Millôr Fernandes

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Viver é desenhar sem borracha.

Millôr Fernandes
Revista Veja 280 (16 de janeiro de 1974)

Vocês não sabem como é divertido o absoluto ceticismo. Pode-se brincar com a hipocrisia alheia como quem brinca com a roleta russa com a certeza de que a arma está descarregada.

há colcha mais dura
que a lousa
da sepultura?

Esnobar
É exigir café fervendo
E deixar esfriar.

Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha.

Nos dias quotidianos
É que se passam
Os anos

[POEMEU EFEMÉRICO]
Viva o Brasil
Onde o ano inteiro
É primeiro de abril

Nunca esqueça:
A vida também perde a cabeça

as nuvens, meu irmão,
são leviandades
da criação

Natação e Automobilismo:
Tenho absoluta incapacidade de admirar um homem apenas porque ele é melhor do que o outro um centésimo de segundo.

Toda regra tem exceção. E se toda regra tem exceção, então,
esta regra também tem exceção e deve haver, perdida por aí,
uma regra absolutamente sem exceção.

Quando todo mundo quer saber é porque ninguém tem nada com isso.

Goze.
Quem sabe essa
é a última dose?

Pais e filhos não foram feitos para ser amigos. Foram feitos para ser pais e filhos.

Pegamos o telefone que o menino fez com duas caixas de papelão e pedimos uma ligação com a infância.

com pó e mistério
a mulher ao espelho
retoca o adultério

Depois de bem ajustado o preço, a gente deve sempre trabalhar por amor à arte.

Criança é esse ser infeliz que os pais põem para dormir quando ainda está cheio de animação e arrancam da cama quando ainda está estremunhado de sono.

Capacidade de saber cada vez mais sobre cada vez menos, até saber tudo sobre nada.

o velho coelho
só se reproduz
no espelho

Na poça da rua
o vira-lata
lambe a lua

Em geral, quando a gente encontra um espírito aberto, entra e verifica que está é vazio.

O dinheiro não é só facilmente dobrável como dobra facilmente qualquer um.

O pior não é morrer. É não poder espantar as moscas.

Certas coisas só são amargas se a gente as engole.

Millôr Fernandes
Revista Veja 62 (12 de novembro de 1969)