Amor Marta Medeiros
Outra pessoa
Sou fã da Gloria Kalil, uma mulher elegante em sua despretensiosa simplicidade e que consegue ser feminina e categórica ao mesmo tempo - combinação rara. Pois é ela que dá graça e leveza ao quadro Etiqueta Urbana, que apresenta junto com Renata Ceribelli no Fantástico, aos domingos. No último programa (22/07), o assunto era etiqueta nas relações amorosas: o que a intimidade permite e o que não permite. Todos deveriam nascer sabendo, mas há quem se atrapalhe, normal. O que é difícil de acreditar é que ainda exista, como o programa mostrou, mulheres que atendam o celular do parceiro para checar quem está ligando pra ele. Uma moça explicou que faz isso porque se sente no direito de saber quem está atrás do seu marido, e justificou: "se fosse outra pessoa, eu não faria". No que Gloria Kalil, abismada, alertou: "mas ele é outra pessoa".
Extra, extra! Notícia quente para quem está chegando agora da lua: nossos namorados, maridos e esposas são outras pessoas. Eles dizem que nos amam, e tudo indica que é verdade, mas isso não significa que o amor possua o dom de fundir o casal. Este ser com quem você divide o teto e as contas continua tendo amigos próprios, clientes próprios, vida própria. Você não vai acreditar: até pensamentos próprios! Pois é, criatura. Seu grande amor nasceu de uma família que não tem nada a ver com a sua, teve uma infância muito diferente da que você teve e viveu muito bem sem sonhar que você iria atravessar o destino dele - claro que, se ele for romântico, vai negar esta última parte e dizer que simplesmente não existiu antes de você aparecer. Como é que você tem coragem de xeretar a privacidade de um sujeito tão sedutor?
Celulares tocam numa tarde de domingo e isso não quer dizer que do outro lado da linha esteja um ricardão ou uma manteúda. Mas pode ser que esteja também, quem aqui tem bola de cristal? Só que não é esta a questão. O assunto em pauta é civilidade, lembra? Tem que ter! Educação segue sendo necessário até pra quem está casado há 82 anos, sem contar os sete de namoro. Se não houver gentileza e respeito, vira barraco. Baixaria. Fiasco. Portanto, pare de achar que está sendo traído e de ficar procurando evidências. Siga o conselho do sábio psiquiatra suíço Adolph Meyer: não coce onde não está coçando.
As relações amorosas seriam muito menos traumatizantes se os envolvidos tivessem a consciência de que estão vivenciando um excitante encontro entre adultos, e não um projeto de mútua adoção. Ninguém é criança, ninguém agüenta monitoramento constante. Morando em casas separadas ou na mesma casa, ele é uma pessoa, você é outra, e é aconselhável que cada um respire com o próprio nariz, pra não acabar em asfixia.
Strip-Tease
Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.
Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela. A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.
Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.
Primeiro tirou a máscara: "Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto".
Então ela desfez-se da arrogância: "Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história."
Era o pudor sendo desabotoado: "Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou".
Retirava o medo: "Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei".
Por fim, a última peça caía, deixando-a nua: "Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui".
E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.
Não era amor, era melhor.
Nota: Trecho de crônica de Martha Medeiros.
Não era amor. Era uma sorte, uma travessura, uma sacanagem, dois celulares desligados. Não era amor, era melhor.
Nota: Trecho de crônica de Martha Medeiros.
O amor, tão nobre, tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte profundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático. Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio, ainda que com menos gravidade.
E ter o amor rejeitado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro.
Nota: Trecho da crônica "O Medo do Amor" de Martha Medeiros: Link
“Não sabemos de nada até que chegue a nossa vez. A gente não sabe do que o nosso amor é capaz, o que a nossa natureza nos reserva, o poder da nossa desobediência ou subordinação. A gente não pode prever nossa reação diante do susto, da paixão, da fome, do medo. Podemos vir a ser uma grata surpresa.”
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Maior e melhor que amor
Às vezes me pergunto por que o amor, que dizem ser a coisa mais forte e importante que há, faz tanta gente sofrer. Entendo que algumas pessoas amam com impaciência, amam com possessão, amam com insegurança, amam com violência, amam com preguiça, amam das formas mais desajeitadas, e nada disso é coisa fácil de lidar. Mas o amor é assim mesmo, vem acompanhado de várias outras sensações, todas elas fora do nosso controle. O amor é lindo, mas também pode ser tenso, fóbico, difícil. Billie Holliday cantava: “Não me ameace com amor, baby/vamos só caminhando na chuva”.
Chego à conclusão, então, de que se o amor é nobre e, ao mesmo tempo, ameaçador, deve existir algo muito melhor que amor. Muito maior que ele. Um sentimento que vários de nós talvez já tenhamos experimentado, só que, como esse sentimento nunca foi batizado, não o reconhecemos com facilidade. É difícil classificar as coisas sem nome.
Maior que o amor, melhor que o amor: um sentimento que ultrapasse todos os padrões convencionais de relacionamento. Que prescinda de fogos de artifício por ter chegado e também dispense velório por ter partido, que se instale sem radares em volta, que não nos deixe apreensivos para entendê-lo e nem para traduzir os seus sinais. Um sentimento que não se atenha à longevidade nem a uma intensidade medida pelo número de declarações verbais. Que seja algo que supere conceitos como matrimônio, família, adequação social. Que seja individualizado, amplo e sem contra-indicações.
O amor — como o conhecemos — é apenas um aprendizado, um estágio antes de a gente alcançar isso que é maior e melhor: um sentimento que independe da presença constante do outro, que confere leveza à vida, que nos deixa absolutamente plenos e livres. Plenos o amor nos torna; mas livres? Não. O amor termina e isso nos atormenta. Quando é maior e melhor que amor, não termina, mesmo quando a relação se desfaz.
É um sentimento que, quanto mais forte, mais calmo. Quanto maior, mais discreto. A gente não o pensa, não o discute, não o compara, não o idealiza. Ele simplesmente encontra asilo dentro de nós e cresce sem a aflição daquelas regrinhas impostas ao amor: “tem que cultivar, tem que reinventar, tem que...”. Tem que nada. Tem que apenas curtir. É até bom que ele não tenha nome, símbolo, cor e teorias. Melhor assim, sem estampar capas de revista, sem que ninguém o use como argumento para cometer insanidades, sem virar mote para propaganda, sem fazer sofrer nas novelas e nem na vida.
Simplesmente enorme assim, sem ameaçar. Transcendente como um convite para caminhar na chuva...
O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste.
Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole.
Martha Medeiros
Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto. (...) Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história. (...) Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou. (...) Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei. (...) Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui.
Ainda bem que existem amigos para amar, abraçar, sorrir, cantar, escrever em recibos e tirar fotos bonitas. E a vida segue. Feliz. Sua imaginação te preenche, seus amigos te dão colo, vodka e dias incríveis.
Ninguém é muita areia para ninguém. Pessoas aparentemente especiais se apaixonam por outras aparentemente banais e isso não é um trote, não é uma pegadinha, não é nada além do que é: um inesperado presente da vida, que todos nós merecemos.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. (...) Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referências. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá.
... mesmo havendo amor e desejo,
muitas relações não se sustentam, e fica
a pergunta atazanando dentro: por quê?
O casal se gosta tanto, o que os impede
de manter uma relação estável, divertida
e sem tanta neura?
Condição de entrega: se não existir, a relação
tampouco existirá pra valer. Será apenas um
simulacro, uma tentativa, uma insistência.
A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito,
que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil.
Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto,
e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui.
O amor, ao contrário do que se pensa,não tem que vir antes de tudo. Ele não é uma garantia de que apartir do seu surgimento, tudo mais dará certo.
Sobre aceitar a partida de um amor.
[...] Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo.
É o arremate de uma história que terminou,
externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente…
E só então a gente poderá amar, de novo.