Agradecimento de Fernando Pessoa
Sobre o amor, na língua portuguesa sou muito mais o sentimento de Luís de Camões do que o de Fernando Pessoa. O meu "Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer."
Eu estava seguro e maduro.
Havia acabado de construir o meu muro.
Me escondi, na sombra, no escuro.
Pois dá muito trabalho limpar o entulho.
Aí você apareceu assim, tão de repente.
E eu, que fazia um esforço para não ver gente.
Fui puxado para fora e fiquei contigo frente a frente.
Senti o teu calor, teu ânimo, sua alegria.
Deu vontade de correr, como de hábito eu fazia.
E você, sem fazer nada, fez eu querer sua companhia.
Eu estou surpreso e não sei o que fazer, pensar ou dizer.
Esse mundo onde as palavras faltam e o fôlego tremula.
É medicação para a alma, que nunca tomei nem li a bula.
E o pior é que eu, antes tão comunicativo, fico tímido quando você aparece.
A expectativa de encontrar amanhã, a cada noite cresce.
Meus lábios querem os seus e a sua alma já te contou.
Nessa linguagem silenciosa que o amor é doutor.
Esse seu silêncio que parece que não quer ou que não me entendeu.
Me deixa apreensivo e lembrando das vezes, que o meu coração já doeu.
O que eu faço agora, me diga como você entrou?
Pois esse coração que antes era valente, flechado por você se acovardou...
Achei algo que valia a pena; mas não era você.
Sempre acabei ficando com o resto que os outros deixaram; com os pesos,
e as malas prontas, cheias de insegurança.
Quais nunca ficaram de verdade em mim.
E que se foram quando se supriram de suas necessidades.
Não quero mais tentar curar ninguém.
Se pecados realmente existem,
eles são pagos em vida,
não em morte.
Em morte
se descansa dos outros,
não de nós mesmos.
Já escrevi tanto sobre tantos,
que me perco entre meus entretantos.
No entanto,
sou vírgulas ao invés de pontos.
Todas as escritas acabam aqui.
Nunca faz ou fizeram diferença.
Sempre alguém morre o tempo todo;
e às vezes não é enterrado.
O funeral acontece aos poucos,
sendo velado sob risadas escalafobeticas
de quem você achava que era importante.
E aos poucos,
me consideraria bom o suficiente pra desparecer lentamente; sem comoção de aplausos.
Sumir ao poente de uma alvorada lenta e desperdiçada em minha cama infinita e dormente.
Sempre alguém deixa de existir,
e não é por escolha.
Você segue as massas ou se contenta com uma solitude inaceitável e desvastadora. Não há outra escolha.
Sua mente não se aconchega.
E eu não sigo ninguém que pensa igual ao outro.
Por que me sinto tão suficiente,
que os assuntos discutidos ao meu pé do ouvido
são totalmente desinteressantes e sem brilho.
Pudera eu poder rir das mesmas velhas piadas e me considerar sortudo por isso.
Elas são desgastantes e ingratas, confusas, chatas e arrogantes, sem graça.
Teu sorriso inibido contra meu pudor,
pode me desencadear tanta maldição.
E teus elementos atirados ao fogo,
me colocaram colares sufocantes; esperando de mim o que eu não posso entregar.
Nunca serei páreo, nunca serei ácido, nunca serei sério.
Alguém morre o tempo todo.
E essas são minhas últimas frases estacadas em uma estaca no chão, que não sobrarão, senão, caliças e destroços de mais uma vez que "tentei ser" o que alguém procurava. A última vez que fui enganado por sentimentos em formato de migalha.
E os acontecimentos precoces que me ponderaram a escória de passar por tantas guerras sem armas, me tornaram infrágil diante de todas as carcaças que levei diante minhas costas.
Então,
o que apaga de repente
não causa alarde constante.
E ser facilmente esquecido
na estante
é o que mais desejo.
Nunca serei constante.
E essas são as últimas frases que escrevo nessas lápides.
E meus fios de cabelo se desvanecem diante a escuridão de madeira.
Minha barba cresce junto com a arrogância, com a impertinência, e me torno tão frio que já não me reconheço mais.
Meia dias delongos,
esvairados: no tempo certo da minha loucura sentimental.
É tão barato não ter um preço a se pagar.
E minhas dividas estão sanadas diante seu inquérito de passagens de idas e voltas; abrindo machucados sarados.
Como se eu pudesse tapar todos os seus buracos.
Fui uma caravela que soprava teus dias, fazendo dele um dia bom.
Fui embarcação, que você se apoiou e usou pra se esquecer de si mesma.
Sem mais,
navegar não é e nunca foi preciso.
Aceno.
Ninguém balança à mão do horizonte.
Nada corresponde.
E Todas as escritas acabam aqui.
E me vou junto com elas.
E como se eu não fosse nada,
se faz de indiferente
no meio de tanta gente
que só queria
contabilizar mais um digito
em sua cadeia alimentar.
Se faz de diferente,
no meio de tanta indiferença
que não fez, se quer, nenhuma sequência
em meus atos,
degradando minha inocência.
E como se eu não fosse nada: se esquece fácil.
Se desloca, novamente, pra sua quietude,
me separando do resto do mundo.
Me excluindo de tudo que julga ser incorreto.
Me esquecendo como um passar de vento mechendo seus lençóis na janela.
Já não há mais motivo pra seguir.
Eu amo vocês,
mas é tarde.
O deus Pã não morreu,
Cada campo que mostra
Aos sorrisos de Apolo
Os peitos nus de Ceres —
Cedo ou tarde vereis
Por lá aparecer
O deus Pã, o imortal.
Não matou outros deuses
O triste deus cristão.
Cristo é um deus a mais,
Talvez um que faltava.
Pã continua a dar
Os sons da sua flauta
Aos ouvidos de Ceres
Recumbente nos campos.
Os deuses são os mesmos,
Sempre claros e calmos,
Cheios de eternidade
E desprezo por nós,
Trazendo o dia e a noite
E as colheitas douradas
Sem ser para nos dar
O dia e a noite e o trigo
Mas por outro e divino
Propósito casual.
Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura.
(Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares – Fonte: Domínio Público)
Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.