

Bonito de doer! Nossa senhora! Assim percebemos, eu e minha amiga, um jovem de altura [in]desejável (para elas que apreciavam os pequenos) pedindo “seiscentos gramas de queijo coalho fatiado, por favor”!



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Acostumas a ouvir seiscentas sempre...Seiscentos gramas foi demais! O suficiente para fazer voar a imaginação de nós duas sobre aquele rapaz na padaria, véspera de feriado e sozinho às 7 da noite.



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Minha amiga (Yah) é do mundo, mas nasceu em Caruaru, interior de pernambuco(logo alí), terra do famoso Mestre Vitalino, jovem(vinte e poucos anos), artista(atriz das boas), desinibida, linda, cult, inteligente, urgente, emotiva, estudou ballet, piano, leu mil livros, escreve e é quase realizada na vida.


Eu (Adriana)também do mundo, nasci em Serra Talhada, sertão do mesmo estado(lá na "baixa da égua", como dizia vovó quando o lugar era longe) terra de um cangaceiro chamado Lampião. Estudante, chata, pragmática, apressada, intolerante, às vezes engraçada, apaixonada por cinema, quadros, tintas, pincéis, artesanato, adereços, saias, havaianas, livros...



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- Acho que é de fora, tinha sotaque diferente.

- Será que é solteiro?

- É nada. Um gato daquele não ia ta sozinho nunca!

- Ele pode ser novo na cidade, tem cara de estudante.

- Será gay?

- Não, acho que não. Mas se for, não parece.


Sim porque, em Recife, fora noivo, casado, gay, padre e os mal educados que comem de boca cheia, falam seiscentas, arrotam e peidam sem cerimônia, não sobra nada que se aproveite.


- Acho que é estudante de mestrado vindo de algum lugar.


- Estudante, inteligente e pelo jeito mora só, pois pediu queijo fatiado, sinal de quem não tem empregada e não queria ter trabalho na hora de assar.


Para quem não sabe, queijo coalho só presta assado.


Assim a conversa rendeu por horas a fio.


O fato é que elas chegaram em casa e só então lembraram o feriadão e a falta que o pão que elas esqueceram de comprar faria nos dias seguintes em que tudo era fechado. Mas não pareciam se incomodar, pois o gato da padaria pedindo seiscentos gramas de queijo coalho-fatiado- compensava qualquer necessidade de comer.


Mentira!


Elas cozinharam como nunca, inventaram pratos ótimos e passaram muito bem, mesmo sem pão e sem romance.


Depois Yah comentou que ele poderia ser de fato solteiro e estava em companhia de amigos em um apartamento mal arrumado qualquer ali pertinho.



Eu achei por bem acreditar, considerando a quantidade generosa de pão e queijo comprados a suposição me pareceu apetitosa para uma viagem rápida ao mundo fantástico de bobby.


Eu e Yah tínhamos vasto histórico de romances fracassados parecidos e mesmo não apreciando os aproximados 1.80m de altura do rapaz, era bom imaginar que ele servia para qualquer coisa.

Uma amizade, um rolo e por que não, um namorado?

Que sonho!


Ele era fofo, gentil e doce no modo de falar, não parecia gay e àquela altura do campeonato solitário de nós duas, com a chuva daquele fim de semana tão longo...

O cansaço da busca pelo ideal -inexistente- [bonito, inteligente, pequeno, solteiro, independente e hétero] deu lugar ao essencial.

A importância de ter alguém na vida que (lógico, entre outras virtudes indispensáveis à nossa exigência) naquele momento soubesse apenas pedir por favor 'gentilmente' e falasse: seiscentos gramas.

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Uma amiga e eu, ao sairmos da aula de teatro, conversávamos sobre nossas rotinas. Estávamos tristes com o que permeia a nossa vontade e a nossa obrigação. Acordar, arranjar um ânimo não sei onde, levantar e ir ao trabalho que consome nosso tempo e que faz de nós criaturas com muito mais inquietações do que certezas.



Falávamos da vida a caminho de casa. Entre uma discussão e outra eu disse que não acreditava que ela tem 33 anos, pois parece ter 25. Ela, com ar de tristeza falou: "Sim, você tem 37, mas já construiu uma vida...eu nem tive filhos"...

Esta frase, tão simples, revirou, dormiu e acordou aqui.



Estar no segundo casamento, ter duas filhas e certa independência não exclui certo sentimento de abandono de vez em quando. Do mesmo modo que não estou imune ao desejo de solidão, uma casa vazia, um silêncio.



Ela não faz ideia de como às vezes é insuportável querer escrever, ler, dormir, deitar no sofá e fazer nada... o que até é possível, desde que a criatura tenha um problema sério de perda auditiva severa ou finja tê-lo. Do contrário, no melhor do descanso, lá vai você para o tanque, lavar um pijama molhado de xixi porque não deu tempo de sua criança de 3 anos chegar ao banheiro. Fora trocar o pijama, limpar o chão e não perder a paciência por entender que foi sem querer. Ok. Ah... se isso fosse ao menos 10% das inconveniências.



E acordar de manhã, tomar café e esperar a mesma criança de 3 anos comer? Elas são lentas. O tempo passa. A mesa é desfeita quase que simultaneamente ao preparo do lanche da escola. Depois, fazer tudo - absolutamente tudo - em duplicidade: pentear cabelo, tomar banho, trocar de roupa, escovar os dentes... e até a hora de sair, antes das 8, você já cansou.



Minha amiga não percebeu ainda que ser solteira, mesmo sem convicção, tem um charme que causa inveja. Ser livre. Fazer o que se tem vontade a qualquer hora (milagre possível e reservado a mortais na condição dela), não ter certas preocupações e obrigações ligadas a existência de filhos. Talvez ela ainda não saiba o significado de fazer escolhas, adiar projetos, enterrá-los até, para priorizar outras necessidades. Dos filhos, claro!

Talvez ela ainda não saiba que não temos escolha, a não ser assumirmos a responsabilidade por essas ecolhas...



Que fique claro. Gosto da vida que tenho. Só estou cansada. Cansada pelo inverso do que ela sente - a falta de tudo isso. Mas será que ela faz ideia das cores e formatos dessa realidade?



Só queria que ela soubesse que não ter compromisso não é uma tragédia. É um tempo que tem um valor único, como todas as fases da vida e que mais tarde, poderá causar saudade.



Eu ia falar de outra coisa. Do ponto de intersecção da nossa inquietação. Da vontade de viver do teatro que amamos e do tédio profundo de ter que engolir o trabalho que nos sustenta, mas que nunca fará de nós escravas exclusivas dele.



Mas esse é um assunto para a próxima crônica.

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