Adelia Prado

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Adélia Prado (1935) é uma escritora brasileira. Poetisa e romancista, consagrou-se como a voz mais feminina da poesia brasileira. Recebeu da Câmara Brasileira do Livro, o Prêmio Jabuti de Literatura, com "Coração Disparado".

Desejo a máquina do tempo
para que não haja o havido
e eu recomece misericordiosamente.

Do livro "Os Componentes da banda"

Quero comer bolo de noiva,
puro açúcar, puro amor carnal
disfarçado de corações e sininhos:
um branco, outro cor-de-rosa,
um branco, outro cor-de-rosa.

(...) fiquei doida no encalço. Só melhoro quando chove.

Eu acho que Deus é uma projeção humana, é um desejo infinito que nós temos de adoração, e de algo que nos suspende com o sentido absoluto.

O amor me fere é debaixo do braço, de um vão entre as costelas, atinge o meu coração é por esta via inclinada

Adélia Prado

Nota: Trecho de poema presente no livro "Bagagem", de Adélia Prado. Link

.Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.

Faça-se a dura vontade do que habita meu peito: Vem, Jonathan, traz flores pra minha mãe e um par de algemas pra mim.

Eu quero depois, quando viver de novo, a ressurreição e a vida escamoteando o tempo dividido, eu quero o tempo inteiro.

Deus de vez em quando me tira a poesia e eu olho pedras e vejo pedras mesmo...

Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Adélia Prado
PRADO, A. Terra de Santa Cruz, Rio de Janeiro: Record. 2006. p. 25.

Às vezes acho que nasci na década errada. Tenho princípios que já se perderam e amo coisas que já não se dá mais valor.

“Pior que medo de alma do outro mundo é o medo da alma do mundo do outro” –

Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira(…) Vai ser coxo na vida é maldição para homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado

Nota: Trecho de poema presente no livro "Bagagem", de Adélia Prado. Link

Aqui é dor, aqui é amor, aqui é amor e dor:
onde um homem projeta seu perfil e pergunta atônito:
em que direção se vai?

AMOR FEINHO
Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.

Adélia Prado
PRADO, A. Bagagem. Rio de Janeiro: Record. 2011. p. 97

Vale a pena esperar, contra toda a esperança,
o cumprimento da Promessa que Deus fez a nossos
pais no deserto. Até lá, o sol com chuva, o arco-íris,
o esforço de amor, o maná em pequeninas rodelas,
tornam boa a vida. A vida rui? A vida rola mas não cai.
A vida é boa.

Eu tenho a esperança que nada se perde,
tudo alguma coisa gera...
O que parece morto, aduba...
O que parece estático, espera.

Resumo

Gerou os filhos, os netos,

deu à casa o ar de sua graça

e vai morrer de câncer.

O modo como pousa a cabeça para um retrato

é o da que, afinal, aceitou ser dispensável.

Espera, sem uivos, a campa, a tampa, a inscrição:

1906-1970

SAUDADE DOS SEUS, LEONORA.

Dona Doida

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso

com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.

Quando se pôde abrir as janelas,

as poças tremiam com os últimos pingos.

Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,

decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.

Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,

trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.

A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,

com sombrinha infantil e coxas à mostra.

Meus filhos me repudiaram envergonhados,

meu marido ficou triste até a morte,

eu fiquei doida no encalço.

Só melhoro quando chove.

Adélia Prado
Do livro "Poesia Reunida", Editora Siciliano - 1991, São Paulo, página 108.

Sei que Deus mora em mim
Como sua melhor casa.
Sou sua paisagem,
Sua retorta alquímica
E para sua alegria
Seus dois olhos.
Mas esta letra é minha."
_
(PRADO, Adélia. "Direitos Humanos" In Poesia Reunida, pg. 345 (Ed. Record - 2015)