Poemas de Vinícius de Moraes

Cerca de 319 poemas de Vinícius de Moraes

Foi muito lindo você ter vindo
Sempre sorrindo, dizendo
Que não tem de quê
Eu agradeço você ter me virado do avesso
E ensinado a viver
Eu reconheço que não tem preço
Gente que gosta de gente assim feito você.

Paris, outono de 73
Estou no nosso bar mais uma vez
E escrevo pra dizer
Que é a mesma taça e a mesma luz
Brilhando no champanhe em vários tons azuis
No espelho em frente eu sou mais um freguês
Um homem que já foi feliz, talvez
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor
Saudades, certamente, de algum grande amor

Mas ao vê-lo assim tão triste e só
Sou eu que estou chorando
Lágrimas iguais
E, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
E olha para trás
É, existe sempre uma mulher
Pra se ficar pensando
Nem sei... nem lembro mais

O Peru
Glu! Glu! Glu!
Abram alas pro Peru!

O Peru foi a passeio
Pensando que era pavão
Tico-tico riu-se tanto
Que morreu de congestão.

O Peru dança de roda
Numa roda de carvão
Quando acaba fica tonto
De quase cair no chão.

O Peru se viu um dia
Nas águas do ribeirão
Foi-se olhando foi dizendo
Que beleza de pavão!

Glu! Glu! Glu!
Abram alas pro Peru!

A porta

Eu sou feita de madeira
Madeira, matéria morta
Mas não há coisa no mundo
Mais viva do que uma porta.

Eu abro devagarinho
Pra passar o menininho
Eu abro bem com cuidado
Pra passar o namorado
Eu abro bem prazenteira
Pra passar a cozinheira
Eu abro de supetão
Pra passar o capitão.

Só não abro pra essa gente
Que diz (a mim bem me importa...)
Que se uma pessoa é burra
É burra como uma porta.

Eu sou muito inteligente!

Eu fecho a frente da casa
Fecho a frente do quartel
Fecho tudo nesse mundo
Só vivo aberta no céu!

Vinicius de Moraes
A arca de Noé (1970).

É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração

Vinicius de Moraes
Álbum "20 Grandes Sucessos de Vinicius de Moraes"

Nota: Trecho da música "Samba da Benção"

...Mais

Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade.

Deixa secar no meu rosto
Esse pranto de amor que a presença desatou
Deixa passar o desgosto
Esse gosto da ausência que me restou
Eu tinha feito da saudade
A minha amiga mais constante
E ela a cada instante
Me pedia pra esperar
E foi tudo o que eu fiz, te esperei tanto
Tão sozinho no meu canto
Tendo apenas o meu canto pra cantar
Por isso deixa que o meu pensamento
Ainda lembre um momento a saudade que eu vivi
A tua imagem fiel
Que hoje volta ao meu lado
E que eu sinto que perdi.

O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Vinicius de Moraes

Nota: Trecho da poesia "Soneto do Amor Total", de Vinicius de Moraes.

Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.

Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.

E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas.
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.

Saudade de Amar

Deixa eu te dizer, amor
Que não deves partir
Partir nunca mais
Pois o tempo sem amor
É uma dura ilusão
E não volta mais

Se tu pudesses compreender
A solidão que é
Te buscar por aí
Andando devagar
A vagar por aí
Chorando a tua ausência

Vence a tua solidão
Abre os braços e vem
Meus dias são teus
É tão triste se perder
Tanto tempo de amor
Sem hora de adeus

Oh, volta
Que nos braços meus
Não haverá adeus
Nem saudade de amar
E os dois, sorrindo a soluçar
Partiremos depois

A ausente

Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à idéia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranqüilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...

Àgua:
Àgua uma gota de chuva, uma gota de nuvem uma gota de àgua pra viver.
A àgua é importante: ECONOMIZE E GANHE UMA GOTA A MAIS DE SAÚDE!

Ai, a lua que no céu surgiu
Não é a mesma que te viu
Nascer dos braços meus
Cai a noite sobre o nosso amor
E agora só restou do amor
Uma palavra: adeus

A brusca poesia da mulher amada (III)

A Nelita

Minha mãe, alisa de minha fronte todas as cicatrizes do passado
Minha irmã, conta-me histórias da infância em que que eu haja sido herói sem mácula
Meu irmão, verifica-me a pressão, o colesterol, a turvação do timol, a bilirrubina
Maria, prepara-me uma dieta baixa em calorias, preciso perder cinco quilos
Chamem-me a massagista, o florista, o amigo fiel para as confidências
E comprem bastante papel; quero todas as minhas esferográficas
Alinhadas sobre a mesa, as pontas prestes à poesia.
Eis que se anuncia de modo sumamente grave
A vinda da mulher amada, de cuja fragrância já me chega o rastro.
É ela uma menina, parece de plumas
E seu canto inaudível acompanha desde muito a migração dos ventos
Empós meu canto. É ela uma menina.
Como um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina
Que para mim caminha em pontas, os braços suplicantes
Do meu amor em solidão. Sim, eis que os arautos
Da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos
Para cantar seus réquiens e os falsos profetas
A ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras.
Mas nada a detém; ela avança, rigorosa
Em rodopios nítidos
Criando vácuos onde morrem as aves.
Seu corpo, pouco a pouco
Abre-se em pétalas... Ei-la que vem vindo
Como uma escura rosa voltejante
Surgida de um jardim imenso em trevas.
Ela vem vindo... Desnudai-me, aversos!
Lavai-me, chuvas! Enxugai-me, ventos!
Alvoroçai-me, auroras nascituras!
Eis que chega de longe, como a estrela
De longe, como o tempo
A minha amada última!

Só por amor

Só por amor
Só por paixão
Só por você
Você que nunca disse não
Só por saber
Que o coração
Sabe demais
Que a razão não tem razão

Por você que foi só minha
Sem jamais pensar por quê
Por você que apenas tinha
Razões e mais razões para não ser

Só por amor
Só por amado
Só por amar
Meu amor, muito obrigado
Meu amor, muito obrigado

E por falar em saudade onde anda você
Onde andam seus olhos que a gente não vê
Onde anda esse corpo
Que me deixou morto de tanto prazer
E por falar em beleza onde anda a canção
Que se ouvia na noite dos bares de então
[...]
E por falar em paixão, em razão de viver,
Você bem que podia me aparecer
Nesses mesmos lugares, na noite, nos bares
Onde anda você?

Vinicius de Moraes

Nota: Trecho da música "Onde anda você"

SONETO DE MARTA

Teu rosto, amada minha, é tão perfeito
Tem uma luz tão cálida e divina
Que é lindo vê-lo quando se ilumina
Como se um círio ardesse no teu peito

E é tão leve teu corpo de menina
Assim de amplos quadris e busto estreito
Que dir-se-ia uma jovem dançarina
De pele branca e fina, e olhar direito

Deverias chamar-te Claridade
Pelo modo espontâneo, franco e aberto
Com que encheste de cor meu mundo escuro

E sem olhar nem vida nem idade
Me deste de colher em tempo certo
Os frutos verdes deste amor maduro.

Vinicius de Moraes
Álbum "Antologia poética"

Teu Nome

Teu nome, Maria Lúcia
Tem qualquer coisa que afaga
Como uma lua macia
Brilhando à flor de uma vaga.
Parece um mar que marulha
De manso sobre uma praia
Tem o palor que irradia
A estrela quando desmaia.
É um doce nome de filha
É um belo nome de amada
Lembra um pedaço de ilha
Surgindo de madrugada.
Tem um cheirinho de murta
E é suave como a pelúcia
É acorde que nunca finda
É coisa por demais linda
Teu nome, Maria Lúcia…

Ele te amou
E te plasmou na visão da manhã e do dia
Na visão de todas as horas
Ó hora dolorosa e roxa das emoções silenciosas.

A bênção, Bahia

Olorô, Bahia
Nós viemos pedir sua bênção, saravá!
Hepa hê, meu guia
Nós viemos dormir no colinho de lemanjá!

Nanã Borokô fazer um Bulandê
Efó, caruru e aluá
Pimenta bastante pra fazer sofrer
Bastante mulata para amar

Fazer juntó
Meu guia, hê
Seu guia, hê
Bahia!

Saravá, senhora
Nossa mãe foi-se embora pra sempre do Afojá
A rainha agora
É Oxum, é a mãe Menininha do Gantois

Pedir à mãe Olga do Alakêto, hê
Chamar Inhansã para dançar
Xangô, rei Xangô, Kabueci-elê
Meu pai! Oxalá, hepa babá!

A bênção, mãe
Senhora mãe
Menina mãe
Rainha!

Olorô, Bahia
Nós viemos pedir sua bênção, saravá!
Hepa hê, meu guia
Nós viemos dormir no colinho de lemanjá!