Amor de Primos
O seu amor, a sua ternura, eram apenas um sonho. Mas valeria a pena aceitar sonhar um amor que queremos viver na realidade?
Apesar de tudo, o amor era menos simples do que ele julgava. Era mais forte do que o tempo. O amor, no fim das contas, era feito de inquietações, de renúncias, de pequenas tristezas que surgiam a todo instante.
A flor e seu nome
Mas o que impressiona mesmo no amor-perfeito é o nome. Que responsabilidade, meu filho! Há por aí uma planta chamada de amor-de-um-dia, que não carece muito esforço para ser e acontecer, como doidivanas. Outra atende por amor-das-onze-horas e presume-se como sua vida é folgada. Há também amor-de-vaqueiro, amor-de-hortelão, amor-de-moça, amor-de-negro... muitos amores vegetais que desempenham função limitada. Mas este aqui não tem área específica, não se dirige a grupo, ocasião, profissão. É absoluto, resume um ideal que vai além do poder das flores e dos seres humanos.
Que sentirá o amor-perfeito, sabendo-se assim nomeado? Que tristeza lhe transfixará o veludo das pétalas , ao sentir que os homens que tal apelação lhe dera não são absolutamente perfeitos em seus amores? Que aquele substantivo, casado a este adjetivo, sugere mais aspiração infrutífera da alma do que modelo identificável no cotidiano?
A tais perguntas o sóbrio amor-perfeito não responde. O outono tampouco. Talvez seja melhor não haver resposta.
Que é o amor?
A necessidade de sair de si.
O homem é um animal adorador
Adorar é sacrificar-se e prostituir-se
Assim, todo amor é prostituição.
Vencido está de amor
Vencido está de amor meu pensamento
o mais que pode ser vencida a vida,
sujeita a vos servir e instituída,
oferecendo tudo a vosso intento.
Contente deste bem, louva o momento
ou hora em que se viu tão bem perdida;
mil vezes desejando a tal ferida
outra vez renovar seu perdimento.
Com essa pretensão está segura
a causa que me guia nesta empresa,
tão estranha, tão doce, honrosa e alta.
Jurando não seguir outra ventura,
votando só por vós rara firmeza,
ou ser no vosso amor achado em falta.
Não mexa com o amor de um diferente. A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois.
O amor não acaba. O amor apenas sai do centro das nossas atenções. O tempo desenvolve nossas defesas, nos oferece outras possibilidades e a gente avança porque é da natureza humana avançar. Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice. Paixão termina, amor não. Amor é aquilo que a gente deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto for bem-vindo, e que transferimos para o quartinho dos fundos quando não funciona mais, mas que nunca expulsamos definitivamente de casa.
Se uma pessoa ama sem inspirar amor, isto é, se não é capaz, ao manifestar-se uma pessoa amável, de tornar-se amada, então o amor dela é impotente e uma desgraça.
Acredito, sim, em amores para toda a vida e, além da vida, pois seria um tipo de amor unido à própria alma, e sem alma a vida não tem razão.
O amor, porém, é contagioso, com especialidade na solidão, onde a alma tem necessidade de uma companheira, e quando de todo não a encontra, divide-se ela própria para ser duas: uma, esperança; outra, saudade.
Eu encontrei-a quando não quis
mais procurar o meu amor
e o quanto levou foi pra eu merecer
antes um mês e eu já não sei
e até quem me vê lendo jornal
na fila do pão sabe que eu te encontrei,
e ninguém dirá
que é tarde demais
que é, tão diferente assim
do nosso amor
a gente é quem sabe, pequena...
Se tiver amor e compaixão por todos os seres sencientes, em especial por seus inimigos, este é o verdadeiro amor e a verdadeira compaixão. O amor e compaixão, nutridos por seus amigos, esposa e filhos, não são verdadeiros em sua essência. São apego, e esse tipo de amor não pode ser infinito.
... Afastarei você com o gesto mais duro que conseguir e direi duramente que seu amor não me toca nem me comove e que sua precisão de mim não passa de fome...
Não existe perdão com ressalvas. O verdadeiro perdão é como o verdadeiro amor pregado por Cristo: é sublime e incondicional.
Quando choramos abraçados e caminhamos lado a lado. Por favor amor me acredite, não há palavras para explicar o que eu sinto...
O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.