Apagar a minha Estrela
Não consigo imaginar minha vida sem algumas pessoas. Talvez elas não saibam o quanto, mas ocupam uma importância sem tamanho para mim.
Que minha dor obscura não morra nas tuas asas,
Nem se me afogue a voz em tua garganta de ouro.
Desfaz, Amor, o ritmo
Destas águas tranquilas:
Sabe ser a dor que estremece e que sofre,
Sabe ser a angústia que se grita e retorce.
Não me dês o olvido.
Não me dês a ilusão.
Porque todas as folhas que na terra caíram
Me deixaram de ouro aceso o coração.
Dez chamamentos ao amigo
V
Nós dois passamos. E os amigos
E toda minha seiva, meu suplício
De jamais te ver, teu desamor também
Há de passar. Sou apenas poeta
E tu, lúcido, fazedor da palavra,
Inconsentido, nítido
Nós dois passamos porque assim é sempre.
E singular e raro este tempo inventivo
Circundando a palavra. Trevo escuro
Desmemoriado, coincidido e ardente
No meu tempo de vida tão maduro
Bom Jesus do Itabapoana - minha cidade!
Minha cidade é tão simples,
habitada por gente composta
de qualidades plurais,
características singulares,
daquele que vive e gosta
de viver, conviver,
amar demais.
Bom Jesus abençoou esse pedaço de chão,
abriu seus braços imensos,
espargiu muita luz
pra iluminar o caminho de cada cidadão.
É por isto que os lenços
que se usavam pra chorar,
viraram bandeiras de fé
apontados para a cruz,
agradecendo de pé,
pela dádiva: Bom Jesus!
E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória.
Achei que eu ia ser esperta pra sempre, mas para a minha grande alegria estou me sentindo uma idiota. Sabe o que eu fiz hoje? As pazes com o Bob Marley, com o Bob Dylan e até com o ovomaltine do Bob’s. As pazes com os casais que se balançam abraçados enquanto não esperam nada, as pazes com as pessoas que não sabem ver o que eu vejo.
Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo esses dois portos gelados da solidão é vera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o eterno do perecível, loucos.
Não perguntavam por mim,
mas deram por minha falta.
Na trama da minha ausência,
inventaram tela falsa.
Quero tudo pois nada é bom demais para a minha morte que é a minha vida tão eterna que hoje mesmo ela já existe e já é.
Minha alma humana é a única forma possível de eu não me chocar desastrosamente com a minha organização física, tão máquina perfeita que é. Minha alma humana é, aliás, também o único modo como me é dado aceitar sem desatino a alma geral do mundo. A engrenagem não pode nem por um segundo falhar.
Para a minha profunda moralidade anterior, eu ter descoberto que estou tão cruamente viva quanto essa cruz luz que ontem aprendi, para aquela minha moralidade, a glória dura de estar viva é o horrror.
A outra – a incógnita e anônima – essa outra minha existência que era apenas profunda, era o que provavelmente me dava a segurança de quem tem sempre na cozinha uma chaleira em fogo baixo: para o que desse e viesse, eu teria a qualquer momento água fervendo.
Desde que eu acordei tem só uma pessoa na minha mente. E o pior é saber que essa mesma pessoa, não deve nem lembrar meu nome.
Então eu disse a ele - e foi a única coisa dita: se isso acabar agora, vai ter valido a minha vida (...) Eu vou atrás dele. Desse homem que nunca conheci de fato, mas que existe de outra forma, que existe com outro rosto e outro nome, que existe no meu futuro, se o futuro eu permitir que aconteça. Não quero mais o presente, não quero mais a paralisia, o pra sempre. Alguém espera por mim. Alguém não vê a hora de eu chegar. Eu não vejo essa hora. Daqui, não alcanço esse sonho. Eu me vou. (...) Me reconheça ímpar. Impaciente. Só. Muito antes de louca. Muito antes e muito mais. Louca é pouco. (...) As perdas serão calculadas, as malas serão fechadas, as crianças serão preservadas e as vidas seguidas. E eu, então, irei atrás do meu instante.
Trabalhar é a minha verdadeira moralidade
Tudo isso me perturbava porque eu pensara até então que, de certa forma, toda minha evolução conduzira lentamente a uma espécie de não-precisar-de-ninguém. Até então aceitara todas as ausências e dizia muitas vezes para os outros que me sentia um pouco como um álbum de retratos. Carregava centenas de fotografias amarelecidas em páginas que folheava detidamente durante a insônia e dentro dos ônibus olhando pelas janelas e nos elevadores de edifícios altos e em todos os lugares onde de repente ficava sozinho comigo mesmo. Virava as páginas lentamente, há muito tempo antes, e não me surpreendia nem me atemorizava pensar que muito tempo depois estaria da mesma forma de mãos dadas com um outro eu amortecido — da mesma forma — revendo antigas fotografias. Mas o que me doía, agora, era um passado próximo.
Minha grande altivez: prefiro ser achada na rua. Do que neste fictício palácio onde não me acharão porque – porque mando dizer que não estou, “ela acabou de sair”.