As melhores frases e poemas de Cora Coralina

Equipe editorial do Pensador
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Criado e revisado pelos nossos editores

Cora Coralina (1889 - 1985) é uma das poetisas brasileiras mais queridas da literatura. Com uma escrita marcada pela simplicidade, de versos livres e doces, a autora escreveu muito sobre o cotidiano simples de sua vida em Goiás e até hoje inspira muita gente com sua linguagem única.

Apesar de ter sido publicada pela primeira vez apenas aos 75 anos de idade, Cora já escrevia desde os 14 anos e acumulou um belo material de poemas, contos e outros escritos. Confira os melhores poemas e frases da autora goianiense!

Das pedras

Das Pedras

Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras cresceu a minha poesia.
Minha vida...
quebrando pedras
e plantando flores.

(...)

Bibliografia: Meu Livro de Cordel. 8. ed. São Paulo: Global, 1998.

Em outro de seus poemas memoráveis, chamado “Assim eu vejo a vida”, Cora expõe as condições difíceis que passou e termina com uma mensagem, mais uma vez, de positividade:

Assim eu Vejo a Vida

A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.

Bibliografia: Folha de São Paulo, 04 jul. 2001.

Nota: Poema inédito publicado na "Folha de S.Paulo" em 4 de julho de 2001.

Cora Coralina: poetisa e doceira de mão cheia

A profissão de doceira, que sustentou a autora e sua família por quase 80 anos, e as belezas do trabalho doméstico também aparecem frequentemente em seus poemas:

Minhas mãos doceiras...
Jamais ociosas.
Fecundas. Imensas e ocupadas.
Mãos laboriosas.
Abertas sempre para dar,
ajudar, unir e abençoar.

Bibliografia: Meu Livro de Cordel. São Paulo: Global Editora, 2012.

Todas as vidas

Todas as Vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.

(...)

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.

(...)

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.

(...)

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida —
a vida mera das obscuras.

Bibliografia: Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. Prefácio de J. B. Martins Ramos. Apresentação de Oswaldino Marques, Lena Castello Branco Ferreira Costa e Silvia Alessandri Monteiro de Castro. 16. ed. São Paulo: Global, 199.

Uma mulher da roça com conhecimento para dar e vender

Cora frequentou muito pouco a escola, porém era autodidata e seus poemas demonstram uma imensidão de referências e influências sociais, filosóficas e literárias.

Mulher da roça eu sou

Mulher da roça eu o sou. (...) Sou semente, sou pedra. Pela primeira voz cantam todos os pássaros do mundo.

Bibliografia: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha”, 6ª ed., São Paulo: Global Editora, 1997.

Aquela figurinha de uma senhorinha pacata, simples e roceira pode enganar a nós, leitores. Tem até um quê de futurismo em sua escrita, olha só:

Tempo virá. Uma vacina preventiva de erros e violência se fará.
As prisões se transformarão em escolas e oficinas.
E os homens, imunizados contra o crime,
cidadãos de um novo mundo,
contarão às crianças do futuro, estórias absurdas de prisões, celas, altos muros, de um tempo superado.

Bibliografia: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 6ª ed., São Paulo: Global Editora, 1997.

Uma boa dose de perseverança acompanhada de amor à poesia, por favor!

Ofertas de aninha

Ofertas de Aninha (Aos moços)

Eu sou aquela mulher
a quem o tempo
muito ensinou.
Ensinou a amar a vida.
Não desistir da luta.
Recomeçar na derrota.
Renunciar a palavras e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos.
Ser otimista.

Bibliografia: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 6ª ed., São Paulo: Global Editora, 1997.

A poesia e o poeta

O Poeta e a Poesia

(...)

Poeta é a sensibilidade acima do vulgar.
Poeta é o operário, o artífice da palavra.
E com ela compõe a ourivesaria de um verso.

Poeta, não somente o que escreve.

(...)

O autêntico sabe que jamais
chegará ao prêmio Nobel.
O medíocre se acredita sempre perto dele.

Alguns vêm a mim.
Querem a palavra, o incentivo, a apreciação.
Que dizer a um jovem ansioso na sede precoce de lançar um livro…
Tão pobre ainda a sua bagagem cultural,
tão restrito seu vocabulário,
enxugando lágrimas que não chorou,
dores que não sentiu,
sofrimentos imaginários que não experimentou.

Bibliografia: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 6ª ed., São Paulo: Global Editora, 1997.

Não é o poeta que cria a poesia

Não é o poeta que cria a poesia. E sim, a poesia que condiciona o poeta.

Bibliografia: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 6ª ed., São Paulo: Global Editora, 1997.

Cora Coralina: a linguagem simples de uma poetisa extraordinária

Cora também parecia ser crítica à norma culta da língua. Era a favor de uma linguagem simples e ao sabor da palavra em sua pureza:

Meu vintém perdido

Meu Vintém Perdido

Já o nordestino, mesmo analfabeto, tem uma linguagem corrente,
fácil e floreada, encenada nos arcaísmos do idioma.
Tive uma empregada que só dizia “meicado”.

Outra que teimou sempre em me dizer “Dona Coria”.
Não criei obstáculos nem propus conserto. No fim,
quando me dirigia à primeira eu dizia: vai ao “meicado”,
com medo de que ela se corrigisse.

Achava aquilo saboroso,
como saborosa me pareceu sempre a linguagem dos simples.
Tão fácil, espontânea e pitoresca nos seus errados.

Bibliografia: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 6ª ed., São Paulo: Global Editora, 1997.

A linguagem errada dos humildes tem para mim um gosto de terra
e chão molhado e lenha partida.
Jamais procurei corrigi-los como jamais tolerei o bem falante, exibido.

Bibliografia: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 6ª ed., São Paulo: Global Editora, 1997.

A vida é boa

A vida é boa. Saber viver é a grande sabedoria. (...) Fazer bem feito tudo o que houver de ser feito.

Bibliografia: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 6ª ed., São Paulo: Global Editora, 1997.

Além de doce, inteligente e vivida, Cora também sabe ser mística

Se você acredita em um lado místico de tudo o que está no universo, vai adorar este poema que mistura sentimento e a simbologia da Lua:

Lua Luar

Lua-Luar

Escuto leve batida.
Levanto descalça, abro a janela
devagarinho.
Alguém bateu?
É a lua-luar que quer entrar.

Entra lua poesia
antes dos astronautas:
Gagarin da terra azul.

(...)

Lua cúmplice.
Lésbica lua nascente,
andrógina – lua-luar.

(...)

Lua das gestações do amor.
Do acaso, do passatempo
irresistível,
responsável, irresponsável.

Lua grande. Lua genésica
que marca a fertilidade da fêmea
e traz o macho para a semeadura.
O fruto aceito –
mal aceito: repudiado, abandonado.

A semente morta
lançada no esgoto.
A semente viva palpitante
deixada em porta alheia.

Bibliografia: Meu Livro de Cordel. 8. ed. São Paulo: Global, 1998.

Devemos muito a todos

Muitos se ufanam:
“Não devo nada a ninguém”.
Engano: devemos muito a todos.

Bibliografia: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. São Paulo: Global Editora, 1997.

E, para finalizar, uma reflexão sobre a arte poética vinda de uma mulher que dedicou mais de sete décadas da sua vida à doçura das palavras:

Poeta é ser ambicioso

Poeta é ser ambicioso, insatisfeito, procurando no jogo das palavras, no imprevisto do texto, atingir a perfeição inalcançável.

Bibliografia: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 6ª ed., São Paulo: Global Editora, 1997.


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